segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Memórias 2

Eu continuo bom no totó. Ou pebolim, nome científico. Mas na época da escola eu era mais treinado. O recreio estremecia quando se formava uma dupla forte pra caramba: o Sperling no gol e eu no ataque. (se bem que só o Sperling no gol já seria suficiente para ganhar, afinal, ele era o melhor na parada)

As regras podiam ser: normal ou "da rua".

Normal: não vale roletar. melhor de 3. gol de golero vale 2.

"da rua": vale tudo. inclusive roletar.

O lance de roletar era para previnir aqueles babacas apelões, do tipo que ficam mandando haduken sem parar no street fighter, ou que ficam em cima da linha da área da bandeira no pique-bandeira, ou o que fica guardando caixão em qualquer pique. Tinha uns muleques sem-noção que ficavam roletando direto e achavam graça. Roletar na frente do golero é sacanagem. Lembrei o nome de um, inclusive, mas não vou falar por motivos éticos.

O Sperling além de esculachador, gostava de tirar onda. Chegava perto da mesa, no começo do recreio:
- Ei, babacas. Eu só vou comprar um xis ali no zé, aproveitem ai, porque quando eu voltar vou ficar na mesa até acabar o recreio.

Filho da mãe.

E ficava. Era ótimo jogar no ataque com ele. Eu só precisava chatear as jogadas dos adversários, e, quando o Sperling dominasse a bola com o goleiro, eu esperava o chute dele e levantava todos os meus jogadores. Era gol, daqueles de cair a bola no chão. Não dava pra ver a porra da bola! Nego ficava chateado e o rodízio de de-fora ia rodando. Acabava o recreio e a gente ainda estava lá. O Sperling deixava o xis em cima da mesa e ia comendo. Eu também. Era legal. Tirava mó onda com as garotas. Nem tanto. Mas tirava.

sábado, 26 de dezembro de 2009

se eu fechar os olhos
estou boiando naquela cachoeira da Serra do Cipó
que parece cenário de filme
A Missão
ou coisa que o valha

a juventude pode ser uma brisa
e a calçada ainda continuar suja
o céu no horizonte um sorriso
nos olhos de amigos
o desconhecer a duração das coisas
o desconhecer

boiar, boiar nessa superfície clara e espelhada
que me lembra olhar o céu de de baixo d`água
na piscina
e tocar na fronteira do submerso
o que é água e o que é imagem
o que é verde
o que é vertigem

sempre fui da água
sempre flui água
e remo, e temo, e não temo

nunca foi nada
nuca, fuga, afaga
fluir

ê Serra do Cipó

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

na cidade a janela encerra todos os infinitos
e o cristo redentor abraça algumas nuvens
no apartamento do vizinho tocam músicas bregas
e aqui a minha vó traz as rabanadas

é preciso fechar os olhos para escutar a cidade
o doce silêncio que ela faz quando fecha os olhos
o silêncio de crianças abrindo presentes
e de pais conversando sobre o mercado de trabalho
e as primas bonitas falando de beijar
e as tias falando da última doença ou do pé inchado

deito no chão mesmo
a embriaguez do suco de uva e do pernil me contam causos
e descubro um novo risco no teto ao lado da luminária

é natal
tem gente nas ruas sem ninguém
sem comida
e eu aqui

talvez no próximo
eu saia por ai
fazendo alguma coisa

hoje eu to cansado de ser bom

no natal a gente pode ser até burguês né
tudo está perdoado

e amanhã
ainda vamos enterrar os ossos

a vida é bonita
tem coisas que deixam a gente triste
tem outras que deixam feliz

eu já tomei tristeza, já tomei alegria

hoje tomo poesia

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Memórias 1

Inauguro hoje, dia 17 de dezembro de 2009, uma espécie de autobiografia de coisas que eu lembro, e de lembranças inventadas. Se você leitor quiser saber ao certo a veracidade desses fatos e memórias, só posso responder citando o Manoel de Barros: “só dez por cento é mentira: o resto é invenção.”.

Uma das minhas lembranças mais remotas e a sensação de tocar na areia pela primeira vez. Não sei se é uma lembrança da sensação ou se é apenas uma sensação imaginada pelo jeito que minha mãe contou o ocorrido.

Era um dos meus primeiros dias numa creche, quando decidiram me mostrar o parquinho, onde tinha aqueles brinquedos e o chão todo de areia. Pensando hoje, parece que a areia é uma forma de evitar que as crianças se machuquem ao cair. Uma boa idéia. Pois sempre caem, é inevitável.

Eu devo ter pisado na areia e estranhado. Que coisa esquisita...o chão agora não é duro como os outros chãos...Deve ter sido curioso. E com aquelas perninhas tortas eu tentei andar um pouco na areia.

Pelo pouco que me lembro, eu devo ter estranhado tanto, que decidi sentar na areia e analisar aquele chão esquisito, com as minhas próprias mãos, numa atitude claramente experimental, de um futuro homem da ciência, instigado pelo conhecimento. Exagerei um pouco, mas ficou legal. É melhor guardar as imagens e sons com um pouco de exagero nas partes legais, nas partes que animam. Juntando tudo, a vida parece mais viva na memória.

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Quando eu fiz 13 anos decidi mudar minha vida completamente. Já não era mais o mesmo Taiyo. Ou não queria ser. Definitivamente, estava entrando na adolescência. O primeiro passo foi na escolha do presente de aniversário.

