segunda-feira, 29 de julho de 2013

domingo, 28 de julho de 2013

rodovia

janela do ônibus
de um ônibus entre milhares de outros que ninguém sabe onde estão
(e se soubessem onde estão, o que saberiam?)

dais para o mistério de cidadezinha qualquer
vida mixuruca
constantemente cruzada por caminhões
com os cartazes mal-escritos a anunciar lojas e igrejas
com os móteis com nomes de músicas de roberto carlos
com essa solidão lotada de gente
e esses vira-latas mancos a esmolar pedaços de pão e carinho

(vivi, estudei, amei, e até cri
e hoje
não há mendigo na beira de estrada que eu não inveje
só por não estar nessa janela do ônibus)

não há nada que aconteça
nessas cidades
nunca nada vai acontecer
não se pode querer que aconteça nada
à parte isso, vem na janela um homem sem dentes
que diz ser Deus



terça-feira, 23 de julho de 2013

quarto

estou nesse momento
no seu quarto

em cada pedacinho dele
eu lembro do espaço que nossos corpos criaram
ocuparam
em cada objeto tem um pouco você
tanto que a saudade se torna quase
insuportavelmente acolhedora

é uma ausência tão grande que preenche tudo

(as ruas lá fora estão cheias
ouço gritos
grito também)

mas no seu quarto a maior presença é a sua falta

olho para o armário
consigo visualizar nós dois sem roupa
entrando em transe
olho para as fotos em cima da mesa do meio
uma ausência sua muito presente
de vários passados
o ventilador ligado
circula um ar que também contém fragmentos seus
e esse ar passa na minha pele
e é como se fosse a sua falta que me soprasse de leve

(soube que aquele seu amigo foi levado preso,
estava filmando com o celular e já foi liberado)

é como se me faltasse um órgão essencial
sangue, oxigênio, não sei
e ao mesmo tempo
eu estivesse na mais equipada incubadora
com tudo para me fazer saudável, respirar
seu quarto me dói como um parto bom

o seu toque está em cada objeto
no diprosalic
nos controles remotos
nos florais
no estojo
nas moedas
na maçaneta da porta
o seu olhar nos olha
do quadro dourado do beijo
da tela escura da tv
da tela acessa do computador
do teto
dos seus próprios olhos nas fotos
e penso que nunca fui olhado tão desprotegido
sinceramente real
com essa tristeza calando fundo
e essa alegria de saber que você volta em breve
e essa coisa que chamam amor
que se mistura em tudo que penso, faço, imagino, sou

(o cheiro de gás ainda está forte na camisa. até saiu o teu cheiro)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

ela deita sobre a grama

ela deita sobre a grama
o céu é que se derrama

ela sonha com o sol
o sol é que lhe acorda

em alguma paisagem
remota
traz beijos na bagagem

cartão postal é música
teu corpo é túnica
com que vou falar com deus

olhos virados em júpiter
você louca

e eu aqui
deito sobre a cama
a noite é que se derrama

eu sonho com a lua
e a lua é que me dorme

em alguma saudade
próxima
trago beijos de verdade

cartão postal é o rio
teu corpo é um rio
com que vou falar com deus

à nado
há nada

terça-feira, 2 de julho de 2013

a incrível surdez branca de ouvir o grito silenciado da noite

o mosquito que fica no ouvido
as sirenes da polícia lá longe
um casal de grilos
o gerador do hospital aqui da rua
o estalo da geladeira
meu coração de saudade

o motor de um carro
algumas fotografias suas
o disco muito do caetano
a luz vagabunda da luminária
o arrastar de uma cadeira no apê de cima
a incrível surdez branca de ouvir o grito silenciado da noite

meu coração de saudade
inventa modos de dormir
pra esquecer um pouco essa saudade

cão manco

um cão manco pelas ruas de uma cidadezinha mixuruca
ele seguia qualquer um
qualquer um

como se fosse seu dono

eu acho que vi deus
nesse cão manco

e ele me viu também
e eu fui perdoado

grilo

essa dor de cabeça que martela amplidões pela noite
abre a paisagem noturna dentro do corpo
um grilo ao longe me diz que estou perto de encontrar a escuridão
não dá para enxergar o que se pode enxergar
apesar disso
temos em nós todas as dores do mundo
sem doer nada

é só madrugada

segunda-feira, 1 de julho de 2013

a tua ausência

a tua ausência
soma para menos
subtrai para mais
ilusões de acenos
beira de um cais

quinta-feira, 9 de maio de 2013

eu achava

eu achava que a poesia estava verdade ou na mentira
em qualquer lugar
faltava ainda descobrir
que todos os lugares ainda
não bastam

eu achava que a poesia estava na verdade
dizer as coisas dos jeitos que elas são
dentro da cabeça
mas principalmente
fora do corpo sendo o corpo
tomar de uma vez o mundo
como quem engole chamas

eu achava que a poesia estava na mentira
se colocar em um estado de transe
achando a frase inicial
o personagem inicial
um louco, idiota ou deus
"a poesia é uma linguagem desviante, é preciso primeiro achar quem vai escrever"
uma vez um poeta me disse isso
e eu ouvi.

