sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Soneto da Distância

Para Cí



perto de ti meu coração dispara
longe de cí meu coração dispara
onde está ti? meu coração dispara
certo de si meu coração diz: pára!

tenho saudade do teu riso no ar
vejo saudade sem o teu riso no ar
Tejo não é o riso que passa no ar
senha esfíngica, o teu riso no ar

na distância, o amor por ti se amplifica
como um grito de amor na beira da noite
nem o eco, nem o silêncio, só a dor fica

na distância, um novo amor se ativa
escultura clássica com design moderno
só resta ao tato imaginar tua presença viva

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Partindo

partindo da palavra em si
o que podemos fazer?

partindo a palavra em si
pa-la-vra podemos subverter?

parindo a poesia, numa lavra
podemos fazer?

lavrando a terra criativa da
palavra,
para levar alegria ao leitor
paralavar a alma da palavra
podemos falar?

Já não é tempo de partidos:
cadê a ditadura?
o inimigo comum?

Podemos é ter olhos de ver
e ouvidos
para as palavras que partem
dos sins e dos nãos.

partidos e palavras em busca da paz,
partimos a palavra em fuscas estrofes:
pequenas e compactas: linguagem da internet

partindo da palavra, até o limitedapalavra.blogspot.com
podemos sonhar?

parindo a palavra, depois de partí-la
o que resta para amar?

eu sei que parte da palavra se vai no infinito
e a outra se divide em partículas na cabeça do leitor/internauta

naoutra parte da palavra, partida
de esporte moderno: poesia virtual

mesmo partindo palavras que não EXITem
virtualmente/precariamente vivas

ainda existe poesia?
peguei meu cavalo
e saí por aí
vivendo distante
com você dentro de mim

no pensamento, só vento
vendo o dia passar
no horizonte um evento
o céu cor de violeta misturada com canela
cor de maça sonhando ser livre
corpo de moça
nu

corre, cavalo
não tenho pressa
mas quero correr

porque a vida dispersa anda depressa
e os meus olhos ainda não viram o mundo
inteiro

eu procuro
encontrar
apreciando a busca
como quem aprecia o vinho, a música, a arte
e parte de mim sabe
que nada vai me fazer voltar
nada vai deixar de ser
o que era antes de você

corre, cavalo
corre, calado

corre ao encontro do esquecer



(cadernos adolescentes)

Fotografia de uma galera

em frente a entrada
de um lugar extinto
um sentimento tímido escondido por rostos
expostos ao flash da câmera de um desconhecido
que como numa contemplação à natureza (nós também a somos)
pinta com tintas de luz e cor um momento
me fazendo reverter ao tempo e lugar
e me tornando simples pó, retrato de uma criança em crescimento

gente tão feliz, porque você as quer assim
sorrisos tão verdadeiros, porque não podem estar mentindo para você
e no ar, no ar não, no éter que permeia o contorno das formas
na fotografia, um senso de percepção da eternidade desse instante
apesar de ser completamente finito
um olhar mais perspicaz que o de um adulto saudável
pleno de seus compromissos e intelectualidade (que acredita possuir)
encarando o observador, ingenuamente, num paradoxo inexplicável

e são apenas crianças! e eu também no meio desse rebuliço
escondido numa máscara que escondia outra
um eu tímido e o rosto escondendo sentimentos que se explodiam
a cada hora e segundo, criando um mundo exterior mais plausível
àquele terrível mundo sem poesias

rostos pintados, geralmente sem nada, tinta nenhuma,
graça nenhuma, mas intrigantes
quem são essas crianças que ousaram desafiar elas mesmas com esse olhar?

ainda ficou uma lembrança obscura, perdida em meio a tantas correrias
medos bobos e corredores com segredos
gente tão simpática que parece até que as conheço

quem serão vocês agora?
donos de fábrica, vendedores ambulantes, viciados, roqueiros?
traficantes, restaurantes, ajudantes, ambulância, roceiros?

o olhar não engana
continuam os mesmos...
bebendo a vida e seus anseios
apenas crianças...