Fui para uma livraria dessas enormes que vendem de tudo, direto para a seção de música, cds, dvds. Já tinha algo em mente. Dois cds: um do Jimi Hendrix que eu tinha lido sobre na revista Playboy, e outro do Black Sabbath...acho que era Black Sabbath ou AC-DC.

Segurei os cds nas mãos, todo confiante, e peguei uma daquelas maquininhas para tocar e ouvir o disco no fone de ouvido. Epifania: sem saber, deixei o volume no máximo. Sorte ou não (nada é por acaso), a primeira música do disco do Hendrix começava justamente com uma porrada na guitarra, uma palhetada forte pra cacete, muito alta e distorcida.

Aquele som fudeu qualquer neurônio da criança que existia em mim.

No natal, pedi uma guitarra:

“Igual a do Jimi Hendrix”.

Agora sim, a criança estava morta, e um longo período conhecido como adolescência estava para começar, com muito rock (Hendrix, Sabbath e Zepellin, drogas (guaraná, açaí e paçoca) e sexo (solitário). É triste mas é alegre.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

as paredes estavam me dizendo que eu era poesia.
e a poesia estava me dizendo que eu era parede.
antes de escolher, decidi pela dúvida:
não seria nem poesia nem parede:
seria o espaço e tempo entre elas.

sábado, 12 de dezembro de 2009

estou na minha antiga escola.
no pátio de baixo.

não era o pátio da goiabeira, nem o pátio do campo de futebol. no pátio de baixo, eu fazia a aula de teatro, já de noite. ali também era o palco para o campeonato de paredão. era preciso descer uma escada com degraus pequenos e um corrimão de madeira. já perdi as contas de quantas vezes caí feio daquela escada. meu joelho conheceu cada degrau profundamente. por outro lado, aquela escada proporcionou a descoberta mais interessante depois de que tudo era átomo: as bundas das meninas, suas pernas e coxas e tornozelos.

estou dormindo. no chão, como costumava fazer.

acordo e está escuro. como nas aulas de teatro. mas o pátio está completamente vazio. o latão do lixo está virado, como quando a gente jogava porradobol e eu gritava como um louco.

então ouço as cores da parede:

- você está proibido de contar o que vamos te contar agora.

e então as tintas da parede do pátio foram desenhando uma figura humana. era o meu reflexo.
o desenho era transparentemente real. espantado, olhava-me com olhar recém-nascido. foi quando, numa nova configuração visual, as tintas desenharam o ambiente ao redor do desenho, tornando-se reflexos perfeitos do pátio. confuso, não distingui mais o que era reflexo e o que era o verdadeiro pátio. decidi sair dali, tentei correr na direção contrária, mas, estranhamente, não conseguia sair do lugar. percebi que não havia outra dimensão no espaço, que não a altura e a largura.

voltei os olhos para a parede, que agora esboçava um escrito:

"Não tente fugir do que é seu"


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

um dia a chuva fez uma poça
na porta da escola.

o muleque chegou lá
olhou pra ela
e viu a própria cara.

soltou um cuspe

eu ein, onde já se viu, mó macaco de imitação

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Felina

deita na cama
estica o corpo
vira e me chama
com olhar torto
joga o cabelo
gira os quadris
faz um gelo
pede bis
deita e aproxima
puxa meu braço
mia em rima
ri do que faço
vira de costas
puxa o lençol
sei do que gostas
puxo o anzol
arranha meu peito
torce o pescoço
vira de um jeito
arrepio no dorso
contorce e me quer
mia um pedido
felina mulher
que dorme comigo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Ela

ela acorda abismos
e dorme escadas

ela colore músicas
e apaga falas

ela questiona o céu
e responde o mar

ela veste o sorriso
e tira o vestido

ela dança com meu corpo
e eu com o dela

ela confunde a lua
e esclarece a terra

ela se encaixa em mim
e eu protejo ela

ela me alcança
e molda uma dança

ela se protege
no meu abraço

ela é só ela
sem tempo
sem espaço

domingo, 6 de dezembro de 2009

uma menina
com uma ampulheta na mão
jogando dados de brinquedo
caindo e levantando do chão

azul
macacãozinho
toda a curiosidade do mundo
sem nenhum medo do desconhecido

o mundo é uma brincadeira
grande
que gira
gira
e deixa tudo girando
enquanto que a gente tenta
ficar de pé

uma menina com uma ampulheta na mão
e ela nem sabe o que é o tempo

(nem eu)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

domingo, 29 de novembro de 2009

nas linhas do teu corpo
descubro meu país

no teu ventre
descanso e canso
no teu umbigo
mergulho e bebo
no teu seio
me abasteço
no teu sorriso
me enredo
no teu mistério
descubro cidades e metais

os teus olhos bebem o céu
e tem mais força que as tempestades

dentro deles é fácil
desfuncionar o mundo e os abismos

nessa geografia táctil
enxergar com as mãos é mais seguro
e mais perigoso

na tua pele macia, nos teus pêlos
cultivam mel e frutas
na tua bacia
dois rios se encontram
entre tuas coxas

uvas roxas
mamão papaia
framboesa e morango

domingo, 22 de novembro de 2009

Aquilo

pra que tudo isso
precipício
edifício
desperdício
de palavras
de promessas
de passados
de processos
de personagens
e engrenagens antigas

pra que tudo isso
de esconderijo preciso
de mapas
de cartas
de rotas marítmas
e salas
e pistas
e falas e calas e rimas

pra que tudo isso
de siso
de saia
de sina
de saiba
de cisma
de sonho
de somos-estranhos

pra que tudo isso
de isso
de aquilo
de grilos
de calos
de pares
e passos
e partos
e pathos

pra que tudo isso
de certo
de perto
de sermos
incertos
de insetos
e setas
e metas
e alertas

pra que tudo isso?
pra que?

se o que a gente quer é aquilo?