o porquê de não estar escrevendo com a mesma intensidade de antes
eu não sei exatamente

eu achava que era importante explorar o fluxo
ligar uma musica que continuasse que empurrasse a mente e a vontade de escrever pra frente
alongar os parágrafos alongar as frases deixar as associações se estabelecerem num jogo constante que vai e vai

ouvir miles davis ou outra coisa qualquer que seja boa para despertar a consciência

eu achava que precisava editar mais o que escrevia
não exatamente para embelezar
mas achar a forma certa
a frase certa
ser cuidadoso
mais caprichoso com as palavras

eu achava que ser poeta tinha a ver com a maneira de vi-ver o mundo
de ser o mundo
e de não ser o mundo
e então não haveria tanta necessidade de se preocupar com a polidez da linguagem

e volta e meia a linguagem te pega
te joga na cadeira e te faz ser

manter o ritmo é importante manter o ritmo
construir uma casa sólida com as linhas que vem e vão
e é isso que vou fazer não me importanto com o resultado final

uma trilha de rastros
deixados por um cão surdo
ninguém sabe onde vai dar
ao menos na música é coletivo
você está junto de outros
no teatro também
agora talvez o problema ou solução da escrita seja a solidão

eu achava que era preciso inventar e ser outros ao mesmo tempo em grande diálogo ou confusão ou briga ou festa
e escrever era deixar que elas se amassem no papel
por uma noite

por uma noite
as palavras geram inícios de poemas



terça-feira, 5 de março de 2013

até

um dos meus avôs veio do pantanal
o outro veio do japão
nasci na holanda
sou brasileiro
nasci num clube da esquina
no encontro de várias ruas
andei de skate
coloquei o pé no pacífico
vi a torre eiffel ascender suas luzes
numa paris sobrenatural
provei vinho de mendoza
senti a brisa de uma geleira derretida
pelas bandas do canadá
tremi com um terremoto na costa rica
e subi num vulcão lá
dizem que três vezes por ano
quando o céu está totalmente aberto
dá pra ver o pacífico e o atlântico
indefinir o longe e o perto
de cima daquele vulcão
um dia quero ver...

já morei em frente ao mar
já quase me afoguei
tive amores imaginários
alguns amores deixei
vi um céu muito estrelado
de dar dó
lá em visconde de mauá
e a cachoeira mais bonita aquela
acho que foi em serra do cipó
parecia um lugar de sonhos
de repente era

não canso de ver
o horizonte do arpoador
olhar o mar sem pressa
seja de onde for
funciona pra mim como uma reza
de repente é...

quando eu nasci
uma anja loira, alta, holandesa
disse: vai, Taiyo!
ser outros na vida
navegar é precioso
vai ser outros
outras pessoas
fazer poesia

do pantanal eu trago uma pré-história
um gosto de antes dos começos
como tocar no mar pela primeira vez
achar os olhos da mãe e do pai quando bebê
do japão tem um olhar invertido
olhar o que está dentro
do brasil eu colhi um sorriso
a alegria de estar vivo
da holanda um olhar subversivo
como jogar uma bicicleta num canal

nasci mesmo foi numa esquina
na esquina entre o bem e o mal

caminhando em saltos
pulando moças, cheiros, apartamentos
até encontrar aquela visão
que eu tinha desde pequeno
 até ver o meu sol,
viver, meu nome, viver
escrito em corpo de mulher

até encontrar carol

é quase primavera

paisagem de sonhos
na janela da nossa casa
é a vida que pousa
em nossas mãos
parece um filme que eu vi
há um tempão atrás

casa verde
a grama verde
o cheiro de chuva
parece que é sua
essa beleza das montanhas
caminhando em teus quadris
para ver o sol se pôr
no seu umbigo
beber água

passo por essa terra
ou a terra que me caminha
ou o céu que navega sobre mim
um passarinho pousou no seu ombro
deve ser de deus

um bando de estrelas voam
paisagem de sonhos
é quase primavera
promessa de te ver
fecundando o chão
nos teus cabelos a brisa rega
nesses teus cabelos pretos
escuridão que ilumina
minhas mãos entrelaçadas
rezam
tranças
transe
tons
de verdes heras
é quase primavera

meu amor

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

diários antigos da carol

a carol é poeta:
hoje ela achou
diários antigos
e me falou
- é bonzão se perder no que a gente acha.


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

então era isso

então era isso
eu já imaginava
faltava alguma coisa
nessa madrugada
algum claro enigma
decifrar o som do nada:
faltava escrever isso

que coisa louca
não se pode mais dormir
é preciso trocar essa reza
de cabeceira
por um poema
de canções surdas

só eu vou escutar mesmo
aquilo que nunca cantei

enquanto você que lê
inventa uma cobra coral
dentro do corpo
como uma serpente mitológica
engolindo o próprio chakra
enquanto isso o poema se consome
e some

então era isso
era preciso ser outros
era um caminho impreciso
ser outras pessoas
orientar-se pelo oriente
faltava achar a voz
bem baixinho

seria preciso desfazer o ritmo
para dançar
o movimento de ficar parado

a superfície impenetrável do ar

moon dreams

ouço essa música
e consigo ver nós dois flutuando
só um pouquinho acima do chão
num musical inventado
em preto e branco
na orla dessa cidade
e a lua cheia sorrindo no céu

a lua sonha a gente


solo 1

flores na janela da sala e eu pensando em alguma coisa para melhorar a minha vida e a de meus semelhantes não olhar pra trás não olhar para trás jamais seguir andando seguir os Andes

flores na chuva
cidade cinza
nuvem solar
achar a comida de pássaro e voar

teus olhos separam o que é real
obrigado, flores
flores na chuva
eu só preciso continuar seguindo
continuar na chuva

