terça-feira, 26 de abril de 2011

carona

um silêncio dança no meu quarto
e um poema sem nexo desce pelas paredes
atinge um ponto crucial
debaixo do travesseiro
e investiga as camadas vitais por dentro da nuca
lugares nunca dantes notados
formas-pensamento em rodopio
um cavalo de gelo

chove lá fora
dentro do avesso
e um poema sem pressa
pede passagem
empurra as memórias como lâminas
de um barbeador aleatório
cortando fios do passado

e eu esqueço
de onde irei para onde fui e quando sou
um jardim de ouro
outro tempo

dá até para sentir a batida
de limão
fazendo efeitos
sonoros
na minha retina
(ela é feita das viagens por onde não visitei)

pode pedir carona

terça-feira, 12 de abril de 2011

pontos importantes que, antes de mais nada, é preciso falar aqui já que estamos tratando de poesia contemporânea

- a casinha. onde tem o escorrega. é de madeira. em cima ficava a menina me esperando.

- o pátio era grande. jogávamos bola. se caía no mato, todo mundo tinha medo. lá tinha cobra, parece.

- a tia de artes deixava a gente montar nas costas dela. como cavalo.

- eu furei o dedo de uma tia com caneta bic. mas a culpa não foi minha. me empurraram. (foi o barreto que me empurrou, também sem querer)

- eu pegava sol. era até bem moreno.

- nunca ganhei uma medalha de ouro no judô. quando ia ganhar uma luta, o juiz falava algum verbo em japonês que significava imobilizado mas eu soltava o adversário achando que era pra parar. não era.

- as areias do leblon eram melhores quando ficavam com aquelas pedras de areia. de dentro delas saiam formigas. tipo besouros. pequenos.

- eu achava que garotos eram garotos, não importava se eram de rua.

- festa junina era legal pelo fato de ter paçoca.

- a altaíza catando piolho da gente. ela usava vinagre. ficava um cheiro forte de vinagre.

- a sala dos bebês não podia entrar. mas a gente queria. era lá que tinha os brinquedos.

- drible da vaca na parede irrita as pessoas.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

longe, longe, longe

longe, longe, longe
vem de longe
vento
franja leve
sobe a testa
acha um céu
perfeito, perdido, prédio
por onde longe anda a nuca

nunca, nunca, nunca
antes tardes do que manhas
antes ruas da cidade
agora apenas é passagem
nunca tantas ruas tontas
riam sorrisos pela estrada
passagem secreta

eu te vi você me viu
bem-te-vi você partiu
a rosa
a prosa
a monotonia
em poema
em flora
em poesia
eu te vi partir a palavra
em pau, em lavra
achando ouro nas gerais

sonhei com você outro dia
longe, longe, ao meu lado
quando você de você corria
de sua sombra corria
e toda vez que o sol se apagava
eu procurava um lugar longe
para te observar
perto

o sonho era real
e você imaginou
um pedaço de mundo
nas suas mãos
era só a linha do seu destino
dizendo um segredo bem conhecido
era só a distância
um abraço
um beijo
partido

eu precisava de um abraço
e você me dava um espaço
eu precisava de um sorriso
e você me dava um pedaço
era a mesma dança
flutuando sobre os passos

longe, perto, não sei mais
pulsava a música dos fracos
corações leves
de tanto pesado

a gente corria para não chegar
fugia para aqui mesmo
queria conquistar o mundo
para libertar os profetas e os miseráveis
entregar a coroa aos mendigos

eu queria libertar o seu corpo
em praça pública
oferecer você como oferenda
como uma deusa errada

eu queria dizer pra todo mundo
o quanto por dentro
eu perdido me acho, me achava
me acharei com certeza
um incerto, indescoberto, perfeito
prédio
poeta

que cantando tudo aquilo que nunca poderia ser
se redescobre mais cego e mais fraco
nessa fortaleza de areia
chamada : eu.

pode ser um transe
pode ser um segredo dos antigos
eu quero contar pra todo mundo

e ver o que acontece

louco, louco, louco
na cidade virada ao contrário
com os pés nas paredes
e o cérebro esmagado
deixar o coração tomar conta de tudo
tomar conta do mundo
e os ratos na sala de estar
com um alicate
ou um mordomo
coronel mostarda
ou vladvostok

essa tormenta que me leva pra esse terreno
tão longe, longe, longe
está aqui
na ponta dos meus dedos
gemendo de prazer


terça-feira, 5 de abril de 2011

para um amigo

calma, amigo,
que isso é assim
a dor existe
"mas por que"?
você pergunta

calma,
antes de mais nada
de onde veio essa vontade
de que tudo é seu?

calma,
já reparou
que a dor
vem de querer
de não querer
achando que isso
define você?

definir. dar um fim. limitar.
calma, amigo,
se respirar fundo,
concentrado,
vai perceber,
que esse estado
tranquilo
que é você (?)
não tem limite.

vai perceber,
que as palavras,
as cores,
as lembranças,
os toques,
os cheiros,
ainda não eram
você.

e nesse respirar,
profundo,
calmo,
que:
não é querer
é querer
é querer e não é querer
não é não querer e nem querer

é simplesmente

ser

calma, amigo
em cada silêncio
pode brotar uma paz
do tamanho exato
de uma dor
depende se você grita o silêncio
ou se pega ele nas mãos

calma, amigo
nesse poema que você escreve
desde pequeno
desde sempre
quebrar uma rima
pode ser outra rima

o que importa é continuar na poesia