segunda-feira, 10 de outubro de 2011

dizer o óbvio
ser um ser humano
sentir, doer, gostar
rir
as paisagens não mudarão enquanto não mudar o olhar sobre elas
isso já foi dito

envergo o olhar
num contorcionismo verbal
lá longe dá pra ver
minha alma dançando
num abismo de oceanos
a porta bate
quem somos?

deixo pegadas na porta principal do seu silêncio retorcido diante das figuras magnificas que inundaram a serpente dos abismos dentro de mim eu grito o seu nome pelas janelas da memoria onde cada um recebe o seu chamado e a sua condução de sonhos

é de pedra a nossa forma animal
retorcida
desabando nas paredes da memória

o corpo como uma cítara se afina

estica

a alma

seria feito de plástico
jogado à deriva
nos sete oceanos
eu falava a verdade
quando nada havia de ser tido

justo agora que sonhei que estava acordado
insisto no insight do precipício

se tudo voltasse ao início

seria o fim

sábado, 1 de outubro de 2011

corvos e girassóis


espetáculo de dança - Márcio Cunha Dança Contemporânea

ao terminar o espetáculo
uma senhora, com uma expressão confusa no rosto
me perguntou:
- o que você entendeu?

um pouco embaraçado com a situação
respondi, em tom leve:
- então, senhora, acho que é mais para
sentir.

e a senhora:
- ah, é né, é dança contemporânea...

eu poderia ter dito pra ela uma frase que o manoel de barros
sempre fala:
"poesia não é para compreender, é para incorporar."

até porque,
se a razão fosse capaz de nos fazer experimentar
o mesmo que os mistérios do sentimento, das sensações e da imaginação,

pra que a arte?

livremente inspirado na vida e obra de van gogh
esse espetáculo íntimo do dançarino e coreógrafo márcio cunha
acompanhado pela presença da também dançarina renata reinheimer
percorre pinceladas fortes
a força e beleza do gesto
o desespero a loucura a solidão
o sublime ato de criar
e destruir-se enquanto

talvez enxergamos melhor
quando não temos visão
e uma obra de arte
faz sumir o artista
no seu transe
para que o espectador
veja, sinta, ouça, toque, cure-se (como em tommy - the who)

se kurosawa faz a gente entrar em van gogh

(clique aqui para ver um trecho do filme "Sonhos")

corvos e girassóis pode fazer a gente entrar
em nosso van gogh

o movimento dos dançarinos parece querer se fixar no tempo
enquanto o espaço some

o enquanto dos dançarinos parece querer se fixar no espaço
movimento e tempo somem

o tempo dos dançarinos parece querer se movimentar no enquanto
os dançarinos somem

e é na repetição que o transe irrompe

"repetir, repetir, até ficar diferente. repetir é um dom do estilo."
manoel de barros

a começar pelo começo:
enquanto mexem, remexem, giram, tiram do lugar, colocam de volta, procuram O lugar para organizar algumas cadeiras no espaço - peter brook diria que eles estavam criando o espaço vazio, tão vital para criar-se um espetáculo propício para a imaginação e interação com o público
-
os dançarinos convidam alguns espectadores para assistirem a apresentação
dentro do palco, em algumas cadeiras de palha, cadeiras de van gogh.

já esse movimento nos diz sobre a concepção da obra
vamos entrar
e, cada cadeira e cada espectador, com sua posição na cena, e seu ângulo e ponto de vista diferente, joga a nossa imaginação para visualizar e sentir de outros pontos também

como será que ele ali está vendo? e aquela moça ali? e esse rapaz sentado na minha frente?

o que cada um vê?

fernando pessoa deveria chamar-se fernando pessoas, como disse o ferreira gullar,
já que o homem precisava ser sempre outros (todos precisamos)

"não ser, é outro ser." manoel de barros

então somos convidados a sermos outros, para assim nos vermos melhor

e nesse jogo de pontos-de-vista, nosso olhar vai sendo direcionado, pela força gigantesca de minúsculos gestos, ou até mesmo de sensações (gestos internos) ao mesmo tempo que é jogada para ver a explosão do corpo, em gestos largos

- será que a gente consegue atingir o sublime pelas coisas mais banais? (os orientais diriam que sim, e todo artista universal também)

e o repertório de movimento não chega a ser extenso, virtuoso.
com poucos elementos, assim como poucas cores em van gogh, mas cores primárias, complementares (homem e mulher, autor e obra, claro e escuro, corvos e girassóis),
rima de corpos, criação de figuras imaginárias no espaço, linhas e curvas, ritmo,
e principalmente,
gra
vi
da
de

atingimos o EU
caímos em si
ao sermos outros
em corvos e girassóis

se uma obra não mostrar o homem para o homem
não sei pra que serve

ou pra que não serve.

a poesia é um inutensílio poderoso, de tão suave.

viva marcio cunha, renata reinheimer, e toda a equipe desse belo espetáculo.