minha floresta de mims
nasce, cresce, morre e nasce

natureza morta
vivendo em quadros
na paisagem mental

podem ser girassóis
podem ser apenas o verde das árvores
ou serei o verde em mim que se faz humano

natureza morta
flores na chuva

yin e yang
ali naquele escuro

júpiter sincero aguarda um estalo
entre o solo de silêncio e luz
dos parâmetros tortos na calçada
ela pula um cocô de cachorro
com a leveza cega de um Nijinski

motocicleta feita de vento
impossível conter o movimento
motocicleta feita de corpo
espaço aberto ao vigilitante desatento
solos que a cidade esqueceu
um saxofonista rasteja nú pelo chão
sobre um cimento ciumento em cima no centro
próprio umbigo
vão




quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

esperar

escrever até entrar em transe
reconhecer que não é você ali
mas é mais você do que se fosse

esperar a noite chegar
o silêncio gritado dos animais
atrás, atrás do morro do prédio

esperar o silêncio dos apartamentos
as janelas quase fechadas
algum radinho de pilha bem baixo

esperar que o eco dos cães
se perca no próprio escuro da noite
e de alguma forma se transfigurar em latido

esperar que o som desencontre o seu sentido

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

ossos de tijolo

não é que não há nada para ser escrito
pelo contrário

eu poderia falar dos moleques aqui do play
falando alto
e já é madrugada

ou da noite
falar de como está quente
repetir de novo aquela estória de
"a cidade dorme"
ou outra merda qualquer

de qualquer forma não ligo
to pouco me lixando

a gente continua a falar
ou escrever
para escreviver
serestar na madrugada
quase nada

não é que tudo tenha que ser escrito
mas quase

eu tive um professor
um mestre
chamado Evaldo
e ele escreveu um livro chamado
"Retalhos do Quase Nada"

eu gostei muito desse título
gosto até hoje

o manoel já disse que escrever nadas
ajuda a gente a ficar mais cheio de ocaso

de noite, na parede do quarto, os ossos de tijolo do prédio exalam ócio

domingo, 6 de janeiro de 2013

ouvindo coltrane

a noite vai vestindo o seu manto negro sobre as coisas imateriais
e eu percebo o quanto não existo
madrugada cai da janela do quarto
foge no passado um som dissipado
estranho
já sonhei com esse lugar
antes
negras curvas do corpo iluminado
uma moça triste sorria
um pássaro sorria
na janela do passado
e lembro de uma estória

tínhamos apenas um segredo
eu e ela
eu era uma porta
e ela uma janela

ouvindo john coltrane
deixando que a escuridão
queime

ouvindo toninho horta
fico sentado no chão
olhando a porta

ouvindo djavan
parece um dejavu

nesse sonho ou pesadelo
seu rosto vem distorcido
onde tudo é mais bonito
eu arranho seu cotovelo

um amor supremo

está mais quente
faz calor no rio de janeiro
até o vento sente
e se esconde 

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

buraco negro

hoje vi na tv
que os cientistas
os físicos teóricos
e outros lá
não sabem o que acontece
dentro de um buraco negro

parece, dizem
que o tempo e o espaço
somem

ah, mas isso eu já vi
o manoel de barros
e outros
fazem isso dentro da gente
quando a gente lê uns trecos deles

fernando pessoa geralmente manda um desses

ou, melhor,
quando os poemas lêem a gente

afinal
se não fosse os poemas
a gente seria o que?

os cientistas
e os físicos teóricos
sabem que a gente é um homo sapiens sapiens.

eu eu lá quero saber de saber?

kombi do carlos

passeando na kombi do carlos
a gente era astro de rock`n roll
ouvindo genesis, sabbath e zepelin
no som alto que não tinha fim
cortando as ruas do rio no sol
passeando na kombi do carlos


terça-feira, 11 de dezembro de 2012

dúvida

ela sai do banho
está calor
a nova roupa
já veste suor

foi ela que tomou banho
ou as águas da ducha que se banharam nela?

sempre fico na dúvida


uma cidade de poesia

viajar significa ver
a paisagem desaparecer
num cinema real
que se imagina
por uma janela
fechada na lembrança
de ventos perdidos

viajar significa ver
por cima das nuvens
um chão que é nuvem
e um céu que é mar

e o amor
que é

viajar significa ver
de olhos fechados
o tempo escorrer pela janela
enquanto o espaço entre nós
passa

viajar significa ver
o silêncio das cores de uma noite

em direção a Santiago
penso em escrever um romance
onde possa explorar
as implicações poéticas
da vida concreta e cotidiana
de se escrever

estar em constante viagem
significa estar em movimento
parado

movimentar parado é exercício
de poeta
ele precisa estar em movimento
e estar parado em movimento
desenvolver uma audácia para
as origens
chorar páginas dos olhos

estou sentado na grama
da praça em frente ao La Moneda
e uma bandeira do Chile
é que faz sombra
o sol é bem forte
mas gostoso
o vento é delicioso
o vento faz carinho na nossa pele

os cachorros de rua de Santiago
são dóceis e bonitos
me lembraram na preguiça
os cães de Salvador

tenho pensado na relação
entre as cidades
entre os países da América Latina
estou só de camisa e calça jeans
no sol, você fica com calor
na sombra, o vento é bem gelado
microclimas

