terça-feira, 23 de junho de 2009

Passeio

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foi nas paredes da creche
que eu escrevi um poema
em canetinha colorida
acho que era da cor azul
não tinha internet
e a Altaíza catava piolho da gente
 
escrevi um poema
falando das coisas que eu não sabia
o poema era em desenho
eu não me lembro bem
mas eu acho que era bonito
 
desde daquele dia
eu exagerei nas palavras que eu via
nas paredes das creches e da minha casa
e da minha cidade
do meu planeta
 
nunca mais usei a cor azul
para exagerar o mundo
 
começei a contar piadas
depois de ver filmes de comédia americana dublados
eu aprendi a fazer caretas vendo filmes
e fazia careta pras meninas rirem na hora do recreio
na hora do almoço também
 
ai eu me apaixonei por um silêncio
que morava no pátio da escola
que tinha um árvore chamada goiabeira
 
lá tinha aula de teatro
em que eu fazia o papel de um relâmpago
e corria de um lado pro outro
rápido pra caramba
 
eu também comecei a escalar as paredes de pedra
talvez com a intenção de encostar no azul do céu
e/ou rabiscar o céu com outra canetinha
e ver se dava pra apagar passando a Lua
 
quer ver: tinha o André, o Guilherme Estragado, o Diego, o Albieri, o Komatsu,
o Heitor, o Pedro Pereira, tinha a Manuela, Heloísa, Yabrudi, Nycia, Amanda,
pra falar da galera que jogava paredão
 
o Freihof ficava me sacaneando na pista de dança da Vogue
quando tocava macarena
acho que ele não gostava porque não sabia dançar direito
é meio complicado guardar os movimentos da macarena
 
tinha cada um jeito
tinha um que gostava de dinossauros, queria ser paleontólogo
tinha outro que queria ser jogador de futebol
(tinha uma porrada que queria ser jogador de futebol)
eu queria ser famoso
talvez um astro de rock
acho que isso se deve muito por causa do jimi hendrix, do black sabbath e do led zepellin
 
rolava show de rock dentro da kombi do marcos
a gente colocava música alto pra cacete e ficava pulando de cadeira em cadeira
se jogando
e tinha vezes que a gente passava pelo leblon e eu jogava papel do caderno de aula
fazendo uma bola de papel e tacava na cabeça de algum careca
 
as pessoas foram saindo do colégio, indo para outros
eu acho que ainda estou lá
um pouco nas paredes e no chão
e nos corredores
e nas pessoas que foram saindo
 
eu me multipliquei antes de saber multiplicar
já tinha lido fernando pessoa com 12 anos
apesar de não entender nada
só sentir que aquilo era uma coisa muito importante
tinha algo naquele pocket book
que eu sabia que iria gosta, sentir, entender mais no futuro
quando eu fosse grande
 
imagina isso:
ler fernando pessoa aos 12 anos
só podia ter dado merda

2 comentários:

  1. foi uma das coisas mais sentidas que li nas últimas semanas. se é tudo verdade, tudo mentira, tudo inventado, sei lá. só sei que gostei e gostei à beça!

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  2. Um dos melhores poemas que já escreves-te.
    Completíssimo!
    Sinistro pacas!

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