(cadernos adolescentes)

Particular

é essa aula
um expresso popular que me leva
em comboio
sem pé no chão nem cara lavada
ninguém sabe que eu sei
que não sei

particular é esse meu mundo
logo meu, sem lógica nenhuma
imposição
e a respiração aumenta
quando combate a escuridão
viagem de cometa
sem rota indicando a colisão
com meus olhos

e meu é esse espaço
meu é tudo que vejo e faço
meu é esse desejo de ver e fazer tudo

me pertence o meu corpo (quando não há você)
a cidade também é minha
pois se não fosse
eu não saberia existir
sem existir de fato

só não é meu esse retrato
é coisa de prender um momento
eu que preso, prezo os sentimentos
não acredito em figura sem
movimento

de todas as pessoas
eu também sou dono
sou dono do mundo
e conheço cada uma delas
conheço simplesmente desconhecendo

eu é que dou força
pro mundo rodar
dentro de mim tem uma força
embora eu aparente não saber
usar

e vai girando, vai rodando
meu brinquedo particular (só meu)
mundo que não sabe nada
nem se controla
eu te domino com as mãos e bocas
você me obedece
porque se não obedecesse
eu não te dominaria

minha artilharia não é pesada
o que pesa é a consciência
ciências ficção, avançada tecnologia
pra que perder tempo com essa
desenvolução desenfreada

eu invisto o vento
nos teus poros
e descubro que o que sinto
é mais verdadeiro como o mundo sem
mim

estranho! não é de pedra,
nem metal, nem água,
como tentam te explicar por
dogmas lógicos?

e minha ditadura
não exige respeito ou admiração
eu dou liberdade numa engenharia livre
e natural como se o mundo
não me fosse

e tudo que pertenço não me
merece, não sou necessário
necessária é a vida e eu
fechando círculos, amarrando laços

são infinitas combinações do código
que me abre
nunca guardei segredos, pois se guardasse
não teria como tirar

tudo que esta em minha volta
é um pouco de mim
em revolta




(cadernos adolescentes)

Presentear

Hoje li o primeiro Vinícius
como quem buscava ler o próprio primeiro
tentando absorver a poesia
tentando trilhar a distância
eu me via cada vez mais casto
e culpado: coisa estranha

não me é belo falar do belo
pois ele já é
prefiro fingir que é belo o trivial
isso é trivial
jogo de palavras, nunca canso
mais pela piada depois da reflexão
a forma é mesmo livre
é o mesmo livro
livre em toda a sua falsa inocência de adulto

falar de amor, de ser feliz
de coisa escolar, poesia de giz
vale mais se jogar no vale
onde o passado dos poetas se faz presente
embrulhado nos laços das palavras

acho legal isso: presentear

Efeitos

Preparo-me para uma viagem
para um lugar que tem natureza

Antes eram os carros que me incomodavam
aqui
agora é o silêncio que se firmou da
banalizada balbúrdia babuína
da hora do rush

Às vezes a gente precisa tampar a
boca do mundo
fazendo um roqueiro efeito de
wah-wah com os sons

criar um rock com isso tudo,
que combina
que rima

Preparo-me para uma viagem
para uma natureza que tem lugar
ar, uar, wah...

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

É mesmo

Demora um tempo
para o poeta
desamadurecer o invento

Ácidor

e derepente veio a vontade de voltar
de não voltar jamais ao que se era
de revolucionar uma era de pescar a sereia
de matar a hera
e de repente a vontade do repente do recital
que não é mero recite mas insiste insight resiste
um site um blog que vive dentro da juventude

e de repentes a gente constrói um clube uma turma
o mais importante disso tudo
um público
acima da poesia
mais do que o ópio do dia-a-dia
uma coisa livre por ser junta
agente secretos a gente funda
a nova religião pagante grátis

a gente que não tem tribo
que é de tudo e de nada
feito um fenômeno químico, natureza, jogada
futebol que não entendo
a gente deveria fazer uma banda
um bloco de carnaval
uma fantasia nova

vamos fazer: está marcado no jornal

vamos recriar os sentidos
misturando o amor e a estupidez
numa festa

antes da poesia vem a gente

Não tal - Na - táli não

Era hoje era ontem
o desejo de ser livre
cada um com seu cabelo
reluzindo na vitrine com um presépio

Era sempre quase nunca
aquele frio na nuca
de presente passado de pai para tia
era quase uma família
naquele não tal qual não-tá-li-não