é definitivamente uma cidade
de poesia

terça-feira, 27 de novembro de 2012

sonhos recentes

hoje sonhei com piscinas
estava numa espécie de clube
havia uma exposição de arte no local
com videos e instalações

outro dia sonhei que estava numa celebração religiosa
muçulmana
depois judaica
em um templo, na verdade, embaixo dele
numa estrutura de pedras e sacos de areia

num outro sonho eu via um pai e um filho
numa espécie de treino de sobrevivência
em situações extremas
eu brincava com duas armas na minha mão
uma não tinha tambor

noutro sonho
a carol tinha comprado uma moto
e eu andava rápido pela cidade

em outro havia uma novela estranha
onde o protagonista cortava a orelha da mulher


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

dos momentos em que a amo

quando sorri envergonhada por saber-se bela
quando chora alegre por consolar-se em mim
quando abre o sorriso quando abro a porta
quando fecha os braços e pernas em torno de mim

quando descobre uma música perdida na janela
quando perde a vergonha de saber-se bela
quando dança em qualquer lugar que haja música
quando pára diante de mim e diante da janela

quando escreve poemas como quem penteia o cabelo em frente ao espelho
quando se deixa escrever por meus poemas, beijos e sonhos pagãos
quando desenha com gestos o que sente por dentro, inventando-se
quando se deixa criar-se no gesso que moldamos à quatro mãos

quando cozinha um peixe com molho caseiro
quando aprova meu macarrão com molho curry
quando sozinha se toca ligeiro
quando comigo se mistura

quando vê desenho animado na cama
quando de olhos fechados se anima
quando emburrada se inflama
quando tranquila e em mim se menina

quando dorme
quando acorda
quando morde
quando joga

dos momentos que a amo
prefiro todos
prefiro nenhum

e os momentos que a amo
são todos os mesmos
essa sexta-feira
que ainda não acabou
que ainda nem começou

o momento mais bonito
- infinito

dos momentos que a amo
só me lembro de um


sexta-feira, 16 de novembro de 2012

a frase

"o ar está cheio de murmúrios silenciosos"

essa é a primeira linha do primeiro livro do vinícius, chamado - O Caminho para a Distância.
eu curto pra caramba esse nome, o caminho para a distância.
se você mora no rio, de repente, se colocar a cabeça pra fora da janela e olhar lá fora, vai conseguir olhar essa frase do vinícius.

a frase até pousou na minha janela hoje.

minha identidade também está lá

perdi o medo de escrever poesia há muito tempo, mas parece que por agora, estou perdendo o medo de escrever prosa também. eu e minha namorada tivemos nossos roteiros selecionados para um laboratório de roteiros. de curta-metragem. cada um com um roteiro diferente. foi bem legal. engraçado que o roteiro de ambos falava sobre relacionamento de casal, cada um da sua maneira. tanto que fomos colocados no mesmo grupo de trabalho - apelidado carinhosamente de grupo do amor.

lendo o roteiro de cada um dá pra perceber coisas sobre nosso próprio relacionamento. e também ver, de alguma forma, como cada um vê ou já viu um dia. o meu se chama Bebel Berlin e o dela se chama Expresso. eu gosto dos dois nomes. gosto dos dois roteiros. cada um tem uma cara. o meu é mais anárquico e chega a ser imbecil. o dela é mais bonito, parece coisa de filme asiático contemporâneo.

escrever roteiro parece um pouco como escrever em prosa e escrever em poesia. só que é diferente. tem muita tradução num roteiro. você fica traduzindo a língua das imagens da mente e dos olhos e dos ouvidos. cada imagem dessa tem uma língua diferente, então é uma tradução simultânea danada, que às vezes comete erros. o melhor dessa tradução são os erros. como na poesia, quando a criança erra na gramática, acerta na poesia. na poesia parece que não há tradução, no caso, quem traduz é a própria poesia. ela te lambe, lambe a tua língua, e deixa a baba nas palavras que sobraram. a prosa é mais como um ditado, você vai vendo de ouvir.

tenho ouvido daft punk e entendido melhor o porque de estar ouvindo daft punk. tem tudo a ver com tudo. inicialmente o que mais me atraiu foi o clip do gondry para a música around the world. percebi que gosto desse diretor. justamente porque ele trabalha num lugar que também gosto, ele fica fazendo muitas coisas do início do cinema, coisa de méliès e lumière. e daft punk é como se fosse manoel de barros em forma de música tocado não por gente, mas por objetos de um ferro velho. repetir, repetir, até ficar diferente.

quando vi viagem à lua do méliès percebi o caminho que o cinema que quero fazer e ver mais deve explorar. viagem para lugares nunca antes vistos. por isso que a galera gosta de apichatpong weerasethakul, cineasta tailandês. ele mostra coisas que a gente nunca viu. nem ele viu. ele mostra coisas que até a gente não está vendo.

e continua de pé, agora mais forte e já iniciado, o tal roteiro de longa-metragem que estou escrevendo. por alto, eu sei que ele fala da paesificação do rio e das coisas. dessa transformação rápida de tudo em barra da tijuca, em babaquice. mas, por mais louco que seja, quero que seja um filme pra cima. vai ser uma comédia. sobre a paesificação do rio. eduardo paes. não vai ser sobre isso, mas esse sentimento vai ficar no filme. de repente eu posso apontar alguns caminhos pra despaesificação, como a poesia e etc. o mais interessante no filme é esse etc. eu nem sei o que tem. mas sinto que vai ter coisa bacana.

