sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Soneto da Distância

Para Cí



perto de ti meu coração dispara
longe de cí meu coração dispara
onde está ti? meu coração dispara
certo de si meu coração diz: pára!

tenho saudade do teu riso no ar
vejo saudade sem o teu riso no ar
Tejo não é o riso que passa no ar
senha esfíngica, o teu riso no ar

na distância, o amor por ti se amplifica
como um grito de amor na beira da noite
nem o eco, nem o silêncio, só a dor fica

na distância, um novo amor se ativa
escultura clássica com design moderno
só resta ao tato imaginar tua presença viva

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Partindo

partindo da palavra em si
o que podemos fazer?

partindo a palavra em si
pa-la-vra podemos subverter?

parindo a poesia, numa lavra
podemos fazer?

lavrando a terra criativa da
palavra,
para levar alegria ao leitor
paralavar a alma da palavra
podemos falar?

Já não é tempo de partidos:
cadê a ditadura?
o inimigo comum?

Podemos é ter olhos de ver
e ouvidos
para as palavras que partem
dos sins e dos nãos.

partidos e palavras em busca da paz,
partimos a palavra em fuscas estrofes:
pequenas e compactas: linguagem da internet

partindo da palavra, até o limitedapalavra.blogspot.com
podemos sonhar?

parindo a palavra, depois de partí-la
o que resta para amar?

eu sei que parte da palavra se vai no infinito
e a outra se divide em partículas na cabeça do leitor/internauta

naoutra parte da palavra, partida
de esporte moderno: poesia virtual

mesmo partindo palavras que não EXITem
virtualmente/precariamente vivas

ainda existe poesia?
peguei meu cavalo
e saí por aí
vivendo distante
com você dentro de mim

no pensamento, só vento
vendo o dia passar
no horizonte um evento
o céu cor de violeta misturada com canela
cor de maça sonhando ser livre
corpo de moça
nu

corre, cavalo
não tenho pressa
mas quero correr

porque a vida dispersa anda depressa
e os meus olhos ainda não viram o mundo
inteiro

eu procuro
encontrar
apreciando a busca
como quem aprecia o vinho, a música, a arte
e parte de mim sabe
que nada vai me fazer voltar
nada vai deixar de ser
o que era antes de você

corre, cavalo
corre, calado

corre ao encontro do esquecer



(cadernos adolescentes)

Fotografia de uma galera

em frente a entrada
de um lugar extinto
um sentimento tímido escondido por rostos
expostos ao flash da câmera de um desconhecido
que como numa contemplação à natureza (nós também a somos)
pinta com tintas de luz e cor um momento
me fazendo reverter ao tempo e lugar
e me tornando simples pó, retrato de uma criança em crescimento

gente tão feliz, porque você as quer assim
sorrisos tão verdadeiros, porque não podem estar mentindo para você
e no ar, no ar não, no éter que permeia o contorno das formas
na fotografia, um senso de percepção da eternidade desse instante
apesar de ser completamente finito
um olhar mais perspicaz que o de um adulto saudável
pleno de seus compromissos e intelectualidade (que acredita possuir)
encarando o observador, ingenuamente, num paradoxo inexplicável

e são apenas crianças! e eu também no meio desse rebuliço
escondido numa máscara que escondia outra
um eu tímido e o rosto escondendo sentimentos que se explodiam
a cada hora e segundo, criando um mundo exterior mais plausível
àquele terrível mundo sem poesias

rostos pintados, geralmente sem nada, tinta nenhuma,
graça nenhuma, mas intrigantes
quem são essas crianças que ousaram desafiar elas mesmas com esse olhar?

ainda ficou uma lembrança obscura, perdida em meio a tantas correrias
medos bobos e corredores com segredos
gente tão simpática que parece até que as conheço

quem serão vocês agora?
donos de fábrica, vendedores ambulantes, viciados, roqueiros?
traficantes, restaurantes, ajudantes, ambulância, roceiros?

o olhar não engana
continuam os mesmos...
bebendo a vida e seus anseios
apenas crianças...



