sexta-feira, 6 de março de 2015


é como se eu não tivesse o que dizer
mas tivesse muito o que mostrar o que movimentar o que fazer

parece que alguém quer cantar

parece que alguém quer cantar
mas não consegue

o motor do ar-condicionado central
parece que não entende a temperatura
no visor aparece 19 º, mas é mentira

a maçaneta da porta parece que quer girar
mas a ferrugem entre o metal desgastou o movimento

uma canoa antiga, dos índios, foi achada
no interior de minas gerais

acabou a tinta de uma máquina de escrever Olivetti
que era da minha avó

alguma formiga com certeza está sendo morta
com um pisão
nesse instante
porque andava distraída demais
por entre papéis importantes do escritório

parece que alguém
lá, atrás daquele prédio
quer cantar ou gritar
mas não consegue

eu sei que o faxineiro que limpa os banheiros aqui
gosta muito de cantar funk melody
não era ele quer cantar e não consegue
é alguém diferente
mas ele também não consegue

o sol teve alguma preguiça
e só apareceu na metade da janela
da minha casa

minha caneta caiu no chão
atrás da mesa
eu tentei me esticar, mas acabei caindo da cadeira
a caneta, eu acho, está ali atrás ainda

e sem escrever
eu acho que sou a caneta com que deus desenha alguma bobagem
enquanto as galáxias dançam

alguém na praça da cinelândia queria cantar alguma música
eu acho
mas não consegue

o calor agora já diminuiu, acho que o ar voltou a funcionar



segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

verdes

eu atravesso uma baía todo dia
atravesso cidades, cabelos, sinais
transpasso ferrugens, miolos de pão, morcegos
atravesso as linhas da palma da mão
os pedestres passados futuram-me
num tempo presente já findo
eu atravesso estações sem mapa
sem tênis, sem calos nos pés
eu atravesso o mar todo dia
atravesso sofás boiando
na beira da visão
mas canso
e paro

atravessar a noite em sonhos verdes

amarela

os peixes de seda
em cima da mesa
voa uma abelha
no lustre da sala
dorme na rede
amarela
o corpo da bela
janelas do quarto
abrindo a tarde
o sol ao contrário
de ponta cabeça
reflete na mesa
amarela
os peixes de sede
abelha que pousa
no lustre da sala
enfeites de luz