segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Memórias 2

Eu continuo bom no totó. Ou pebolim, nome científico. Mas na época da escola eu era mais treinado. O recreio estremecia quando se formava uma dupla forte pra caramba: o Sperling no gol e eu no ataque. (se bem que só o Sperling no gol já seria suficiente para ganhar, afinal, ele era o melhor na parada)

As regras podiam ser: normal ou "da rua".

Normal: não vale roletar. melhor de 3. gol de golero vale 2.

"da rua": vale tudo. inclusive roletar.

O lance de roletar era para previnir aqueles babacas apelões, do tipo que ficam mandando haduken sem parar no street fighter, ou que ficam em cima da linha da área da bandeira no pique-bandeira, ou o que fica guardando caixão em qualquer pique. Tinha uns muleques sem-noção que ficavam roletando direto e achavam graça. Roletar na frente do golero é sacanagem. Lembrei o nome de um, inclusive, mas não vou falar por motivos éticos.

O Sperling além de esculachador, gostava de tirar onda. Chegava perto da mesa, no começo do recreio:
- Ei, babacas. Eu só vou comprar um xis ali no zé, aproveitem ai, porque quando eu voltar vou ficar na mesa até acabar o recreio.

Filho da mãe.

E ficava. Era ótimo jogar no ataque com ele. Eu só precisava chatear as jogadas dos adversários, e, quando o Sperling dominasse a bola com o goleiro, eu esperava o chute dele e levantava todos os meus jogadores. Era gol, daqueles de cair a bola no chão. Não dava pra ver a porra da bola! Nego ficava chateado e o rodízio de de-fora ia rodando. Acabava o recreio e a gente ainda estava lá. O Sperling deixava o xis em cima da mesa e ia comendo. Eu também. Era legal. Tirava mó onda com as garotas. Nem tanto. Mas tirava.

sábado, 26 de dezembro de 2009

se eu fechar os olhos
estou boiando naquela cachoeira da Serra do Cipó
que parece cenário de filme
A Missão
ou coisa que o valha

a juventude pode ser uma brisa
e a calçada ainda continuar suja
o céu no horizonte um sorriso
nos olhos de amigos
o desconhecer a duração das coisas
o desconhecer

boiar, boiar nessa superfície clara e espelhada
que me lembra olhar o céu de de baixo d`água
na piscina
e tocar na fronteira do submerso
o que é água e o que é imagem
o que é verde
o que é vertigem

sempre fui da água
sempre flui água
e remo, e temo, e não temo

nunca foi nada
nuca, fuga, afaga
fluir

ê Serra do Cipó

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

na cidade a janela encerra todos os infinitos
e o cristo redentor abraça algumas nuvens
no apartamento do vizinho tocam músicas bregas
e aqui a minha vó traz as rabanadas

é preciso fechar os olhos para escutar a cidade
o doce silêncio que ela faz quando fecha os olhos
o silêncio de crianças abrindo presentes
e de pais conversando sobre o mercado de trabalho
e as primas bonitas falando de beijar
e as tias falando da última doença ou do pé inchado

deito no chão mesmo
a embriaguez do suco de uva e do pernil me contam causos
e descubro um novo risco no teto ao lado da luminária

é natal
tem gente nas ruas sem ninguém
sem comida
e eu aqui

talvez no próximo
eu saia por ai
fazendo alguma coisa

hoje eu to cansado de ser bom

no natal a gente pode ser até burguês né
tudo está perdoado

e amanhã
ainda vamos enterrar os ossos

a vida é bonita
tem coisas que deixam a gente triste
tem outras que deixam feliz

eu já tomei tristeza, já tomei alegria

hoje tomo poesia

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Memórias 1

Inauguro hoje, dia 17 de dezembro de 2009, uma espécie de autobiografia de coisas que eu lembro, e de lembranças inventadas. Se você leitor quiser saber ao certo a veracidade desses fatos e memórias, só posso responder citando o Manoel de Barros: “só dez por cento é mentira: o resto é invenção.”.

Uma das minhas lembranças mais remotas e a sensação de tocar na areia pela primeira vez. Não sei se é uma lembrança da sensação ou se é apenas uma sensação imaginada pelo jeito que minha mãe contou o ocorrido.

Era um dos meus primeiros dias numa creche, quando decidiram me mostrar o parquinho, onde tinha aqueles brinquedos e o chão todo de areia. Pensando hoje, parece que a areia é uma forma de evitar que as crianças se machuquem ao cair. Uma boa idéia. Pois sempre caem, é inevitável.

Eu devo ter pisado na areia e estranhado. Que coisa esquisita...o chão agora não é duro como os outros chãos...Deve ter sido curioso. E com aquelas perninhas tortas eu tentei andar um pouco na areia.