Um embrulho de fumaça
o cigarro não é mais de palha
na ferrugem dos cidadãos

Uma fita cor veludo
e não via quase tudo
pois ainda criança era um santo
não via quando os presentes chegavam na beira da árvore
para alegrar as crianças capitalistas

era um tal de lista e um tal de lista
lista de coisas que não serviam nem pras visitas
aquela gentaiada que nem sabia os nomes
eram brinquedos da moda, videogames, rollingstones
eram pais ausentes, dentes caíndo, felicidade dormente
a cada pedaço dos bombons, um terraço de saudade dos pais

quando abria o suspiro
com um pouco de dor no ouvido
de tanto as criança gritar
lembrança feita de mel
ou doce de leite
era um natal

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Teus olhos

seus olhos, teus olhos, teus olhos
tesouros

teus ouros, teus tolos olhos todos, tesouros
teus deuses, teus dons, teus outros olhos

tesouros

teus ontens, teus hoje, tens outros olhos loucos,
teus mouros nomes, teus olhos

tesouros

teus passos, disfarces, teus olhos, seus olhos
seus jogos sensuais, teus fogos, teus olhos

tesouros

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Quero saber

Quero saber
quando você vai chorar
para poder
minha terra regar

Quero saber
quando você vai sorrir
para entender
o que é ser feliz

Quero saber
se você me ama
para viver
seu amor à paisana

Quero saber
quantos filhos quer ter
para perder
o meu medo de se perder

Quero saber
o teu nome o teu nome
o teu sobrenome sobre a tua
caligrafia nua
geografia pura

Quero saber

Shake Espere

Quando o Rei Ler o seu testamento
e nada nele dizendo como será a sucessão real
Quando a Realidade do Rei cair por terra
Quando o Rei Ler a sua espera
o próximo rei virá com a espada e a guerra
numa luta entre gerações, de poetas e foliões,
quero ver o Rei Ler o seu testamento escrito com o seu próprio sangue
com o seu próprio nome estará escrito um livro
contando estórias de uma terra distante
cada palavra, um súdito
cada vírgula, uma planície
o trono ainda está lá, nos livros

Quando ler de mais Beth vingará a morte de seu marido
Ou tê-lo vingado pela morte de seu amor
Júlio e tá a espera de uma Cleo para trás
Rome, casa, homeu, homem em busca do amor
Rico ardo terço ei rogar a praga das pragas

Não há lugar para clássicos na biblioteca que o Rei Leu

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Vivemos

Vivemos num tempo de partidos
tempo de homens partidos
disse o Drummond

vivemos num tempo de dormidos
de domingos dormingos dor Midas
tempo de homens domingos

nem recados no orkut vão curar essa distância
nem retratos nem yogurtes vãos remédios para o estômago
vivemos num tempo de homens partidos, de flores humanas
de flora intestinal intoxicada, de tempo tóxico, de flores contidas
de sorrisos abertos apesar da penicilina, tempo de medicina, mel de cera,
mel de sina, mal de sina, destino, livre-arbítrio

vivemos num tempo de suicídas, apesar das flores floridas,
mas sempre há-de-haver esperança
no cinema, na música, poesia, na dança
pelo menos em ser criança,
vivemos num tempo de poucas vertigens, poucas verrugas
um tempo de homens vertidos
homens invertidos, sonhos polidos e cartão de crédito

vivemos num tempo de crise, de falsos cristos e risos
tempo de homens e dívidas

mas acima de tudo existe a poesia
que liberta do tempo o próprio tempo
liberta o homem de seu tempo
para o seu próprio tempo

enfim, vivemos

A Abracadabra Grátis

Obama osama o cama ob ceno ob skena
Oba oba obandode ladrões dicas grátis de como aumentar seu
Tênis Fênix Gênes Cremes Gremlins Kremlin
Freeware hardware very good very God free for free compre aumente ligue já
Jacaré pornô livre baixe agora instantânemente grátis o seu jacaré free
Bush busque search engine Andinos paladinos da justice corrupção Lula lá
Dicas de como aumentar o número dos números racionais
Blog Flog Doc Ploc Vlog Videologarítmo
O jornal The New York Times falou ontem que dava dinheiro de grátis inteiramente free
Porn Hot Sex Shop brinde brinde BNDES concurso público

DICAS DE COMO PASSAR EM CONCURSO PÚBLICO:

1- Abra um blog
2- Escreva algo começando com a letra A, porque o Google e outros sites de busca na Internet Web Wi-fi começam pela letra A
3- Começe a escrever sem parar coisas sem sentido aparente, numa forma dadaísta
4- Escreva palavras chaves apelativas: grátis, free, sex, hot, concurso público
5- Parabéns!