(cadernos adolescentes)

Particular

é essa aula
um expresso popular que me leva
em comboio
sem pé no chão nem cara lavada
ninguém sabe que eu sei
que não sei

particular é esse meu mundo
logo meu, sem lógica nenhuma
imposição
e a respiração aumenta
quando combate a escuridão
viagem de cometa
sem rota indicando a colisão
com meus olhos

e meu é esse espaço
meu é tudo que vejo e faço
meu é esse desejo de ver e fazer tudo

me pertence o meu corpo (quando não há você)
a cidade também é minha
pois se não fosse
eu não saberia existir
sem existir de fato

só não é meu esse retrato
é coisa de prender um momento
eu que preso, prezo os sentimentos
não acredito em figura sem
movimento

de todas as pessoas
eu também sou dono
sou dono do mundo
e conheço cada uma delas
conheço simplesmente desconhecendo

eu é que dou força
pro mundo rodar
dentro de mim tem uma força
embora eu aparente não saber
usar

e vai girando, vai rodando
meu brinquedo particular (só meu)
mundo que não sabe nada
nem se controla
eu te domino com as mãos e bocas
você me obedece
porque se não obedecesse
eu não te dominaria

minha artilharia não é pesada
o que pesa é a consciência
ciências ficção, avançada tecnologia
pra que perder tempo com essa
desenvolução desenfreada

eu invisto o vento
nos teus poros
e descubro que o que sinto
é mais verdadeiro como o mundo sem
mim

estranho! não é de pedra,
nem metal, nem água,
como tentam te explicar por
dogmas lógicos?

e minha ditadura
não exige respeito ou admiração
eu dou liberdade numa engenharia livre
e natural como se o mundo
não me fosse

e tudo que pertenço não me
merece, não sou necessário
necessária é a vida e eu
fechando círculos, amarrando laços

são infinitas combinações do código
que me abre
nunca guardei segredos, pois se guardasse
não teria como tirar

tudo que esta em minha volta
é um pouco de mim
em revolta




(cadernos adolescentes)

Presentear

Hoje li o primeiro Vinícius
como quem buscava ler o próprio primeiro
tentando absorver a poesia
tentando trilhar a distância
eu me via cada vez mais casto
e culpado: coisa estranha

não me é belo falar do belo
pois ele já é
prefiro fingir que é belo o trivial
isso é trivial
jogo de palavras, nunca canso
mais pela piada depois da reflexão
a forma é mesmo livre
é o mesmo livro
livre em toda a sua falsa inocência de adulto

falar de amor, de ser feliz
de coisa escolar, poesia de giz
vale mais se jogar no vale
onde o passado dos poetas se faz presente
embrulhado nos laços das palavras

acho legal isso: presentear

Efeitos

Preparo-me para uma viagem
para um lugar que tem natureza

Antes eram os carros que me incomodavam
aqui
agora é o silêncio que se firmou da
banalizada balbúrdia babuína
da hora do rush

Às vezes a gente precisa tampar a
boca do mundo
fazendo um roqueiro efeito de
wah-wah com os sons

criar um rock com isso tudo,
que combina
que rima

Preparo-me para uma viagem
para uma natureza que tem lugar
ar, uar, wah...

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

É mesmo

Demora um tempo
para o poeta
desamadurecer o invento

Ácidor

e derepente veio a vontade de voltar
de não voltar jamais ao que se era
de revolucionar uma era de pescar a sereia
de matar a hera
e de repente a vontade do repente do recital
que não é mero recite mas insiste insight resiste
um site um blog que vive dentro da juventude

e de repentes a gente constrói um clube uma turma
o mais importante disso tudo
um público
acima da poesia
mais do que o ópio do dia-a-dia
uma coisa livre por ser junta
agente secretos a gente funda
a nova religião pagante grátis

a gente que não tem tribo
que é de tudo e de nada
feito um fenômeno químico, natureza, jogada
futebol que não entendo
a gente deveria fazer uma banda
um bloco de carnaval
uma fantasia nova

vamos fazer: está marcado no jornal

vamos recriar os sentidos
misturando o amor e a estupidez
numa festa

antes da poesia vem a gente

Não tal - Na - táli não

Era hoje era ontem
o desejo de ser livre
cada um com seu cabelo
reluzindo na vitrine com um presépio

