segunda-feira, 28 de março de 2011

as funções do silêncio

eu fugi de mim mesmo
compondo músicas e escrevendo poemas
que falavam de uma terra distante
e de pássaros que andavam pela grama
e de moças que voavam pelas nuvens
mas de mim mesmo
eu fugia

eu tinha medo de ser eu mesmo
compondo quadros
na parede do meu quarto
mas eu acho ainda bonito
observar aqueles mundos
pela janela do meu quarto
pela janela dos meus óculos
eu acho bonito aquele medo
de quando eu queria ser um vento
eu tinha medo

quebrar uma guitarra num show
andar de madrugada na europa
perder um dente numa briga
fumar um cigarro
eu tinha medo de ser um silêncio
enquanto tudo precisava ser
gritado

e se estivesse chovendo
eu chorava páginas dos meus óculos

e se estivesse nublado
eu esfriava o meu chá
ao lado da pessoa que eu não era

e se estivesse claro lá fora
eu jogava bola

e se estivesse frio
eu respirava fundo

eu tinha medo de ser eu mesmo
de ser um fraco
caminhando em cordas bambas
feito tripas entre prédios altos
no centro da cidade

eu tinha medo de fracassar
os sonhos do meu pai
os talentos da minha mãe
a esperança da minha vó
o segredo do meu avô

eu tinha um segredo
que só podia ser contado
através de poema
de música
de silêncio
e de guitarra

eu tive medo de ser eu
e queria ser o que você queria que eu fosse
fóssil
míssil
diesel
filho
filme

atravessar esse vazio


segunda-feira, 21 de março de 2011

consegui
finalmente consegui
pegar um raio de sol
com uma armadilha

esperei um tempão
mas consegui
inclusive vai rolar um
raio de sol assado
amanhã

quarta-feira, 16 de março de 2011

fotografia que estourou e só posso ver a mim mesmo

enquanto prédios se apaixonam por urubus
chove
e a menina-prédio sonha em andar por aí
conhecer as cidades do mundo.

justo agora que fechou as janelas
e foi dormir
encontrei um caderno rasgado no chão
aberto na última página
escrito com poeira do chão e folhas picotadas
"nunca mais vou ser sempre"

é engraçado
as paredes escutam cada coisa
quem conta são os ratos, os mendigos, lagartos
e tem outros também
que viajam

por entre os ferros retorcidos
como um miojo urbano
caminha um papagaio
que eu imaginei
ele só repete uma melodia
que eu não ouvi ainda

talvez um dia eu ouça as melodias que você me cantar
ao pé do ouvido
com o pé na cabeça
plantando bananeira
e o apocalipse derramando dinheiro

a sandália dela
arrasta no chão
mas não faz barulho

o sorriso dela
voa
eu acho legal
(e ela nem sorriu)

mas nem falei nada
porque tenho vergonha

ontem mesmo eu estava vendo
pela janela do ônibus
um garoto
olhando o mundo como se fosse
um filme
ih, não, esse era eu
quem eu vi era o filme
usando uma fantasia de carnaval
debochando das minhas bochechas

estamos tão distantes como se fosse um abraço
posso até sentir esse aperto que o ar faz na costela
em volta de meu corpo
posso até perder o ar dos pulmões
de tanto nada
é bem pesado esse nada
que me separa do que não tenho dentro

se eu pudesse me implodir
como a menina-prédio pediu
criaria um big-bang às avessas
e vestiria meu corpo só como fantasia de carnaval
para debochar das bochechas do mundo