Nas portas da casa

Sentado na beirada da porta de casa,
aquela casa do teu amigo em Minas,
tive pensando em me mudar daqui,
dessa bagunça urbana que não deixa a gente pensar.

Aqui quando fecho os olhos escuto
os carros, escarros e escravos,
lá eu só escutava meu coração.

O Muro (Capítulo 5)

230788 estava com 13 anos. Tinha acabado de chegar, refugiado do Rio de Janeiro. Instalou-se na ala Norte da Favela, a área mais turbulenta, mais densamente povoada. Trazia em seu chip interno apenas as coisas que achava mais preciosas na vida: as fotografias digitalizadas. Gostava de observar-se criança. Gostava das fotos de sua cidade, mesmo que antes da Grande Inundação ela fosse uma das mais anti-higiênicas do censo 2048. Não importava para ele. Era bom do jeito que era. Pelo menos era. O refugiado 130579 ouviu aquelas confissões e deixou cair uma lágrima, lembrando o tempo em que gostava de pegar Sol no parque, em sua terra natal, Pernambuco, hoje totalmente submersa. Os dois se abraçaram mesmo algemados, e juraram naquele instante que sairiam das celas para entrar para a História.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Um soneto feito monstro

Perdido nos papéis velhos e sujos de poeira no vão entre gavetas da mesa velha,
contendo algumas gerações de aranhas, pilhas já com líquidos tóxicos estourados e clipses,
encontrei um soneto que te fiz a uma caralhada de tempo, um soneto da adolescência,
parecia coisa de criança descobrindo o alfabeto, parecia um cientista maluco com o monstro que deu certo

era um soneto meio carregado, meio romântico, contendo algumas frases fortes
fortes demais para alguém de 13 anos que nunca tinha tido um relacionamento amoroso,
e no papel ainda restava um pedaço de feijão, um mísero pedaço de feijão, de repente um resto
da comida da escola, aquela comida gostosa por ser ruim, aquele gosto de comida de escola,
enfim, o que me passou instantaneamente naquele instante foi uma atitude meio impensada:
num ímpeto abrupto e corrosivo, lambi o feijão com uma voracidade de poeta antropofagizando

sua própria cabeça de guerreiro dos tempos em que ainda não conhecia o mundo da luta.
e num segundo voltei para aqueles mesmos segundos em que escrevi aquele soneto maldito.
vi você, sentada na beira da janela da sala de aula, olhando para o horizonte perdida como uma
passarinha que não sabe avoar, e pensei comigo mesmo que aquilo que estava pensando parecia
uma música nordestina que eu tinha ouvido numa rádio barata dessas que tem em rodoviária do
interior

consegui estar no passado durante mais um segundo, mais um segundo que me deixou ver o momento que você sorriu, com o soneto nas mãos, pensando: vou sorrir para que ele fique confuso.
voltei para o presente, estava ainda aqui, de frente para o computador, escrevendo no blog, mas um post inteiro já estava na minha frente, como se eu o tivesse escrito por muito tempo, como se ele já tivesse sido escrito por mim mesmo, em tempos de sonetos feito monstros, desses que atacam mocinhas em prédios altos.

dessa vez não tem marca de feijão:
tem é uma marca de beijo na tela:
teu beijo perdido no tempo,
o beijo que deixou de dar
assustada como o
soneto feito monstro.

Na Natação do Flamengo

turma "Ão", vai "Eu"!

era assim
sempre assim
cai na piscina e é assim
essa água sobre mim

turma "Ão", o princípio, o verbo anterior ao não:
quando a gente ía, era pra ganhar, o importante era competir mas nos matávamos de pancada se não ganhássemos.