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

domingo, 15 de novembro de 2009

Noite anterior

Não consigo dormir
a cidade está
engolindo os silêncios
e eu pensando em você

não consigo dormir
meu coração de motor
já deu voltas na cidade
deixando um cheiro de vinho
nas moças e nos apartamentos

não consigo acordar
dessa poesia
que você sonhou

eu só posso oferecer
o que está no mundo
quando a gente imagina

nas curvas do teu rosto
na sua cintura
nas suas entradas e bandeiras
eu descubro meu país

o coração de navio
sem bússula
quanto mais perdido
mais eu me aproximo
do alvo
do teu corpo e abismo
e engano o tempo

o teu riso deforma o horizonte
pinta um pensamento
do cheiro do azul

o teu riso deforma o poente

um pouco de caos no mundo


quinta-feira, 12 de novembro de 2009

viajando na velocidade do som
o seu sorriso de combustível
atravessamos as paisagens da memória
da infância, segurando uma poesia numa mão
e um sorvete Itália na outra.

o mundo em backprojection
parece girar infinitamente
dentro de uma máquina absurda

você faz cinema com os olhos
eu só faço poesia com o mundo

caminhando com os pés no céu
de cabeça para baixo
o mundo invertido é bonito
o mundo dá pra ver melhor
de cabeça para baixo

mas quando olho teus olhos
o mundo está de cabeça para baixo de cabeça para baixo

o
x
i
a
b

a
r
a
p

a
ç
e
b
a
c

domingo, 8 de novembro de 2009

Limitedosom - vinhetas no Myspace


o projeto: vinhetas curtas, poesias concisas.
lembrando: disco do Lô (1972)

http://www.myspace.com/limitedosom

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A Charrete

Eu lembro daquela foto.
às vezes eu me lembro daquela foto.
eu não lembro do que foi aquela foto.
eu lembro da imagem da foto.
às vezes eu sinto o que eu vi, quando tiraram a foto.
o menino estava correndo, junto com os colegas da escola, numa fazenda.
"Piperama".
o menino entrava em uma cidade em miniatura, uma cidade das crianças.
numa dessas casinhas, roupas de adulto, antigas. de quem eram?
o menino coloca a roupa e vê uma professora, ou uma dessas mulheres-senhoras que
cuidavam das crianças.
ela está com uma máquina fotográfica. ela tira uma foto.
o menino cresceu e hoje vê a foto.
o menino morreu, para nascer o garoto, e o garoto morreu, para nascer o homem.
Eu lembro daquele menino. eu não lembro daquele menino.
e na lembrança do menino?

como ele lembrará o homem?

domingo, 1 de novembro de 2009

zentimental

no brilho do sol que bate na janela
na janela do sol que bate no brilho

eu vejo só o miró do mirror
eu vejo, só, o sozinho de mim
eu vejo o Tejo e a liberdade
a pátria a morte oh liberdade
eu vejo o Oriente a oriente do oriente sorridente
o rio rente o Rio
eu rio do que vejo por que vejo o sole mio
eu canto o beijo que recebo do sol
na testa na cabeça no trem asul

zentimentos em meu peito eu tenho demais
zentimentos em meu peito eu tenho eu
o eu zente muito a minha mente
e zentimentalmente falando a gente não mente
fosse um samba seria canção
fosse uma cueca seria branca
fosse uma bandeira seria do Brasil

tenho em mim todas as respostas para as perguntas que elas geram
mas tenho em mim todas as respostas para as respostas que elas não respondem

fosse eu Deus e transformaria arte em ouro
poesia em ouro
e ouro em poesia

mas sou humano, demasiadamente humano
e só opero equações de primeiro grau
e ditado com 10 palavras. ponto final.

eu aprendi na escola como escrever as palavras
mas o significado eu aprendi na rua
em todas as minhas pequenas mortes
e pequenos nascimentos
em todos os cuspes e tapas na cara
e carrinhos do futebol

se você queimou aquelas poesias
feitas de caderno amarelo e lápis
só fez questão de ilustrar o que estava escrito
cinzas e promessas e futuros já passados

poesia de criança só serve para queimar papéis
e embrulhar balas ice-kiss

a verdadeira poesia
ficou guardada no meu futuro

a verdadeira promessa
já pegou o primeiro ônibus escolar

a verdadeira canção
eu cantei e esqueci

estou de pé e pulo e grito e gesticulo com o abismo
numa luta eu me domino e continuo a continuar
piso duas vezes no mesmo rio
jogo a piada no lixo
e planto um som no mundo

domingo, 25 de outubro de 2009

quando eu perceber
a alegria existente em cada mínimo objeto e em cada mínima criatura
quando eu perceber que a alegria é minha e Tua
quando eu perceber
que o Eu não existe
a alegria que persiste e me persegue, me fecundará do presente
quando eu perceber
a música do silêncio
a musa de-quando-fecho-os-olhos
a poesia dos corpos em movimento
a vida nascendo nas nuvens
os sonhos trazidos pela chuva
a história dos meus ancestrais
a minha história ancestral
o meu futuro ancestral
o nosso futuro ancestral
quando eu perceber
que perceber é mais Ser do que ter
quando eu dar sem procurar receber
quando eu perder o medo
da morte
do desafio
de revelar a minha ignorância
quando eu perceber
que somos Um

será poesia

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

coisas

é difícil aceitar
mas as coisas acabam.
até uma poesia acaba.

o fim é uma etapa importante
de todos os processos.

a memória acaba?
pode ser. até a memória pode acabar.