Era sempre quase nunca
aquele frio na nuca
de presente passado de pai para tia
era quase uma família
naquele não tal qual não-tá-li-não

Um embrulho de fumaça
o cigarro não é mais de palha
na ferrugem dos cidadãos

Uma fita cor veludo
e não via quase tudo
pois ainda criança era um santo
não via quando os presentes chegavam na beira da árvore
para alegrar as crianças capitalistas

era um tal de lista e um tal de lista
lista de coisas que não serviam nem pras visitas
aquela gentaiada que nem sabia os nomes
eram brinquedos da moda, videogames, rollingstones
eram pais ausentes, dentes caíndo, felicidade dormente
a cada pedaço dos bombons, um terraço de saudade dos pais

quando abria o suspiro
com um pouco de dor no ouvido
de tanto as criança gritar
lembrança feita de mel
ou doce de leite
era um natal

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Teus olhos

seus olhos, teus olhos, teus olhos
tesouros

teus ouros, teus tolos olhos todos, tesouros
teus deuses, teus dons, teus outros olhos

tesouros

teus ontens, teus hoje, tens outros olhos loucos,
teus mouros nomes, teus olhos

tesouros

teus passos, disfarces, teus olhos, seus olhos
seus jogos sensuais, teus fogos, teus olhos

tesouros

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Quero saber

Quero saber
quando você vai chorar
para poder
minha terra regar

Quero saber
quando você vai sorrir
para entender
o que é ser feliz

Quero saber
se você me ama
para viver
seu amor à paisana

Quero saber
quantos filhos quer ter
para perder
o meu medo de se perder

Quero saber
o teu nome o teu nome
o teu sobrenome sobre a tua
caligrafia nua
geografia pura

Quero saber

Shake Espere

Quando o Rei Ler o seu testamento
e nada nele dizendo como será a sucessão real
Quando a Realidade do Rei cair por terra
Quando o Rei Ler a sua espera
o próximo rei virá com a espada e a guerra
numa luta entre gerações, de poetas e foliões,
quero ver o Rei Ler o seu testamento escrito com o seu próprio sangue
com o seu próprio nome estará escrito um livro
contando estórias de uma terra distante
cada palavra, um súdito
cada vírgula, uma planície
o trono ainda está lá, nos livros

Quando ler de mais Beth vingará a morte de seu marido
Ou tê-lo vingado pela morte de seu amor
Júlio e tá a espera de uma Cleo para trás
Rome, casa, homeu, homem em busca do amor
Rico ardo terço ei rogar a praga das pragas

Não há lugar para clássicos na biblioteca que o Rei Leu

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Vivemos

Vivemos num tempo de partidos
tempo de homens partidos
disse o Drummond

vivemos num tempo de dormidos
de domingos dormingos dor Midas
tempo de homens domingos

nem recados no orkut vão curar essa distância
nem retratos nem yogurtes vãos remédios para o estômago
vivemos num tempo de homens partidos, de flores humanas
de flora intestinal intoxicada, de tempo tóxico, de flores contidas
de sorrisos abertos apesar da penicilina, tempo de medicina, mel de cera,
mel de sina, mal de sina, destino, livre-arbítrio

vivemos num tempo de suicídas, apesar das flores floridas,
mas sempre há-de-haver esperança
no cinema, na música, poesia, na dança
pelo menos em ser criança,
vivemos num tempo de poucas vertigens, poucas verrugas
um tempo de homens vertidos
homens invertidos, sonhos polidos e cartão de crédito

vivemos num tempo de crise, de falsos cristos e risos
tempo de homens e dívidas

mas acima de tudo existe a poesia
que liberta do tempo o próprio tempo
liberta o homem de seu tempo
para o seu próprio tempo

enfim, vivemos

A Abracadabra Grátis

Obama osama o cama ob ceno ob skena
Oba oba obandode ladrões dicas grátis de como aumentar seu
Tênis Fênix Gênes Cremes Gremlins Kremlin
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Dicas de como aumentar o número dos números racionais
Blog Flog Doc Ploc Vlog Videologarítmo
O jornal The New York Times falou ontem que dava dinheiro de grátis inteiramente free
Porn Hot Sex Shop brinde brinde BNDES concurso público

DICAS DE COMO PASSAR EM CONCURSO PÚBLICO:

1- Abra um blog
2- Escreva algo começando com a letra A, porque o Google e outros sites de busca na Internet Web Wi-fi começam pela letra A
3- Começe a escrever sem parar coisas sem sentido aparente, numa forma dadaísta
4- Escreva palavras chaves apelativas: grátis, free, sex, hot, concurso público
5- Parabéns!