todo escrito é uma estória de amor. e eu só escrevi essas merdas todas porque tô com saudade da carol.

o rio tem amanhecido meio frio. tem feito um climinha bem de feriado daqueles tranquilos. feriados pra ficar em casa. eu até gosto. dá vontade de ficar na cama lendo alguma coisa. ou baixar um filme. tava vendo ontem o hana-bi, fogos de artifício, do takeshi kitano. me pareceu um filme bem interessante. achei maneiro o jeito que ele fez esse filme. um dia, quando eu for mais velho, gostaria de ter essa cara de mafioso da yakuza. vai ser difícil, afinal, ele ganhou aquela cicatriz e aquele tique nervoso de paralisia por causa de um acidente de moto em 94. mas ter uma cara de mafioso seria bom. dá pra intimidar as pessoas. isso numa cidade grande é importante. principalmente flanelinhas.

parei agora para ficar olhando o quarto e procurando um título para esse texto. acho que já está bom de escrever. chega. olhei os livros na estante. o ventilador meio velho. meu armário que tem as portas quebradas. a janela que ainda está semi-aberta. posso até ver o verde e o cinza lá fora. e escutar os pássaros. ao meu lado tem um livro do drummond com a cara dele na capa. do outro tem kafka naquela edição da martin claret feia pra cacete. a calça que eu usei ontem está pendurada com cinto e tudo. ainda tem moedinhas no bolso. tenho que pegar. minha identidade também está lá.


quarta-feira, 7 de novembro de 2012

daft punk e méliès e manoel

remix
remix
remix
uma trucagem de camera
uma trucagem de camera
uma trucagem de camera
umas latas no chão
umas latas no chão
umas latas no chão

até quando a repetiç
transfone

até te te te te te te te até
quando quando quando quando
ando ando ad admp adp admp admpad mpad mpad mpad padmpad pm

deu erro no computador
enquanto eu gdigitaava afora deu tambem mas eu vou continuar a escrever ate que ele volte e asasim nao vou conrrigir quando ele voltar


quarta-feira, 31 de outubro de 2012

tudo trocado

vai-se até o arpoador de bicicleta
para não gastar dinheiro com ônibus
até porque não tenho troco

mas tudo trocado

sobe nas pedras
e olha o mar

de novo
lembro de nós dois nus
com o mar batendo na pedra
e fazendo espumas

lá no horizonte
dá pra ver monet

de perto
toda pedra é um ser
mais importante do que eu

seria melhor que as bicicletas
carregassem homens
e descansassem nas pedras
e que o mar olhasse a gente
e lembrasse de uma transa
dele com o tempo.

tudo trocado.

ontem não dormi por causa dos mosquitos

ontem eu não dormi por causa dos mosquitos e do calor
e também porque estava com muitas coisas na cabeça
fui ler walter benjamin para ver se dormia
fiquei com mais coisas na cabeça ainda
e mais calor

mas os mosquitos parece que ficaram lá quietos
lendo walter benjamin comigo na tela do laptop

nessa era de reprodutibilidade técnica
os mosquitos se repoduzem
e o sono perde a aura


minha namorada é uma visionária

minha namorada é uma visionária
ela vê coisas

outro dia ela disse que viu deus
num vira-lata de rua

no outro
ela disse que viu a presença de deus
numas bolhas de sabão na praia de icaraí

hoje ela disse
- estou com saudade de você e de mim.

As Leis da Poesia - segundo Charles Chaplin

- para você, que quer escrever um poema, mas não sabe por onde começar:

1 - pare.
2 - feche os olhos.
3 - quando digo olhos estou me referindo a você imaginando você de olhos fechados.
4 - troque o formato do seu rosto.
5 - pinte tudo de preto e branco
6 - dê uma flor para uma moça
7 - fuja do guarda
8 - caia no chão
9 - abra os olhos
10 - pare

vejo um filme

apagam as luzes
eu vejo um filme
chamado poesia

faltou poesia
no filme
eu to cansado de filme
que termina com suicídio

eu quero ver
e fazer filmes
que terminam com nascimentos


pretinha

tem uma gatinha num prédio aqui perto chamada pretinha que toda vez que eu faço um som com a boca ela vem se rebolando toda com a pançona gorda dela ela é bonitinha tem que ver e fica ronronando quando eu faço carinho ela já se joga no chão e fica como se tivesse coçando as pedras portuguesas da calçada

disseram que ela já morou na rua
eu lembro de ser criança e ela estar lá
ela é bem velhinha

decidi andar até a minha casa

decidi andar até minha casa.
cortei a cidade ao meio.
tudo isso pra provar pra mim mesmo
que a cidade é apenas um rio.

rascunho que achei hoje

consegui identificar nos teus olhos
um traço do meu futuro

(sabe aquelas partes brilhantes dos olhos?)