é preciso o fim para que venham novos começos
e novos fins para outros novos começos.

o fim evidencia a mudança, o movimento do mundo.

a saudade acaba?
pode virar memória. e até a memória pode acabar.

saudade só tem no português. maldita e linda língua essa que
espalha saudade pelos portos. até a língua portuguesa terá seu fim.
fernando pessoa, de certa forma, voltará para o rio de sua aldeia, o rio nenhum,
em formato de pó e silêncio.

e o amor?
o amor pousou de levinho em nosso futuro, só pra fazer cosquinha, contar causos
e partir,
mas deixou o sorriso. o amor é generoso. deixa coisas, mesmo que seja nada,
deixa coisas.

coisas que não pesam e pesam mais do que bagagem
coisas que lembram do futuro
coisas que resolvem poesias
coisas feitas de pedaços de parede e mel
coisas pequenas que você deixou cair
coisas que voam de carona em perfumes
coisas que alguém se esqueceu de dizer e vento às vezes trouxe

coisas

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

penso, não existo.

porque pensar é não existir.

quando eu existo, não penso.
se penso, não existo.

tudo aquilo que existe, não pode pensar.
a partir do momento que algo pensa, deixa de existir

e passa a amar.
eu guardo as palavras dentro da boca
e mastigo, castigo

eu guardo sentimentos no peito
e grito, mito

histórias que existem desde o começo do mundo
desde quando as águas andavam na face do nada
e quando o verbo se fez árvore

dentro de mim tem uma casca
e fora tem um centro

quem quiser saber meu nome
é só olhar no espelho
remando hoje eu vi uns peixes pulando
e umas aves mergulhando n'água pra pegar

estava um pouco nublado. um clima ameno.

a melhor maneira de remar é fazer parte barco e o barco fazer parte da água.

a melhor maneira de amar é fazer parte do mundo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

a porta se abrindo com você se escondendo atrás
o cheiro de seu pescoço.
o calor entre o seus cabelos e nuca.
o quarto bagunçado.

cada pedaço da tua casa está no meu corpo

terça-feira, 6 de outubro de 2009

se meu coração fosse um espelho
ele refletiria
se ele fosse um reflexo
ele fingiria

as batidas de coração
vêm do centro da terra
um centro onde todas as bocas do mundo
urram

se as batidas fossem minhas
elas seriam de todos
em cada boca e em cada beijo
se espera um segredo
embrulhado em saliva

se meu coração fosse de plástico
estaria boiando na baía
com uma carta ainda vazia
que eu mesmo leria
um dia

se meu coração fosse seu
ele seria meu

se meu coração fosse real
ele seria feito de sonhos

o mundo dorme sonos dogmáticos
e nós preparando o jantar para a morte

se meu coração fosse
ele seria

domingo, 4 de outubro de 2009

às vezes a poesia nasce quando a linguagem cessa
o Sol canta perguntas desafinadas
para a Humanidade desresponder
é só olhar para a distância
é só não responder as descobertas
é só escolher a fruta que não caiu e que não nasceu
florir de mulher o sorriso
desentortar o próprio umbigo
e olhar o torto da alma e do corpo
em um só sol sustenido

sábado, 26 de setembro de 2009

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ontem descobrirei a minha mão voando aqui no longe.
amanhã o seu antigo sorriso me contou um segredo.
é preciso ter medo para conquistar a poesia

domingo, 20 de setembro de 2009

A Melhor Poesia que eu Já Li

pode ser uma gota de chuva que cai no metal do ar-condicionado e faz um barulho
pode ser o barulho das teclas do teclado do computador enquanto eu digito esse poema

essas pequenas coisas são pra mim as mais valiosas
porque elas são a minha existência

a minha namorada dormindo na sala
no sofá da sala
e o mundo podendo terminar nesse instante

estou feliz
feliz como alguém que sonhou e lembrou
que o sonho era gostoso

estou feliz como quem ainda não acordou de um sonho

estou feliz como daquela vez que olhei pro mar numa praia que não me lembro
e pensei comigo
estou feliz

e se o tempo é mesmo relativo
eu posso engrandecer esse momento
torná-lo um quadro
um poema

e toda vez que eu o ler
vou sentir a mesma sensação

pra mim, vai ser uma ótima poesia
foda-se a linguagem, as normas ou transgressões delas

pra mim,
essa é a melhor poesia que eu já li

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

você já esqueceu as havaianas na praia?
esses chinelos na infância são quase como
canetas bic

para onde vão as canetas bic perdidas?
você já achou uma?

você já estava pegando um jacaré em búzios, leblon
e, no meio da onda, avistou uma havaiana, ou melhor, duas, juntas,
pegando a mesma onda, como que calçando os pés de um surfista fantasma?