Pelo pouco que me lembro, eu devo ter estranhado tanto, que decidi sentar na areia e analisar aquele chão esquisito, com as minhas próprias mãos, numa atitude claramente experimental, de um futuro homem da ciência, instigado pelo conhecimento. Exagerei um pouco, mas ficou legal. É melhor guardar as imagens e sons com um pouco de exagero nas partes legais, nas partes que animam. Juntando tudo, a vida parece mais viva na memória.

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Quando eu fiz 13 anos decidi mudar minha vida completamente. Já não era mais o mesmo Taiyo. Ou não queria ser. Definitivamente, estava entrando na adolescência. O primeiro passo foi na escolha do presente de aniversário.

Fui para uma livraria dessas enormes que vendem de tudo, direto para a seção de música, cds, dvds. Já tinha algo em mente. Dois cds: um do Jimi Hendrix que eu tinha lido sobre na revista Playboy, e outro do Black Sabbath...acho que era Black Sabbath ou AC-DC.

Segurei os cds nas mãos, todo confiante, e peguei uma daquelas maquininhas para tocar e ouvir o disco no fone de ouvido. Epifania: sem saber, deixei o volume no máximo. Sorte ou não (nada é por acaso), a primeira música do disco do Hendrix começava justamente com uma porrada na guitarra, uma palhetada forte pra cacete, muito alta e distorcida.

Aquele som fudeu qualquer neurônio da criança que existia em mim.

No natal, pedi uma guitarra:

“Igual a do Jimi Hendrix”.

Agora sim, a criança estava morta, e um longo período conhecido como adolescência estava para começar, com muito rock (Hendrix, Sabbath e Zepellin, drogas (guaraná, açaí e paçoca) e sexo (solitário). É triste mas é alegre.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

as paredes estavam me dizendo que eu era poesia.
e a poesia estava me dizendo que eu era parede.
antes de escolher, decidi pela dúvida:
não seria nem poesia nem parede:
seria o espaço e tempo entre elas.

sábado, 12 de dezembro de 2009

estou na minha antiga escola.
no pátio de baixo.

não era o pátio da goiabeira, nem o pátio do campo de futebol. no pátio de baixo, eu fazia a aula de teatro, já de noite. ali também era o palco para o campeonato de paredão. era preciso descer uma escada com degraus pequenos e um corrimão de madeira. já perdi as contas de quantas vezes caí feio daquela escada. meu joelho conheceu cada degrau profundamente. por outro lado, aquela escada proporcionou a descoberta mais interessante depois de que tudo era átomo: as bundas das meninas, suas pernas e coxas e tornozelos.

estou dormindo. no chão, como costumava fazer.

acordo e está escuro. como nas aulas de teatro. mas o pátio está completamente vazio. o latão do lixo está virado, como quando a gente jogava porradobol e eu gritava como um louco.

então ouço as cores da parede:

- você está proibido de contar o que vamos te contar agora.

e então as tintas da parede do pátio foram desenhando uma figura humana. era o meu reflexo.
o desenho era transparentemente real. espantado, olhava-me com olhar recém-nascido. foi quando, numa nova configuração visual, as tintas desenharam o ambiente ao redor do desenho, tornando-se reflexos perfeitos do pátio. confuso, não distingui mais o que era reflexo e o que era o verdadeiro pátio. decidi sair dali, tentei correr na direção contrária, mas, estranhamente, não conseguia sair do lugar. percebi que não havia outra dimensão no espaço, que não a altura e a largura.

voltei os olhos para a parede, que agora esboçava um escrito:

"Não tente fugir do que é seu"


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

um dia a chuva fez uma poça
na porta da escola.

o muleque chegou lá
olhou pra ela
e viu a própria cara.

soltou um cuspe

eu ein, onde já se viu, mó macaco de imitação

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Felina

deita na cama
estica o corpo
vira e me chama
com olhar torto
joga o cabelo
gira os quadris
faz um gelo
pede bis
deita e aproxima
puxa meu braço
mia em rima
ri do que faço
vira de costas
puxa o lençol
sei do que gostas
puxo o anzol
arranha meu peito
torce o pescoço
vira de um jeito
arrepio no dorso
contorce e me quer
mia um pedido
felina mulher
que dorme comigo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Ela

ela acorda abismos
e dorme escadas

ela colore músicas
e apaga falas

ela questiona o céu
e responde o mar

ela veste o sorriso
e tira o vestido

ela dança com meu corpo
e eu com o dela

ela confunde a lua
e esclarece a terra

ela se encaixa em mim
e eu protejo ela

ela me alcança
e molda uma dança

ela se protege
no meu abraço

ela é só ela
sem tempo
sem espaço

domingo, 6 de dezembro de 2009

uma menina
com uma ampulheta na mão
jogando dados de brinquedo
caindo e levantando do chão

azul
macacãozinho
toda a curiosidade do mundo
sem nenhum medo do desconhecido

o mundo é uma brincadeira
grande
que gira
gira
e deixa tudo girando
enquanto que a gente tenta
ficar de pé

uma menina com uma ampulheta na mão
e ela nem sabe o que é o tempo

(nem eu)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009