às vezes eles colocavam música debaixo dágua
quando tinha a equipe de nado sincronizado treinando
era legal, porque dá pra ouvir legal a música debaixo dágua
e dá mó gás pra nadar, como se estivesse num filme

a cada braçada uma respiração:
ainda não sabíamos ao certo se aquilo tudo nos levaria a algum lugar
não sabíamos o porquê de estar ali
apenas cumpriamos as normas do colégio

e foi num belo dia que eu fui nadar, coloquei a minha touca vermelha, e peguei meu pull-boy.
na época eu chamava de bodi-bodi.

quando a gente nada parece que está num outro espaço-tempo.

pois eu me vi cercado de tubarões africanos.
com dentes afiados ele corriam atrás de mim.
decidi parar e ver o que acontecia. não tinha medo da morte naquele instante.
foi quando o professor gritou o seu grito: turma "Ão".

eu era da turma "Eis". quando olhei para trás, a turma "Ão". Eram eles os tubarões.

E tudo começou a fazer sentido no meu sonho debaixo dágua.

Correndo contra o tempo,
fazendo o meu lamento,
cada bolinha de respiração errada era na verdade uma paisagem,
uma pura paisagem feita de ar.

Correndo contra a raia,
do outro lado de uma piscina que simulava uma praia,
era na verdade uma corrida contra a corrida:
parei no meio da piscina.

Decidi voltar para a borda. Decidi vestir o roupão e ir embora com o ônibus do colégio.
Dessa vez eu sabia o exato porquê, eu tinha decidido.

E na saída encontrei o Oscar Schmit, aquele jogador de basquete, pedi um autógrafo, mas não tinha onde escrever, tirei o meu tênis e ele assinou ali mesmo, guardei aquele tênis para jogar basquete, acho que depois de um tempo ele ficou gasto, eu cresci, ele não coube mais em mim, minha mãe deve ter dado.

Ao entrar no ônibus da escola, decidi sentar lá atrás, na última cadeira.
Começou a chover. A chuva molhava o vidro, criando uma ilusão de psicodelia no cotidiano comum das ruas do Rio de Janeiro. Isso era bonito de ser ver, poético de se pensar, mas eu não escrevia poesia naquele tempo.
Eu nadava-a.

O Muro (Capítulo 1)

2108. Brasília. Depois da Grande Inundação de 2049, onde as principais cidades litorâneas mundiais foram alagadas pelo elevamento do nível marítmo, a capital nacional torna-se um campo de refugiados vindos de todo o litoral brasileiro, como também das Guianas e Suriname. A população é elevada ao cubo. Para melhor funcionamento das atividades burocráticas, os cidadãos foram separados em apenas duas classificações: oficiais e refugiados. Os oficiais trabalham e residem no que originalmente era a cidade de Brasília, fundada em 1960. Os refugiados, em muitas rebeliões e na maior delas, o "Dezembro de Sangue", foram definitavemente banidos dos limites da cidade original. Na tentativa de assegurar a integridade dos edifícios e dos próprios oficiais, ergue-se o Muro, em 2058, separando a cidade modelo da grande favela de refugiados. Com 30 metros de altura, altamente reforçado por guardas e dispositivos de defesa, o Muro tornou-se o símbolo da cidade, como também do Brasil, pela grandiosidade de sua estrutura, e pela média impressionante de abatidos: 117 por dia. Hoje, aniversário de 50 anos da criação do Muro, na ala norte da Favela (a mais próxima do Muro), o refugiado n: 230788, esconde algo na vestimenta e dirige-se para o Muro. A Revolução já começou.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Tudo numa pista de dança

ele gostava de contar histórias enquanto dançava numa pista de dança
ele gostava de subir em árvores e falar das coisas que fazia na infância
o que ele não gostava era de pão e vinho

quando ele dançava o chão brilhava diversas cores
as meninas caíam de amores
o céu ficava azul

os passos eram feitos de fogo
a dança era feito nuvem
no céu da minha cidade

uma vez ele contou que estava em Minas Gerais
quando avistou um disco voador
ele disse que foi abduzido para dentro da nave

lá dentro tinha um ser, dois seres, verdes
verdes da cor da camisa dele
e quando ele acordou estava em Marte

Depois ele acordou de novo, não passava de um sonho
e aí todos nós acordamos, não passava de um passo

e aí todos nós desligamos o computador e fomos ler um livro,
afinal, era só um blog.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Impressionante

por que é que dá tanta vontade de fazer xixi quando se brinca de pique-esconde?