só a poesia salva

troque sua pistola por um disco do cartola

troque sua granada por um soneto pra amada

troque sua propina por uma dança da pina

troque seu caverão por um livro do drummão


sábado, 20 de outubro de 2012

tempestade

chove lá fora ou é meu estômago
a cidade tem fome ou sou eu tempestade

o mundo agora é diário secreto
pra todo mundo ver-se na água

meus versos vão em dupla
em vão, nus, sem culpa banhados no tempo

chove lá fora ou é aqui dentro
a tempestade secreta das coisas que invento

o mundo, diverso, universo, encerro em casa
pra todo mundo ver que em tudo há um grande gigante que

nada



segunda-feira, 8 de outubro de 2012

sentinelas da noite escondidos em nuvens

sentinelas da noite escondidos em nuvens
um silêncio afogando os prédios
cães em outro bairro debatem o tempo
mães em silêncio sonham no passado

gatos brigam na beirada de muros
algum grilo desaparece de si mesmo
no japão já é outro dia
coração ainda bate acelerado
era pra cidade dormir agora
mas os prédios insistem em sonhar

uma moça tira o sutiã
coloca o pijama
e desliga o computador

parece algum alarme de carro
lá no final da rua
ou será minha respiração?

nessa noite tão escura
escondem no asfalto preto dessa rua
um suave leito da visão

pareceu um navio atrás do morro
e nem estou dormindo
sonho acordado submerso em vida
ou a vida sonha com o verso findo?

escuto meu coração batendo fora de mim
nas paredes e no teto
bate também por entre os prédios
é com o coração que arquiteto

sonhos sólidos
metro a metro
até chegar

longe do perto



domingo, 23 de setembro de 2012

testando quantos leitores tenho e pedindo sugestões para poemas

Olá, você costuma ler este blog? No começo, a gente escreve mais pra gente mesmo. Depois de um tempo (quanto tempo tem esse blog, uns 4 anos?) acho que chega a hora de dialogar mais. Então estou fazendo esse teste aqui. Você costuma ler essas poesias daqui? Se sim, me dá uma resposta ai no comentário. Aproveita e me sugere algo para escrever, como: temas, coisas, idéias, algo.

Abraço carinhoso.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

o livro dos cabelos

teus cabelos me curam da idéia de que sou diferente do universo
posso decompor o movimento de um beija-flor através do perfume negro dos seus cabelos
se uma gota de chuva escorrega pelo ar rarefeito e encontra abrigo nos teus cabelos
as moléculas se reorganizam em formações geométricas distintas
pequenos diamantes de vento por entre suas tranças criando prismas de luz negra

teus cabelos são rios caudalosos de terras imaginárias onde a civilização ainda não chegou
não há bússolas, mapas, cartas marítimas, nem sinais de estrelas, não há caminho
seguindo o fluxo dos fios é possível atingir perfeitamente a perdição
e mesmo que sábios do oriente, mesmo que matemáticos árabes, intentem descobrir as saídas
teus cabelos são rios infinitos em espirais de labirintos
de onde não se sai, não se entra, não se caminha, nem se pára

dez mil seres da terra podem tentar pentear os teus cabelos usando as dez mil maneiras
assim como os reis e príncipes podem oferecer toda a riqueza de seus palácios
ainda assim não haverá vento bravo que possa invadir a forma natural de seus cabelos
como não se invade o palácio de mil muralhas e dez mil soldados
para contemplar a ondulação de teus cabelos a Terra inclina levemente seu eixo
o jasmim modifica levemente sua cor, o Sol levemente se esconde atrás de uma nuvem

aquele que quiser conhecer os não-caminhos de seus cabelos
deve percorrer a leitura atenta do livro dos cabelos, escrito no tempo onde não havia tempo
escrito com a tinta negra da noite no papel amarelo do dia
escrito com a pena mais fina da fênix mais antiga, do vermelho como sangue de mil rosas em mantra

no livro dos cabelos é possível recitar as sete mil formas de imaginar seus cabelos, agradecer
e visualizar o futuro
aquele que compreender a sua essência poderá caminhar acordado dentro de sonhos
bem como libertar-se da atmosfera ilusória da própria existência terrena e sonhar de olhos abertos

na primeira página do livro dos cabelos há um desenho colorido de uma das formas de seus cabelos
para enxerga-la é preciso fechar os olhos e sacrificar uma imagem em frente a um abismo de si mesmo
caminhar nu pela floresta negra de seus cabelos e se deixar cortar pelas pontas afiadas de seus cabelos
fazer um manto negro de seus cabelos e se deixar banhar pela cascata negra de mel e perfume de seus cabelos

em cada capítulo do livro se encontra uma ponta de um fio de seus cabelos
da primeira ponta até a raiz da segunda percorre-se a circunferência de uma libélula
da segunda ponta até a raiz da terceira percorre-se a circunferência de um ipê-roxo
a partir da terceira, cada ponta de cabelo se enlaça com a seguinte, gerando uma mandala infinita

observando essa mandala do ponto de vista zenital do Uno
é possível visualizar a formação suave de uma figura moldada na capa de um livro:
um rosto de mulher
e o título

o livro do rosto

sonho pina bausch

Tive um sonho em que visitava o grupo de teatro-dança de Pina Bausch, junto com alguns amigos e colegas da universidade. Participávamos de um espetáculo, improvisando com os dançarinos da companhia. Eu usava uma calça preta larga, daquelas de aluno de teatro. Comecei a suar bastante, enquanto acompanhava os movimentos. Depois comecei a entrar no jogo de improviso. A platéia estava lotada. Começaram a sair aos poucos, depois de um tempo. Terminou com um professor meu dizendo - isso não é teoria, estamos botando vocês para agir.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

viajar é levar vento nas mãos

viajar é levar vento nas mãos
e deixar a brisa semear dúvidas
é esconder novas nuvens no casaco
e descobrir um som colorido pela chuva

