segunda-feira, 29 de julho de 2013

domingo, 28 de julho de 2013

rodovia

janela do ônibus
de um ônibus entre milhares de outros que ninguém sabe onde estão
(e se soubessem onde estão, o que saberiam?)

dais para o mistério de cidadezinha qualquer
vida mixuruca
constantemente cruzada por caminhões
com os cartazes mal-escritos a anunciar lojas e igrejas
com os móteis com nomes de músicas de roberto carlos
com essa solidão lotada de gente
e esses vira-latas mancos a esmolar pedaços de pão e carinho

(vivi, estudei, amei, e até cri
e hoje
não há mendigo na beira de estrada que eu não inveje
só por não estar nessa janela do ônibus)

não há nada que aconteça
nessas cidades
nunca nada vai acontecer
não se pode querer que aconteça nada
à parte isso, vem na janela um homem sem dentes
que diz ser Deus



terça-feira, 23 de julho de 2013

quarto

estou nesse momento
no seu quarto

em cada pedacinho dele
eu lembro do espaço que nossos corpos criaram
ocuparam
em cada objeto tem um pouco você
tanto que a saudade se torna quase
insuportavelmente acolhedora

é uma ausência tão grande que preenche tudo

(as ruas lá fora estão cheias
ouço gritos
grito também)

mas no seu quarto a maior presença é a sua falta

olho para o armário
consigo visualizar nós dois sem roupa
entrando em transe
olho para as fotos em cima da mesa do meio
uma ausência sua muito presente
de vários passados
o ventilador ligado
circula um ar que também contém fragmentos seus
e esse ar passa na minha pele
e é como se fosse a sua falta que me soprasse de leve

(soube que aquele seu amigo foi levado preso,
estava filmando com o celular e já foi liberado)

é como se me faltasse um órgão essencial
sangue, oxigênio, não sei
e ao mesmo tempo
eu estivesse na mais equipada incubadora
com tudo para me fazer saudável, respirar
seu quarto me dói como um parto bom

o seu toque está em cada objeto
no diprosalic
nos controles remotos
nos florais
no estojo
nas moedas
na maçaneta da porta
o seu olhar nos olha
do quadro dourado do beijo
da tela escura da tv
da tela acessa do computador
do teto
dos seus próprios olhos nas fotos
e penso que nunca fui olhado tão desprotegido
sinceramente real
com essa tristeza calando fundo
e essa alegria de saber que você volta em breve
e essa coisa que chamam amor
que se mistura em tudo que penso, faço, imagino, sou

(o cheiro de gás ainda está forte na camisa. até saiu o teu cheiro)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

ela deita sobre a grama

ela deita sobre a grama
o céu é que se derrama

ela sonha com o sol
o sol é que lhe acorda

em alguma paisagem
remota
traz beijos na bagagem

cartão postal é música
teu corpo é túnica
com que vou falar com deus

olhos virados em júpiter
você louca

e eu aqui
deito sobre a cama
a noite é que se derrama

eu sonho com a lua
e a lua é que me dorme

em alguma saudade
próxima
trago beijos de verdade

cartão postal é o rio
teu corpo é um rio
com que vou falar com deus

à nado
há nada

terça-feira, 2 de julho de 2013

a incrível surdez branca de ouvir o grito silenciado da noite

o mosquito que fica no ouvido
as sirenes da polícia lá longe
um casal de grilos
o gerador do hospital aqui da rua
o estalo da geladeira
meu coração de saudade

o motor de um carro
algumas fotografias suas
o disco muito do caetano
a luz vagabunda da luminária
o arrastar de uma cadeira no apê de cima
a incrível surdez branca de ouvir o grito silenciado da noite

meu coração de saudade
inventa modos de dormir
pra esquecer um pouco essa saudade

cão manco

um cão manco pelas ruas de uma cidadezinha mixuruca
ele seguia qualquer um
qualquer um

como se fosse seu dono

eu acho que vi deus
nesse cão manco

e ele me viu também
e eu fui perdoado

grilo

essa dor de cabeça que martela amplidões pela noite
abre a paisagem noturna dentro do corpo
um grilo ao longe me diz que estou perto de encontrar a escuridão
não dá para enxergar o que se pode enxergar
apesar disso
temos em nós todas as dores do mundo
sem doer nada

é só madrugada

segunda-feira, 1 de julho de 2013