é impressionante isso.
parece que o mundo gira mais devagar, o tempo passa mais rápido.
cada segundo demora pra caramba.

como naquela vez que conversávamos num luau, ou não,
como naquela vez que conversávamos num fim de festa,
como naquela vez que vocês ficaram com medo de matar a aranha grandona que tava na parede do quarto,

passou como num outro tempo, num outro espaço.

aquelas músicas eletrônicas já não tocam mais na minha cabeça quando lembro daquela época.
aquelas brincadeiras sacanas, "mês", "um sorvete bem grande", "escalar", "muredão", inventar brincadeiras.

o ônibus da escola parece uma profecia: estava tudo lá, escrito em subtexto.
malabares com a felicidade e a tristeza:
você brincava com meu coração como se fosse jogar bolinhas no sinal.

a gente tinha o sonho de revolucionar o mundo, depois de entender a revolução que nossos pais e avós não conseguiram fazer.
nós tínhamos a inocência de não ter inocência.
nós tínhamos a faca (sem ponta) e o queijo (parmesão, do xis do Zé da cantina) nas mãos, e fizemos o que?

viramos jovens caretas: buscamos entrar no mundo, e não construí-lo, ou reconstruí-lo.

o guaraná e a playboy ficaram para trás,
percebemos que a poesia não estava nos espaços: era o nosso olhar.

mas uma coisa que sempre me intrigou, e sempre vai me intrigar:
por que é que dá tanta vontade de fazer xixi quando se brinca de pique-esconde?

domingo, 7 de dezembro de 2008

Você quer dançar?

Andando em volta daquela casa de verão,
era apenas uma foto dos anos 60, mas estávamos dentro dela.
com certeza as certezas de nada valiam naquela noite,
uma sweet noite de setembro, se não me engano era o que eu lembro,
andando em volta daquela casa de verão,
uns amigos meus com o violão,
fogueira perto da praia
meninas de saia
solidão

Cantando em volta daquela fogueira de verão
era apenas uma foto dos anos 80, mas estávamos dentro dela.
com certeza as certezas de tudo valiam naquela noite,
uma overnight de agosto, se não é meu contragosto
andando em volta daquela fogueira de verão,
uns parentes meus ou não,
fogueira perto da estrada
primas de saia
solidão

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Clones

e se a minha poesia fosse clonada
enquanto alegremente estivesse sendo lida em voz alta
num corredor da escola primária
o garoto apaixonado e menina desinteressada
será que o amor resultante daquelas palavras
ao saírem da boca cruzando o ar
e tocarem sutilmente o que a menina esconde
será que o amor se duplica?

e se a emoção dividida ou multiplicada
escolhesse pelo livre arbítrio
dividir aquela poesia em duas
duas folhas de papel partido
dois corações partidos
universo paralelo

e se para cada palavra existisse o seu clone
a mesma palavra e o mesmo sentido
mas que no fundo e na superfície
não podem ser o mesmo ser vivo

por estar vivo

cada palavra está acrescida de algo divino e humano
um sentido realmente sem sentido
um traço, um afeto, uma pista, um desengano
num desenredo mítico, o ego se busca em cada verso

por estar vivo

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Otempo Ral

O tempo escorre pelos relógios
como o quadro do Dali.

Dali eu vejo, a relatividade da coisa.

Eles tem a vontade de passar o tempo
Einstein: a vontade de assar o tempo

Numa fogueira ritualística.

As cinzas que se evaporam são o próprio espaço
distorcido pela liberdade de escolha
cada qual o seu passo

Passando o tempo como quem esquenta um marshmellow.

domingo, 30 de novembro de 2008

Capote (não é o Truman, mas é verdade)