viajar é pegar nas mãos do vento

não entendo o que falas
o seu círculo, seu vulcão de fogo e brasa
não entendo seu segredo fraco
não entendo sua lava

faço casa em qualquer poeira
em todo canto tem quatro cantos
eu sempre canto por onde passo
criando um outro tipo de espaço
e de espanto

daqui até lá
é saudade

de lá até aqui
é a viagem

entre um e outro meu destino pega carona

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Viagem à Lua

olhar a lua
apenas olhar a lua
pode ser como no filme
viagem à lua
ou
voyage dans la lune
em francês tudo fica mais chique
mas a lua
mesmo que sempre
vemos diferente
se mantem igual
se queda igual
la luna misma
a lua que esta no céu agora
não é a mesma que vi
quando eu era criança
mas
a lua que está no céu agora
é a mesma
desde de sempre
desde que a lua existiu

tenho vinte e quatro anos
e poucos sonhos
resumindo
é amar e ser amado
e fazer coisas que amo
andar de bicicleta
conhecer os lugares mais inóspitos do mundo
lugares que eu nunca imaginaria conhecer
outros, queria conhecer de novo
ou melhor
desconhecer
me perder
como se perder
na poesia

"és peligroso, pero fascinante"

cabelos ruivos
cabelos negros
cabelos cheios
luas cheias
quarto minguante
o que mais importa
quando se olha a lua?

ou
o que a lua vê
quando nos olha de volta?

estaria ela vendo
seres escuros
de um planeta azul?

estaria ela com vergonha
de mostrar suas rugas
marcas do tempo e de cometas
passados
como amores fugazes
que marcam a pele cinza
de um planeta esquecido
hoje apenas satélite
hoje apenas em órbita
ao redor de um planeta azul
para seres escuros
que sonham e poesiam
com a lua
e que cantam canções românticas
para seus amores
olhando a lua

ontem eu vi o filme do Méliès
e não sabia porque precisava vê-lo
mas sinto que nele está alguma chave
para desvendar meu passado
meu futuro
e meu presente

nao sei o que é
se é a imagem colorida à mão
mudando como mágica
ou se é o sentimento
de que só através da mágica
se pode atingir a realidade
se pode chegar ao verdadeiro

será por isso
que a carol gosta tanto de desenho animado?

todos temos uma lua
para qual podemos viajar
em algum tempo da vida
a lua é um lugar escondido
no canto do quarto

depois
pode ser uma bola de futebol
que seu pai não te deu no natal

mais depois
aquela carta
daquela menina
que se perdeu
antes de entregar
e que hoje
talvez vague
poeira cósmica
na calda de estrelas cadentes
no rastro de pedidos de amor
que nunca se cumpriram
amores-poeira
vagando no espaco

mais e mais depois
a lua vai se tornando própria
um lugar escondido dentro da gente
uma bola de futebol de uma infância inventada
uma menina feita de poesia que nasce, vive e morre nos braços
e frases de um poeta
um sonambulo
sonhador

lunático

são tantas imagens
que se pode lembrar
o garoto pescando sentado na lua minguante
o foguete atingindo a lua nos olhos
o anel de lua e estrela
a estrela do numero 5

a pior imagem que vi da lua
foi numa luneta
e percebi
que o que eu mais gosto de ver
é o que não vejo

a poesia parece ser
como olhar a lua na luneta
e ir girando a lente
até nao se enxergar mais nada de nítido
quanto menos nitidez na lua
mais definidas as palavras necessárias
para indefinir o que se vê

vejo a lua
ou vejo luzes da cidade
vejo a lua
ou vejo lugares escuros
vejo a lua
ou viajo à lua
não sei se vejo ou se sou visto
se a inventei
ou se fui inventado
se viajo pra fora
ou pra dentro

na distância tão próxima
que muda marés e reorganiza eixos magnéticos
a lua, muda, viúva
observa sem luneta
um azul, um planeta
um homem numa ilha
com um segredo
um amor, uma filha
um planeta inventado
que ele escreve
por influência da lua
que observa
antiga
a nova descoberta científica
um tanto quanto perigosa

mas fascinante

há vida além da lua
alem dos buracos do meu rosto
cicatrizes cinzas
de tantos outros que vieram
e passaram

enquanto isso
na terra
uma estrela do mar
olha o céu estrelado
em uma ilha distante
levada pelo mar
um siri tropeça no seu sonho
de conhecer as três marias
e prende suas garras
numa rolha da garrafa
que se abre
molhando uma carta
que algum adolescente
deixou de enviar

a carta era um relato
em forma de poema
uma confissão noturna
de um jovem náufrago
que um dia
uma noite
olhando a lua

delirou-a

sábado, 25 de agosto de 2012

ela desenha sem lápis

ela desenha sem lápis
e agora tá desenhando com lápis

o processo dela parece ser
bem legal

pra desenhar sem lápis
ela inventa uma caligrafia com as imagens do mundo
de dentro
de fora
e nem de fora nem de dentro

pra desenhar com lápis
ela dança a coreografia que o mundo conduz
de dentro
de fora
e nem de fora nem de dentro

o desenho ficou legal

sem você no apartamento

to que nem um cão
trancado no apê
procurando a dona
rasgando o sofá
roendo o pé da mesa

fazendo xixi de protesto

terça-feira, 21 de agosto de 2012

tal!