Nas portas da casa

Sentado na beirada da porta de casa,
aquela casa do teu amigo em Minas,
tive pensando em me mudar daqui,
dessa bagunça urbana que não deixa a gente pensar.

Aqui quando fecho os olhos escuto
os carros, escarros e escravos,
lá eu só escutava meu coração.

O Muro (Capítulo 5)

230788 estava com 13 anos. Tinha acabado de chegar, refugiado do Rio de Janeiro. Instalou-se na ala Norte da Favela, a área mais turbulenta, mais densamente povoada. Trazia em seu chip interno apenas as coisas que achava mais preciosas na vida: as fotografias digitalizadas. Gostava de observar-se criança. Gostava das fotos de sua cidade, mesmo que antes da Grande Inundação ela fosse uma das mais anti-higiênicas do censo 2048. Não importava para ele. Era bom do jeito que era. Pelo menos era. O refugiado 130579 ouviu aquelas confissões e deixou cair uma lágrima, lembrando o tempo em que gostava de pegar Sol no parque, em sua terra natal, Pernambuco, hoje totalmente submersa. Os dois se abraçaram mesmo algemados, e juraram naquele instante que sairiam das celas para entrar para a História.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Um soneto feito monstro

Perdido nos papéis velhos e sujos de poeira no vão entre gavetas da mesa velha,
contendo algumas gerações de aranhas, pilhas já com líquidos tóxicos estourados e clipses,
encontrei um soneto que te fiz a uma caralhada de tempo, um soneto da adolescência,
parecia coisa de criança descobrindo o alfabeto, parecia um cientista maluco com o monstro que deu certo

era um soneto meio carregado, meio romântico, contendo algumas frases fortes
fortes demais para alguém de 13 anos que nunca tinha tido um relacionamento amoroso,
e no papel ainda restava um pedaço de feijão, um mísero pedaço de feijão, de repente um resto
da comida da escola, aquela comida gostosa por ser ruim, aquele gosto de comida de escola,
enfim, o que me passou instantaneamente naquele instante foi uma atitude meio impensada:
num ímpeto abrupto e corrosivo, lambi o feijão com uma voracidade de poeta antropofagizando

sua própria cabeça de guerreiro dos tempos em que ainda não conhecia o mundo da luta.
e num segundo voltei para aqueles mesmos segundos em que escrevi aquele soneto maldito.
vi você, sentada na beira da janela da sala de aula, olhando para o horizonte perdida como uma
passarinha que não sabe avoar, e pensei comigo mesmo que aquilo que estava pensando parecia
uma música nordestina que eu tinha ouvido numa rádio barata dessas que tem em rodoviária do
interior

consegui estar no passado durante mais um segundo, mais um segundo que me deixou ver o momento que você sorriu, com o soneto nas mãos, pensando: vou sorrir para que ele fique confuso.
voltei para o presente, estava ainda aqui, de frente para o computador, escrevendo no blog, mas um post inteiro já estava na minha frente, como se eu o tivesse escrito por muito tempo, como se ele já tivesse sido escrito por mim mesmo, em tempos de sonetos feito monstros, desses que atacam mocinhas em prédios altos.

dessa vez não tem marca de feijão:
tem é uma marca de beijo na tela:
teu beijo perdido no tempo,
o beijo que deixou de dar
assustada como o
soneto feito monstro.

Na Natação do Flamengo

turma "Ão", vai "Eu"!

era assim
sempre assim
cai na piscina e é assim
essa água sobre mim

turma "Ão", o princípio, o verbo anterior ao não:
quando a gente ía, era pra ganhar, o importante era competir mas nos matávamos de pancada se não ganhássemos.