já disseram que as canetas bic são o símbolo maior do socialismo.

mas eu não quero falar de canetas bic.
quero falar do serumano. o serumano é um negócio que me intriga.
computadores vão compor sinfonias e pintar quadros.
mas o seruamano resiste, mesmo perdido.

um amigo do c.a tinha um estojo manerão. era retangular, de madeira, com uma tampa que encaixava. tava na moda esse tipo de estojo. eu era fissurado naquele estojo.
troquei com o cara. nem lembro o que aconteceu com o estojo.

eu tinha um videogame nintendo com várias fitas. jogava direto.
mas ai fiz 13 anos e quis tocar roquenrol na guitarra.
vendi tudo. até gameboy. e comprei uma Stage tipo strato do Jimi Hendrix.

nem lembro o que aconteceu com a Stage.

as coisas perdidas, mesmo perdidas, resistem.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Carta para o Fim de um Namoro

o que mais me irritou não foi a tua cara
foi o disco do bituca que você pegou
sem ter me pedido

eu perdôo tudo, as palhaçadas
aquela vez que você ficou bêbada
mas o disco do bituca...

o que que deu errado com a gente?
eu sei, fui eu e foi você
mas parecia durante um bom tempo
que era certo

agora as coisas ficaram um pouco mais difíceis por aqui
não podemos nos falar como antes

é diferente

eu sei que você queria, mas, só escrevo essa mensagem agora
porque só agora pude escrevê-la

quero que lembre dos momentos bons
as coisas que ficaram realmente
no teu coração
e no meu

ass: F. P. Tostes

psicografia do médium Almeidinha


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isso foi uma proposta de texto do somesentido.blogspot.com

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Meus olhos estão voltados para o tempo
e movimentam-se como não houvesse tempo

meus olhos estão voltados para o mundo
e movimentam-se como fossem meus

meus olhos estão voltados para o retorno
o eterno retorno que volta nos meus olhos

meus olhos estão voltados para os meus olhos
e vejo o tempo desvencilhar-se dos sentidos

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Emails para Natasha - Parte V

dia 23. escrevi no meu caderno, ontem, coisas que gostaria que você lesse. não é que eu esteja com saudade da vida na cidade. acho que eu sempre tenho saudade de onde não estou. mas quando estou também sinto. então não dá pra fugir. escrevi no caderno em cima da Pedra Riscada, em Lumiar. é uma visão lá de cima. parece aquele quadro alemão, do romantismo alemão, não lembro bem quem era, do cara em cima de uma montanha, de costas, olhando o horizonte montanhoso, cheio de neblina. percebi uma coisa. o mais difícil não é subir, e também não é descer, mas estar sozinho. tanto que às vezes me imagino cercado. parece loucura, mas sinto como se estivesse na companhia de muita gente, no meio do mato fechado, com o grito estridente da araponga e o barulho das folhas. escrevo no caderno também não sei porque. parece as fitas brancas que algum grupo colocou em alguns galhos, durante a trilha, para indicar o caminho: eram brancas, quase não dava pra ver. mas estavam lá. escrevo como quem faz uma trilha e deixa rastros.
dia 24. se eu dissesse que nada de interessante aconteceu, só isso já seria alguma coisa. pois então digo que uma coisa me chamou a atenção. hoje vi um cão de cadeira de rodas. sim, um cão. era uma cadeirinha pequena, com duas rodinhas de bicicleta. parece que ele está com as patinhas traseiras quebradas. anda arrastando as duas da frente e a rodinha roda. um cão de cadeira de rodas.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Emails para Natasha - Parte IV

o trem para Tiradentes é uma coisa de outro mundo. primeiro porque é antigo pra cacete, é uma maria fumaça, bem estreitinha, barulhenta, vermelha, cruzando São João e as fazendas até Tiradentes. e segundo porque a gente vai passando por pessoas, aquelas que me lembram a viagem da escola, as crianças dão tchau, passando rápido junto com a paisagem. a vida acontecendo e passando pela janela, o vento saboroso na cara, a fumaça do trem. tinha um menino, e desde o momento que o vi percebi que era muito parecido comigo criança. ele chupava um pirulito daqueles de vendedor na madeirinha tlec-tlec, tinha cabelos noturnos como os meus, e olhava o horizonte, como sempre fiz. tirei uma foto dele.
comi frango ao molho pardo numa panela de barro bem grande. sentei no banco da praça. olhei e vi as crianças, como pombos em volta do pipoqueiro, em volta do vendedor de bolhas de sabão. as bolhas refletiam a luz do sol da peneira das grandes árvores expressionistas enraizadas na praça. foi então que uma delas foi voando na minha direção. uma criança veio seguindo e ela, vagarosamente, parou no ar, entre nós dois. esplodiu. eu e o menino levamos um pequeno susto, e percebemos a nossa proximidade. era o menino do trem. engraçado, senti novamente o que tinha sentido naquela pousada fedorenta, olhando no espelho do banheiro. senti que eu não reconhecia mais aquele rosto. mas mesmo assim ainda era eu.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Emails para Natasha - Parte III