encontrei o amor em todas as coisas
encontrei um mosquito numa garrafa de cerveja
luzes poesiam o céu numa tempestade com ideogramas japoneses

não há como descrever o que se vê
o que se viu
escrever é descobrir
o que nunca se poderá ver
e ver é ser escrito

como raios no céu
poesiando o horizonte
com poemas japoneses

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

sabor

atrás daquela grade do pátio tinha um mato
o matinho
quando a bola do futebol caía ali
parece que não tinha mais jeito
todo mundo tinha medo do que tinha lá
diziam que tinha cobra
e outras coisas que a gente não sabia

não saber aumentava o saber

na praia
as areias que ficavam duras
como pequenas pedras de areia
eram legais de se quebrar
e de repente
aparecia por dentro delas
um bicho
aquela barata de areia de praia
que eu chamava de fumiga

praia sempre foi um lugar que nunca vai ficar chato
sempre tem alguma coisa
quelque chose

nos bailes de carnaval
minha mãe pintava um coração
na minha bochecha
e eu usava uma faixa na testa

eu gostava de pintar a cara
no dia do índio
me lembro de pensar brevemente
que gostaria mesmo de ser índio
enquanto cantava a música da xuxa
segurando um arco e flecha feitos de jornal
com fita crepe

o mundo parecia imenso
era realmente imenso
mas eu fui crescendo
e veio a internet
e a mente
parece que os braços da gente
vão abraçando mais o mundo

e saber vai diminuindo o saber

por outro lado
é possível brincar de não-saber
ou inventar um outro saber
e dessa forma

inventar um não-saber vai aumentando
o sabor

sábado, 18 de agosto de 2012

voa pensamento

vôa na madrugada um pensamento
passeando apressado
por entre acordes de piano
e cidadãos indo dormir

a cidade calma, serena, espera o sol
na solidão dos poucos carros
das luzes coloridas
dos papéis que se arrastam ao vento
um olho de gato brilha
um homem dorme envolto em papelão
meu coração se aproxima do mundo
como se fosse o próprio vento
um bafo de algo maior, mais profundo
mas é apenas o vento

o pensamento, voando
pousa de passagem
nas asas de algum sonho
que alguém deixou por sonhar
na beira da cama

parece um filme antigo
em preto e branco
mas não
é a própria história da humanidade
encarcerada na vontade de ser feliz
e de voar pensamentos
e num breve momento
o pensamento se olha em reflexo
e ri desse espelho maluco

a imagem se desdobra em relógios
pendurados no pescoço de santos
que se multiplicam na paisagem dormente
cercando a cidade num ataque aéreo
os ponteiros jogam pequenas bombas de tempo
e os segundos vão caindo
acordando os homens
e adormecendo as crianças
envelhecendo as mulheres
e as plantas que vivem em busca da luz

o pensamento não pára
e continua voando
seus olhos agora pesados
pestaneja, chega a dormir
e num sonho
parece que acorda ao som de acordes de piano

na madrugada uma sinfonia de luzes coloridas
e pequenos fragmentos do vento
de outros tempos, muito tempo atrás
vêm distorcendo a cidade, as ruas, os homens
os sonhos das crianças

andando no asfalto vazio
o pensamento vê uma asa cortada
metade de uma asa
metade de um sonho
sente um desconforto na coluna
e repara, é sua outra metade da asa

não é sangue que se esvai
é um rolo de filme mudo
envolto não pelo vento
mas por alguns acordes no piano
de algum sonho perdido
do século passado
o filme se desenrola em guerras em danças e músicas mudas
rolando ladeira abaixo na cidade
rolando ladeira abaixo no equador
dando a volta na Terra e se encontrando novamente com o pensamento
que se vê enrolado

mumificado em ser humano
condenado a ser livre

fica todo coberto
completamente submerso em ficção
até os olhos cobertos começarem a sonhar
as imagens
pequenos fragmentos de tempo
cortados como frases
que alguém balbuciou
em algum sonho
que alguém deixou por sonhar
na beira do mundo
na beira do dia
que já acorda a cidade
pronta para sonhar
com novas madrugadas
novos ventos
de tempos atrás

dorme o pensamento
mumificado em cotidiano
condenado a ser livre
pronto para sonhar
com novas madrugadas
novos ventos
tempos atrás




segunda-feira, 13 de agosto de 2012

boa noite, carol

de noite sinto falta dela
andando pelo apartamento
como quem desfila em passarela
ou tudo abrindo abismo em momento
o mundo em mise-en-abyme em tela

desenha sem lápis uma lua no céu
inventa na cintura violão chocolate ao leite
às vezes pára e me olha de mel
às vezes vai e pede que eu deite
- pode tocar que meu toque é teu.

joga os quadris num riso redondo
girando uma dança no ar flutua
yoga os mistérios da mente rondo
e fica um suave sentido perdido na rua

a coisa mais linda que eu já vi
que eu já li ou fui lido ou fui feito
parece que sou só um bem-te-vi
voando ao redor de um lírio perfeito



segunda-feira, 6 de agosto de 2012

lá no sítio

de noite
lá no sítio
a gente fez uma fogueira
com uns pedaço de pau
pinhas, e madeira seca
tinha bambu também

tava tudo indo bem
até que a suzana
que tava cavucando
no fogo
com um caniço de bambu
disse:
- to aqui com essa varinha de pescar fogo.

ai danou-se
fiquei vidrado naquela varinha

não sei se tava pescando o fogo
ou se era eu mesmo

tem vezes boas que a gente sai da gente
e nem percebe

bom mesmo é escrever de depois