às vezes eles colocavam música debaixo dágua
quando tinha a equipe de nado sincronizado treinando
era legal, porque dá pra ouvir legal a música debaixo dágua
e dá mó gás pra nadar, como se estivesse num filme

a cada braçada uma respiração:
ainda não sabíamos ao certo se aquilo tudo nos levaria a algum lugar
não sabíamos o porquê de estar ali
apenas cumpriamos as normas do colégio

e foi num belo dia que eu fui nadar, coloquei a minha touca vermelha, e peguei meu pull-boy.
na época eu chamava de bodi-bodi.

quando a gente nada parece que está num outro espaço-tempo.

pois eu me vi cercado de tubarões africanos.
com dentes afiados ele corriam atrás de mim.
decidi parar e ver o que acontecia. não tinha medo da morte naquele instante.
foi quando o professor gritou o seu grito: turma "Ão".

eu era da turma "Eis". quando olhei para trás, a turma "Ão". Eram eles os tubarões.

E tudo começou a fazer sentido no meu sonho debaixo dágua.

Correndo contra o tempo,
fazendo o meu lamento,
cada bolinha de respiração errada era na verdade uma paisagem,
uma pura paisagem feita de ar.

Correndo contra a raia,
do outro lado de uma piscina que simulava uma praia,
era na verdade uma corrida contra a corrida:
parei no meio da piscina.

Decidi voltar para a borda. Decidi vestir o roupão e ir embora com o ônibus do colégio.
Dessa vez eu sabia o exato porquê, eu tinha decidido.

E na saída encontrei o Oscar Schmit, aquele jogador de basquete, pedi um autógrafo, mas não tinha onde escrever, tirei o meu tênis e ele assinou ali mesmo, guardei aquele tênis para jogar basquete, acho que depois de um tempo ele ficou gasto, eu cresci, ele não coube mais em mim, minha mãe deve ter dado.

Ao entrar no ônibus da escola, decidi sentar lá atrás, na última cadeira.
Começou a chover. A chuva molhava o vidro, criando uma ilusão de psicodelia no cotidiano comum das ruas do Rio de Janeiro. Isso era bonito de ser ver, poético de se pensar, mas eu não escrevia poesia naquele tempo.
Eu nadava-a.

O Muro (Capítulo 1)

2108. Brasília. Depois da Grande Inundação de 2049, onde as principais cidades litorâneas mundiais foram alagadas pelo elevamento do nível marítmo, a capital nacional torna-se um campo de refugiados vindos de todo o litoral brasileiro, como também das Guianas e Suriname. A população é elevada ao cubo. Para melhor funcionamento das atividades burocráticas, os cidadãos foram separados em apenas duas classificações: oficiais e refugiados. Os oficiais trabalham e residem no que originalmente era a cidade de Brasília, fundada em 1960. Os refugiados, em muitas rebeliões e na maior delas, o "Dezembro de Sangue", foram definitavemente banidos dos limites da cidade original. Na tentativa de assegurar a integridade dos edifícios e dos próprios oficiais, ergue-se o Muro, em 2058, separando a cidade modelo da grande favela de refugiados. Com 30 metros de altura, altamente reforçado por guardas e dispositivos de defesa, o Muro tornou-se o símbolo da cidade, como também do Brasil, pela grandiosidade de sua estrutura, e pela média impressionante de abatidos: 117 por dia. Hoje, aniversário de 50 anos da criação do Muro, na ala norte da Favela (a mais próxima do Muro), o refugiado n: 230788, esconde algo na vestimenta e dirige-se para o Muro. A Revolução já começou.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Tudo numa pista de dança

ele gostava de contar histórias enquanto dançava numa pista de dança
ele gostava de subir em árvores e falar das coisas que fazia na infância
o que ele não gostava era de pão e vinho

quando ele dançava o chão brilhava diversas cores
as meninas caíam de amores
o céu ficava azul

os passos eram feitos de fogo
a dança era feito nuvem
no céu da minha cidade

uma vez ele contou que estava em Minas Gerais
quando avistou um disco voador
ele disse que foi abduzido para dentro da nave

lá dentro tinha um ser, dois seres, verdes
verdes da cor da camisa dele
e quando ele acordou estava em Marte

Depois ele acordou de novo, não passava de um sonho
e aí todos nós acordamos, não passava de um passo

e aí todos nós desligamos o computador e fomos ler um livro,
afinal, era só um blog.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Impressionante

por que é que dá tanta vontade de fazer xixi quando se brinca de pique-esconde?