dia 14. a gente nunca sabe o que nos espera, não é mesmo! tanta coisa aconteceu nesses dois dias e tanta coisa não aconteceu do que havia planejado, que só pude escrever algo agora, neste exato momento, aqui numa pequena lan house de São João del Rey. Meu ônibus quebrou perto de Juiz de Fora, ainda bem que foi perto de uma parada, um restaurante, e demorou tanto pra arranjar tudo que peguei minhas coisas, eu não tinha nenhuma mala pesada, e saí do ônibus, e conversei com umas meninas que estavam almoçando. bonitas elas, a morena se chama Paola, é descendente de italianos (tem uns peitões daqueles de filme de Fellini, boca carnuda, coxas grossas) a loira (falsa loira) é a Deyse, usa um óculos de professora do primário, um pouco mais feia que a Paola, mais ainda sim bonita. As duas são do Espírito Santo e estão indo conhecer as cidades históricas. Depois de algumas conversas, alguns guaranás, elas me aceitaram na carona. No caminho, inventei uma história de que eu era artista (eu disse que era famoso ai no Rio), falei das poesias, e tal, fiz o jogo e elas fizeram os delas. As coisas foram acontecendo rápido e eu me lembro pouco do que aconteceu no quarto do hotel aqui em São João. Ah, bom, esqueci de mencionar a pinga daqui de Minas mesmo que compramos, boa! E então só lembro de flashes, pedaços de braços, pernas, bocas, vertigens, os gritinhos delas, o cheiro de pinga e de gozo que sujou a cama toda. Acordei com a cabeça explodindo, e como se o corpo tivesse separado da cabeça, lembrando daquela piada que o Diego contava "Deus deu ao homem 2 cabeças mas sangue o suficiente pra só 1 funcionar por vez". O cheiro do quarto era uma mistura indefinível de suor, mofo, e pinga. Para a minha surpresa, as duas não estavam lá. Tinha um bilhete na cabeceira: "fomos pra Tiradentes". Me levantei sem pressa e liguei a TV, estava passando um programa hilário sobre rock, era um mineiro, bem mineiro falando a história do rock e os diferentes movimentos do gênero. enquanto isso fui no banheiro e levei um susto quando me olhei no espelho. não reconheci o meu rosto. fazia tempo que eu não me olhava no espelho. mas o rosto que eu vi não era de um cara triste. aliás, era o rosto de um cara diferente, ou seja, tudo o que precisava, a pessoa que eu precisava pra me ajudar a mudar a minha vida estava ali, na minha frente, num espelho do banheiro de um hotel em São João del Rey. a gente não sabe mesmo o que o amanhã vai trazer. vou ter que sair daqui, meu tempo de internet acabou, e hoje vamos andar pra conhecer a cidade. ah, sim, pode deixar que eu não me esqueci do César.

Emails para Natasha - Parte II

dia 12. estou indo embora daqui. aquela sua resposta trouxe uma nova vontade de rever Minas Gerais. eu sei que parece estúpido, mas é a única maneira. estou devendo até o pão na padaria da esquina aqui da rua. você sabe que eu sempre fui assim com o dinheiro. tem gente que liga pra marcas, roupas, jóias, carros, e você sabe que eu to pouco me fudendo pra isso. gasto mesmo é com comida e livros. gasto sem pensar. acabo gastando mais do que tenho. gostei do que você disse, eu também demorei para entender que desde quando nos conhecemos na época da escola, não conseguimos dizer o que realmente sentíamos. ainda guardo algumas fotos daqueles tempos, e toda vez que as vejo vem um cheiro de acne, suor, que deveria ser nojento, mas pelo contrário, me faz bem como cheiro de terra molhada.
há essa hora, você provavelmente deve estar dormindo, e quando acordar eu já vou estar no caminho para Minas, com vento na cara, escutando Clube da Esquina no mp3, dormindo, acordando, babando, olhando as vacas, as fachadas com grafia errada, os esfarrapados em pequenas bicicletas, os vendedores de mel, e tudo aquilo que a gente viu naquela viagem da escola. Foi bom saber que você está bem, que está tudo certo ai com o Roberto. Eu to aprendendo a gostar desse cara, de início eu o odiava. Mande notícias sempre, ein? Se esse babaca fizer alguma coisa...
Como prometi, comprei um caderninho para escrever durante a viagem. Ah, pode deixar que eu vou procurar esse tal de César. É só dizer que sou seu amigo, não é?
To com um frio na barriga, mas não é de medo, cagaço, apesar de parecer. Às vezes eu sinto isso antes de entrar no palco. É como se a barriga estivesse comendo ela mesma, se corroendo. Não consigo dormir. Só de pensar nas coisas por vir, nas paisagens da janela, na concretização dos nossos ingênuos sonhos de criança, dá uma vontade de escrever e aqui estou, com saudade de tudo, da gente, da escola, e até do que acabo de escrever, sinto tanta saudade da vida e dos segundos que passam que até sinto saudade dessa frase, não consigo terminá-la, preciso escrever, preciso, a vida é muito bonita para a gente dormir, amanhã espero a sua resposta e as coisas que ainda vão acontecer.

