segunda-feira, 25 de outubro de 2010

espanto

vejo que faz tempo que não escrevo alguma poesia.
não é uma questão de escolha, apesar de ser.
se o Gullar fala que poesia tem a ver com o espanto,
confesso que tenho me espantado, mas não tenho sentido
a necessidade de escrever o espanto.

às vezes podemos até viver o espanto sem precisar escrevê-lo para amplificá-lo.

em certos momentos da vida, a poesia ajuda a desorganizar o desorganizado da vida,
ou simplesmente registrar em fotografias sem filme aquilo que não foi vivido.
à partir da escrita se vive.

da vida também. (era esse o caso para eu não ter escrito nada nesse tempo todo - que nem é tanto tempo assim, mas pra mim é)

penso novamente na utilidade da poesia. não tem nenhuma. aparente.
criar alguma utilidade para a poesia é trabalho de poetas, ou seja, leitores de poesia, que não precisam escrever nada, mas viver alguma poesia e gerar sentimento, afeto, movimento interno estando parado, esses issos.

estou feliz agora, vou embarcar numa viagem para o Chile.
conhecer a casa de Pablo Neruda, um poeta que não conheço.
espero anotar mentalmente frases, e tirar fotos sem filme também.
poesia é sempre uma viagem para um lugar que nunca antes sempre iremos.
lugares bem distantes dentro da gente.
anotar os costumes desse lugar, em relatos objetivos de paisagens que não viu, é tarefa do poeta.

é engraçado como o simples ato de escrever gera mais escrita.
como aqueles palhaços de festa infantil que vão tirando um imenso fio de papel da boca.

(é que nossas estranhas entranhas não tem fim propriamente dito, dizer o fim é infinito)




quarta-feira, 13 de outubro de 2010

como?

hoje estava andando na rua quando fui abordado por uma senhora. ela parecia ter uns 80 anos. usava um cachecol verde e tinha uma verruga no meio da testa. com uma voz rouca me contou:
eu sei o seu futuro.
como?
você é o menino que eu vi quando estava andando na rua há muito tempo atrás. você usava uma calça jeans e mascava chiclete. eu lembro quando você, com uma voz baixa me contou:
eu sei o seu passado.
como?
você é a senhora que me abordou há poucos segundos atrás. parecia ter uns 80 anos. usava um cachecol verde e tinha uma verruga no meio da testa. com uma voz rouca me contou:
eu sei o seu presente.
como?
você é o menino que eu vejo quando estou aqui andando na rua agora. você usa uma calça jeans e masca chiclete. eu vejo você, com uma voz baixa me contando:
eu sabia o seu presente.

como?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

filme "poesia"

acabei de ver o filme chamado "Poesia"
que passou no festival do rio.

faltou poesia no filme.

no filme, o professor de poesia
ensina poesia.

faltou desexplicar.

no filme, o professor de poesia
diz que é preciso inspiração,
que ela vem do coração,
que tem que esperar bastante
e rezar e implorar para ela
vir.

faltou desinspirar.

poesia não tem inspiração nenhuma.
faltou colocar a turma para olhar o mundo como uma criança
(ele até tentou desexplicar uma maça, mas não tentou sê-la)

faltou ser os objetos, ao invés de vê-los bem.

faltou terminar o filme trazendo vontade de viver.

eu não quero poesia que dê vontade de morrer.

eu quero poesia que dê vontade de viver.

eu quero filme que dê vontade de viver.

eu não gosto de filme que termina com suicídio.

eu gosto de filme que termina com nascimento.

o filme é muito bom.

mas falta muita coisa.

falta muito para se poesiar.

essa falta é que nos move.

poetas,

humanos,

carnes silenciosas de tanto gritar a invenção da vida

terça-feira, 5 de outubro de 2010

aberta

a luz apaga
o silêncio se contamina
de respiração
crescente
rua vazia
lua
minguante
enquanto o tempo
escorre pelos joelhos
bambos
numa dança
do desejo

transe

a luz continua apagada
mas acesa a atenção
alerta
os pêlos
o frio abraça o morno
e debaixo das pernas
aqueço
o hálito fresco
a língua do tato
recita estímulos
no pulso
primordial

esquecemos o tempo
esquecemos as roupas
as máscaras arcaicas
retornam
e ornam a cama de retratos
de deuses e animais
miados
uivos
gritos de dor
um suspiro no umbigo
rígido
flexível percorrer dos abismos
labirintos de corpo
entrelace no espaço
entre
no espaço

entre

o silêncio contamina o gozo
de rouquidão atrasada
em batimentos de um samba
louco
percepção alterada
a fala se resume em toque
se desreprime em verbo

até se tornar carne

simplesmente
palavra

simplesmente
a..b..........e........r.......t.................a