eu achava que a poesia estava verdade ou na mentira
em qualquer lugar
faltava ainda descobrir
que todos os lugares ainda
não bastam
eu achava que a poesia estava na verdade
dizer as coisas dos jeitos que elas são
dentro da cabeça
mas principalmente
fora do corpo sendo o corpo
tomar de uma vez o mundo
como quem engole chamas
eu achava que a poesia estava na mentira
se colocar em um estado de transe
achando a frase inicial
o personagem inicial
um louco, idiota ou deus
"a poesia é uma linguagem desviante, é preciso primeiro achar quem vai escrever"
uma vez um poeta me disse isso
e eu ouvi.
o porquê de não estar escrevendo com a mesma intensidade de antes
eu não sei exatamente
eu achava que era importante explorar o fluxo
ligar uma musica que continuasse que empurrasse a mente e a vontade de escrever pra frente
alongar os parágrafos alongar as frases deixar as associações se estabelecerem num jogo constante que vai e vai
ouvir miles davis ou outra coisa qualquer que seja boa para despertar a consciência
eu achava que precisava editar mais o que escrevia
não exatamente para embelezar
mas achar a forma certa
a frase certa
ser cuidadoso
mais caprichoso com as palavras
eu achava que ser poeta tinha a ver com a maneira de vi-ver o mundo
de ser o mundo
e de não ser o mundo
e então não haveria tanta necessidade de se preocupar com a polidez da linguagem
e volta e meia a linguagem te pega
te joga na cadeira e te faz ser
manter o ritmo é importante manter o ritmo
construir uma casa sólida com as linhas que vem e vão
e é isso que vou fazer não me importanto com o resultado final
uma trilha de rastros
deixados por um cão surdo
ninguém sabe onde vai dar
ao menos na música é coletivo
você está junto de outros
no teatro também
agora talvez o problema ou solução da escrita seja a solidão
eu achava que era preciso inventar e ser outros ao mesmo tempo em grande diálogo ou confusão ou briga ou festa
e escrever era deixar que elas se amassem no papel
por uma noite
por uma noite
as palavras geram inícios de poemas