segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

coisas que a gente às vezes inventa

andando na rua
cantando canções
só naquele assovio
baixinho, pra ninguém ouvir

descubro um momento
por entre os sinais de trânsito
onde não se é nem para ir nem para vir
nem para parar
descubro um momento só
isolado do tempo
onde simplesmente sou
andando parado no mesmo lugar de nunca

um cão me olha
um pombo voa
um velho resmunga
um casal se beija
um ônibus freia os pneus
alguém nasce
alguém morre
a cidade acorda
abre as janelas
o planeta gira
ao redor de si mesmo
no universo em expansão ou não
ordenado (ou desordenado) por Deus ou não

mas, não posso negar,

um cão me olha
isso é verdade.

domingo, 22 de janeiro de 2012

plano de fuga

quando eu era pequeno
tinha um pequeno
plano de fuga

colocar algumas coisas
na mochila da escola
e não ir para escola

e não voltar

vendo aqueles programas
de sobrevivência extrema
no descovery channel
lembro de como era
muito mais lírico
o critério para escolher
os itens de extrema necessidade:

podia ser alguns pacotes
de biscoito foffy
figurinhas de colar
um cortador de unha
(porque tinha um pequeno canivete sem corte,
mas era um canivete)
um pedaço de cadarço, como corda
duas cuecas
um short tactel para poder molhar
duas camisas
um casaco
água
caneta e um caderno

veja só
um caderno

talvez
desde esse tempo
eu já tivesse percebido
que a poesia
é um item
de extrema necessidade

para a sobrevivência
na própria selva
que somos

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

relógio escangalhado

eu tenho um relógio
que veio quebrado
é um relógio
que tem o chaplin
uma imagem dele
dentro das engrenagens
de uma máquina
em tempos modernos

quando eu coloquei
as pilhas nele
ele começou a andar
mas os ponteiros
esbarravam uns nos outros
e o tempo não passava
ficava emperrado

e o chaplin lá rindo
no meio das engrenagens

outro dia
quando fui olhar as horas
sem querer
sério mesmo
o relógio estava
andando prá trás!

depois eu fui entender
que o relógio servia
para não marcar o tempo

ele tinha virado
como diz o manoel
- um objeto bom pra poesia

quando as coisas escangalham
ficam muito boas para poesia

então desde então
eu deixo o relógio lá
escangalhado mesmo
na minha parede
do escritório

toda vez que eu quero
olhar as horas
ver se estou atrasado
se tem algum compromisso
se vou perder a carona

o relógio
inútil
com o chaplin rindo
me lembra que o tempo

não existe