Emails para Natasha - Parte I

era a primeira vez que eu estava dizendo a minha história, a verdadeira, e não aquela que eu te disse antes da morte da tua avó. você estava desamparada, eu não podia contar tudo aquilo. tudo isso. o lance é que nesses três meses muita coisa aconteceu, diferente, muito diferente do que eu mesmo imaginei que aconteceria. os meus emails esparsos demonstram a instabilidade cambaleante em que tentava sobreviver. a verdade é que os papéis do meu suposto livro se acumulavam, espalhados pelo apartamento inteiro, o vizinho até reclamou quando escorregou num deles, que saía da fresta da porta da frente. eram tantos e em lugares tão inusitados que só a tarefa de juntá-los seria maior do que a realizada na própria escrita. peço desculpa pela demora, mas só hoje encontrei a parte que realmente queria te mostrar. não saberia explicar exatamente como aconteceu. já tinha ouvido ou lido experiências de quase-morte, nas quais as pessoas se deslocavam de seus corpos, viviam uma realidade paralela ao corpo, tinham visões de familiares já mortos. posso te dizer que foi algo parecido. coloquei o cd do Lô, aquele do tênis, e numa velocidade impensável escrevi umas 37 páginas. eram imagens da infância, misturadas com brigas familiares, sonhos, pesadelos, acontecimentos banais, e que na verdade, coisas que nem sabia explicar o que eram. foi então que percebi que não era eu quem escrevia, ou era, pois me vi fora do corpo olhando-me a escrever no computador. você pode imaginar a sensação maluca, começei a suar frio, e rezei, como nunca antes tinha rezado na vida. chamei Cristo, Buda.
e, então, nesse ato que te falei, chamei por você. é sério. eu também só fui entender isso na tarde de hoje, quando acordei. eu cansei. cansei do que eu era, do que a gente não era ainda. eu, fora do corpo, percebi que te amava. você pode imaginar também o quanto isso é confuso pra mim. mas é a mais pura verdade.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Não me recordo

Não me recordo a primeira vez que pisei na areia.
O que ficou, relatos de minha mãe.
Parece que estranhei.
Algumas imagens perduram, outras não, como se ainda não existissem, mas já passaram.
Filmes que no final você jura que já viu antes. E viu.
Frases escondidas em pequenos movimentos do cotidiano.
Silêncios e sombras que já estavam lá antes.
Demora-se um tempo para perceber quem somos.
Ainda mais tempo perceber o que somos.
E estamos sempre, ainda, buscando um sentido.

Não me recordo a primeira vez que escrevi poesia.
Provavelmente, foi por uma menina.
Ou, por mim mesmo.
As correrias da infância são mais donas de mim que eu as sou.
A cada instante meu corpo indaga esse formato atual. Cresci muito.
Mas serei o mesmo?

Quando eu tinha consulta na pediatra, sempre escutava um pouco temeroso quando diziam que eu teria um metro e noventa. Estiquei. Tenho quase isso. Um e oitenta e seis.
Parece que isso teve algum efeito na minha alma também, no meu jeito de enxergar o mundo.
O mais óbvio é a minha miopia. Vejo tudo embaçado.
O mais óbvio é a poesia.
Vejo tudo embaçado.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

repercussões do filme "A Partida" na minh'alma

ele olhou os olhos dela.
e foi isso.
um homem olhando os olhos de uma mulher.
todas as histórias do mundo existem aí.
ele fechou os olhos e viu todas as histórias do mundo.
ela fechou o mundo e viu todas as histórias.
e como uma janela sem cortinas ao avesso
eles viram a poesia.

ele olhou os olhos dela
e a poesia sorriu.

nos rostos das pedras portuguesas
o tempo caminhava mancando
o tempo olhou o relógio
e pulsou

o homem olhou a mulher
e ela teve um filho
e eles morreram

o rio flui
o rio tenta subir o salmão
o rio faz toda a sua força
para subir o salmão
e acasalar com a nascente

de que vale o esforço do rio
para subir o salmão
se o rio vai morrer
e o salmão vai cair no mar

eu jogava pedrinhas n'água
para ver quantas batidas faria

o máximo que consegui foi
iludir a pedra

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

a cada três esquinas encontro a mim mesmo
nesse mundo e no outro
cada descoberta de América é um segredo
um mar entre os rostos

as cores explodem na minha boca
e começo a cantar uma dança
escrita nas paredes da escola
um, dois, três milênios atrás

o sorriso da mona lisa no estandarte
aparece com um feijão no dente
com a miséria do mundo
nos dentes

terça-feira, 25 de agosto de 2009

aprendi como se é preso
em filmes
bebi coca cola
e decorei as paisagens de nova iorque
em todas as décadas

corrijo na rua um assalto amador
com os movimentos que aprendi
de bandidos
dos estados unidos

sei jogar beisebol
e cantar o hino que o jimi hendrix tocou em woodstock há
40 anos atrás

uso jeans
do james dean

e gosto de samba de raiz

sábado, 22 de agosto de 2009

- Olha essas estrelas...
- É...
- Agora, você já pensou que, um dia, pode estar lá?
- Imagina.
- Às vezes eu me pego olhando as estrelas.
- Meu pai falou que era melhor eu não ficar pensando muito nas estrelas não.
- Por que?
- Ele disse que eu posso ficar maluco.
- Ah...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

"A vida é um ringue onde não há oponente mais forte que a sua própria sombra."
Foi o que ele me disse, depois de cuspir o sangue da boca.
Minha mão estava doendo.
Foi a última vez que o vi.
Depois disso, larguei tudo. Foi como se tudo o que eu tinha construído até aquele momento não significava nada. Eu precisava sentir o vento na cara.