, e quando a gente é criança ficam umas imagens na nossa cabeça. Às vezes eu fico pensando: como é que eu pensava quando era criança? Como que eu enxergava o mundo? Como eu pensava? E nessa intriga, lembro de quando sofri um acidente automobilístico. Começo dos anos 90. Eu tava indo, não, eu tava voltando de um sítio? Era algo como um sítio, uma casa de campo-praia, algo no interior, é, praia não era. Podia ser em Petrópolis. Na serra. Ou no interior fluminense. Estávamos voltando pela estrada. Não sei por que, mas ao pensar nessa época lembro tão somente da "fada do dente". Pois é, meio gay, mas as imagens nebulosas que vêm são da minha mão achando um brinquedo que minha mãe colocou debaixo do travesseiro. Na noite anterior um dos meus dentes tinha caído. Ou foi arrancado amarrando um fio dental na maçaneta da porta. Uma prática comum naquela era histórica. Pois era um carrinho. Um carrinho daqueles de brinquedo, pequeno, que talvez tinha um mecanismo de rodas que quando você atritava ele para trás e ficava repetindo isso, depois soltava, ele saía correndo e batia no pé da sua mãe. Ou entrava naquele lugar escroto debaixo do sofá. Era uma bosta. Tinha que ir até a cozinha e pegar uma vassoura para tirar o carrinho dali. Estávamos voltando pela estrada, de noite. Tava a minha mãe, o namorado e eu. O carro parece que subiu num morrinho, não sei direito como, acho que estávamos em alta velocidade. O carro subiu e voltou capotando, girando, girando. Minha mãe, ninjamente pulou pela janela antes de capotar. Incrível. Acordei com as porradas, os estrondos. Mas não no momento do estrondo. Parecia que eu acordei, e comecei a ouvir os estrondos, depois que eles tinham acontecido. Um troço muito doido, pensei agora. Parecia que eu estava ouvindo um som já passado. O som do capote. Aconteceu o seguinte: o porta-malas caíu em cima de mim enquanto eu dormia. Não presenciei nada, apesar de ter. Acordei já de cabeça pra baixo, intacto. Intacto? O namorado da minha mãe ficou machucado, pois se arrastou por entre os cacos para me pegar. Intacto? Chorei no princípio. Chorei um pouco mais do que estou falando. Mas o choro não foi um choro comum. Foi um choro diferente. Um choro silêncioso. Respeitoso. Intacto? Algo, além de mim, capotou naquela noite. Um brincar de carrinho, pegar o carrinho com a vassoura. Acho que agora o meu carrinho tinha um novo motorista. Um pouco mais prudente. Ou não,

O seu valor

dádiva divina, dado da sorte
se cair o meu número
nosso número da peça
peça de jogo
jogo da vida real, sonho real
eu preciso de ajuda
para me encontrar sozinho
eu só penso em conjunto
só nego o eu-divino
eu quero sair pela noite
e ao mesmo tempo ser dia
eu quero abrir aquela ferida
e fechar com honra o amor
eu te quero
como você não é
eu te quero sua
eu te quero mulher
perigos vamos encontrar
e eles são necessários para amar
sem dor não tem graça
sem farsa não é fingir
o sentimento humano da gente
gente que só pensa em viver
eu quero a sua vida perdida
eu quero razão de viver
tua família e aminha
nosso filho feito de nós
nós somos a pátria bandida
que declarou guerra à hipocrisia
e fez, uma revolta no coração
eu quero você
totalmente nua, crua, na rua
escura pedindo esmolar de amor
e ao mesmo tempo sabendo
o seu valor



(cadernos adolescentes)

Art-Ista-Tud-Ocul-Todos

minha poesia não está nas palavras
assim como meus silêncios não estão no espaço

cada pedaço do meu corpo em movimento não está no tempo
assim como cada olhar que apreende o mundo não está no ponto de vista que a vemos

o que eu quero é a palavra que não está escrita nela
o silêncio que não está entre ela
o movimento que não vibra do seu som
a visão de tudo que não se vê por ela

isso é cinema

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Nada - cadernos adolescentes

Eu te pego como um
atalho
fica fácil chegar

caminho cheio de
curvas
muito sinuoso

e há algo escondido
profundamente
há um tesouro
enterrado
ou uma
maldição antiga
que desencoraja qualquer
aventura

e eu sou um aventureiro
sem fronteiras e sem medo
e conheço teu segredo
só não conheço eu mesmo

eu não pertenço nem tenho

numa mão o vazio
noutra o tempo

fragmentos de memória
retalhos do quase-nada
você marcou a minha história
mas não ficou nenhuma marca