é impressionante isso.
parece que o mundo gira mais devagar, o tempo passa mais rápido.
cada segundo demora pra caramba.

como naquela vez que conversávamos num luau, ou não,
como naquela vez que conversávamos num fim de festa,
como naquela vez que vocês ficaram com medo de matar a aranha grandona que tava na parede do quarto,

passou como num outro tempo, num outro espaço.

aquelas músicas eletrônicas já não tocam mais na minha cabeça quando lembro daquela época.
aquelas brincadeiras sacanas, "mês", "um sorvete bem grande", "escalar", "muredão", inventar brincadeiras.

o ônibus da escola parece uma profecia: estava tudo lá, escrito em subtexto.
malabares com a felicidade e a tristeza:
você brincava com meu coração como se fosse jogar bolinhas no sinal.

a gente tinha o sonho de revolucionar o mundo, depois de entender a revolução que nossos pais e avós não conseguiram fazer.
nós tínhamos a inocência de não ter inocência.
nós tínhamos a faca (sem ponta) e o queijo (parmesão, do xis do Zé da cantina) nas mãos, e fizemos o que?

viramos jovens caretas: buscamos entrar no mundo, e não construí-lo, ou reconstruí-lo.

o guaraná e a playboy ficaram para trás,
percebemos que a poesia não estava nos espaços: era o nosso olhar.

mas uma coisa que sempre me intrigou, e sempre vai me intrigar:
por que é que dá tanta vontade de fazer xixi quando se brinca de pique-esconde?

domingo, 7 de dezembro de 2008

Você quer dançar?

Andando em volta daquela casa de verão,
era apenas uma foto dos anos 60, mas estávamos dentro dela.
com certeza as certezas de nada valiam naquela noite,
uma sweet noite de setembro, se não me engano era o que eu lembro,
andando em volta daquela casa de verão,
uns amigos meus com o violão,
fogueira perto da praia
meninas de saia
solidão

Cantando em volta daquela fogueira de verão
era apenas uma foto dos anos 80, mas estávamos dentro dela.
com certeza as certezas de tudo valiam naquela noite,
uma overnight de agosto, se não é meu contragosto
andando em volta daquela fogueira de verão,
uns parentes meus ou não,
fogueira perto da estrada
primas de saia
solidão

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Clones

e se a minha poesia fosse clonada
enquanto alegremente estivesse sendo lida em voz alta
num corredor da escola primária
o garoto apaixonado e menina desinteressada
será que o amor resultante daquelas palavras
ao saírem da boca cruzando o ar
e tocarem sutilmente o que a menina esconde
será que o amor se duplica?

e se a emoção dividida ou multiplicada
escolhesse pelo livre arbítrio
dividir aquela poesia em duas
duas folhas de papel partido
dois corações partidos
universo paralelo

e se para cada palavra existisse o seu clone
a mesma palavra e o mesmo sentido
mas que no fundo e na superfície
não podem ser o mesmo ser vivo

por estar vivo

cada palavra está acrescida de algo divino e humano
um sentido realmente sem sentido
um traço, um afeto, uma pista, um desengano
num desenredo mítico, o ego se busca em cada verso

por estar vivo

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Otempo Ral

O tempo escorre pelos relógios
como o quadro do Dali.

Dali eu vejo, a relatividade da coisa.

Eles tem a vontade de passar o tempo
Einstein: a vontade de assar o tempo

Numa fogueira ritualística.

As cinzas que se evaporam são o próprio espaço
distorcido pela liberdade de escolha
cada qual o seu passo

Passando o tempo como quem esquenta um marshmellow.