Na estrada as coisas ficam mais leves. O vento na cara ajuda a limpar as sujeiras da cabeça, as sujeiras que não saem no banho.
"A vida é um ringue...". Idiota. Por que? Por que? Se ele ao menos tivesse falado comigo. Mas agora é tarde. Mais um, garçom. Bares são iguais em qualquer parte. Homens idiotas e bebidas. Só os garçons tem mães. "Só os garçons...". Sem querer eu repito todas as frases dele. Dizem que até o jeito de andar, de falar, é igual. Quando falam isso me dá nojo. Dá vontade de sumir. Saí sem pagar a conta. O segurança encostou em mim. Agora ele vê dois de todo mundo.

Antes eu não faria isso. Agora, já não tenho nada a perder. Vou perder o que?

A estrada é uma coisa bonita. Hoje eu chorei, olhando a estrada. As coisas que passam, as casas ferradas, as crinças ferradas, os pneus furados, os cadáveres de cachorros. Isso me emociona. Não sei por que. Isso me emociona.

domingo, 16 de agosto de 2009

Fazendo uma poesia

Hoje, depois do almoço, estava com muito sono.
No entre-sono, quase-sono, escrevi alguns versos.
Comecei assim:

"Eu quero a ausência de um domingo"

foi a frase inicial que me veio. isso acontece de vez em quando.
uma frase vem. e dela o resto nasce. como se a frase fosse a semente da poesia.

continuei

"Eu quero a ausência de um domingo
e só"

às vezes ficamos procurando as palavras. às vezes ficamos perdendo as palavras.
então escrevi algo que estava procurando sentir. isso acontece também. você escreve como uma forma de sentir

"Eu quero a ausência de um domingo
e só
chegar ao ponto de não pensar
na vida
na morte"

às vezes você de certa forma desiste daquele caminho

"Eu quero a ausência de um domingo
e só
chegar ao ponto de não pensar
na vida
na morte
natural só um satélite feito a Lua
que é mais feio do que você"

essa última frase me trouxe o que eu realmente queria falar.
isso acontece bastante na poesia. você fala muitas coisas para conseguir achar o que realmente quer falar. aquilo então é a poesia.

a última frase me trouxe uma coisa infantil, que eu estava buscando. tenho buscado bastante uma espécie de libertação do pensamento, do jeito de pensar 'normal'. tenho tido vontade de falar como falava criança. então a verdadeira poesia começou e veio numa tacada só. com velocidade.

geralmente acontece isso. quando se sabe o que vai falar. quando você sente que ali tem petróleo, que o chão é fértil, a poesia vem acelerada.
veio assim:

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eu sou pequeno
mais menor do que um pedaço de unha
caído no canto da sala que tem uma
dona aranha cuidando
com suas patinhas e teias

eu sou bem pequeno
menor do que o brilho que tem
nos seus olhos
quando você chora ou sorri

eu sou muito pequeno
que quase sumo
quando você pisca

enquanto você lê
enquanto
essas palavras
também somem
e só restam
os sonhos, os amores, as promessas do mundo

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não sou de reescrever poesia.
pode ser um grande erro, de principiante.
ou talvez seja o meu jeito de errar.
aprender com os erros.

é difícil se criticar. O blog está ai pra isso também.
Gosto de saber opiniões, dúvidas, sentimentos dos leitores.

Ainda estou procurando a poesia.

e nunca vou achar. Ainda bem.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

a janela bate no sol
latido de passarinho
canto das britadeiras do rio
um raio de sol corta o Nilo
onde a civilização morreu

por um segundo de destino
eu não escuto a bala perdida
no longe dentro de mim
que pousou
no meu coração

a paisagem bate no sol
e fica tudo nublado
de luz

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Diálogos Catárticos - cena I

- Fui eu.
- Não acredito.
- Pode acreditar.
- Como pode?
- Não sei.
- E agora?
- Não sei. Não sei. Eu nunca...
- A gente tem que limpar tudo. A gente tem que limpar essa sujeira toda.
- Minha camisa tá com sangue.
- Eu não acredito! A gente tinha combinado outra coisa!
- Meu tênis também...
- Você tá me ouvindo! Não era esse o combinado!
- Não grita comigo não! Você não tava lá! Você não tava lá! Você não viu os olhos dele, você não tava lá e olhou, de frente, olhou bem nos olhos dele!
- Pára!
- Isso, chora, você num ia aguentar um segundo olhando os olhos dele.
- Não era pra ter sido assim. A gente falou que não ia...
- Foi um acidente!
- Como pode? Como pode? O Juninho, porquinho preferido do Dudu...
- Não sei...
- E o que eu digo pro Dudu? "Papai matou o Juninho"?"Hoje vamos comer porco, Dudu"?
- Diga a verdade. Ele já é grande.
- É. Já está quase um homem.
- Quando eu tinha a idade dele, já tava matando, e não era porco não, era gente mermo.
- Eu lembro.
- Então. Vai dizer?
- Tá. Mas pelo amor de Deus, limpa isso ai. Mais em cima.
- Eu te amo.
- Sei.
- Dudu? Você tava ai?
- Dudu, meu filho! Você tá ai há muito tempo?
- Dudu! A arma do papai! Coloca no ch...
- Gomes!!! Ahhhhhh!!!
- Mãe, fica quieta.
- Meu Deus!!!
- Fica quieta!
- AHHhhhhh...
- Agora sim. Já falei pra não mexerem no meu porquinho. Eu sempre falei pra não mexerem no meu porquinho! Vocês mexeram no Juninho, porra!!! Vocês não tinham o direito!!! Ouviu mãe, ouviu?