ELETRODOMÉSTICA

ELETRODOMÉSTICA – (2005 - PE - 35mm -22’38”)

“Eu queria morar em Beverly Hills numa mansão de 1 milhão e 500 mil
Ter limosine, piscina e telefone celular,
limpar a bunda com dólar e arrotar caviar
Eu queria ser amigo de Kelly, Brendon, Brenda e Donna
Ser vizinho de Daryll Hanna pra brechar sua bundona
A Daryll Hanna e sua bundona
A Daryll Hanna e sua bundona
Lá em Beverly Hills
Lá em Beverly Hills
Eu queria ter um porsche, poder tocar com os Walsh
Eu queria ter um porsche, poder tocar com os Walsh
Os Walsh, Os Walsh Os Walsh
Lá em Beverly Hills
Lá em Beverly Hills”

Escolhi esse curta pois senti uma tremenda habilidade cinematográfica do roteirista, diretor, montador e produtor Kléber Mendonça Filho. Um domínio da técnica para sublimá-la. O filme flui de tal forma que, à primeira vista, não percebemos.
Sem deixar de lado o humor, Kléber tece uma crítica inteligente ao mundo mecânico e aprisionado no tempo da doméstica, um mundo dependente de inúmeros aparelhos eletrodomésticos, um mundo enclausurado na rotina.
Como válvula de escape, o voyerismo, a vida alheia, um baseado, e por fim, o gozo cronometrado na máquina de lavar. Até os momentos de prazer são cronometrados, mensurados, maquínicos.
A montagem sabe ser ágil, como também sabe ser econômica. Percebemos um domínio dos cortes, do raccord, da utilização do som, da música.
Como no livro de Luis Carlos Maciel, “O Poder do Clímax”, a construção narrativa baseia-se no climáx, uma imagem-mãe: uma doméstica se masturbando e tendo um orgasmo com a vibração da máquina de lavar. Uma simbiose digna de Cronenberg, a doméstica elétrica, a eletrodoméstica.

Um filme para gozar!

Reflexões: Música e Sociedade nos Séculos XIX e XX.

I.Profanização/Decadência? – Música e Sociedade – séc. XVIII e XIX.

A atividade musical nos grandes centros urbanos contava com figura do mestre-de-capela. Um funcionário real, que organizava a atividade de outras Igrejas. Kurt Lang foi o pioneiro desse estudo, e contesta a idéia de Mário de Andrade do baixo desenvolvimento técnico dessa época.
O mestre-de-capela seria uma espécie de diretor musical. Ensaia (organização), compõe (secundário), ensina, mantêm o arquivo (manuscrito, é proibida a imprensa - séc XVIII). São padres com formação musical paralelamente ao ritual religioso. O músico é um artesão, com a possibilidade de ascenção social.
Com a descoberta do ouro em MG, Portugal vai proibir os mosteiros e conventos (clero regular). Só haverá em MG o clero secular, remunerado pelo Estado. Uma forma de evitar o contrabando.
Nas Irmandades de Leigos, ou seja, irmandades privadas, um sistema de editais públicos (arrematações) para organizar a atividade musical em um ano gerava grande concorrência e demostrava a profissionalização da atividade. Podemos perbeber o “mulatismo” dos vencendores desse sistema, indicando o espaço de ascenção social para os afro-descendentes.

Nas Corporações musicais, o mestre detinha o domínio das técnicas, uma atividade artesanal, nos moldes das antigas corporações de ofício.

Como se deu a decadência do ouro para a atividade musical?
Mário de Andrade, chegando em Ouro Preto em 30/40 e ouvindo tudo desafinado. O parâmetro se perdeu. Eles não ouviram o eco de algo que foi muito importante no passado. Kurt Lang não percebe que as corporações de ofício tinham arquivos, técnicas.
1960, a Igreja se moderniza e muda o repertório. É recomendado que o latim fosse abolido para se cantar e realizar os ofícios na língua nacional. Os padres entenderam: toca fogo. Grande parte dos arquivos, incluindo as músicas se perderam. Nâo temos arquivos do período colonial preservados.

II. Música e Sociabilidade no Rio de Janeiro Imperial.

A figura central que permaneceu foi a de Padre José Maurício. Em suas obras, podemos perceber que aos poucos a música religiosa vai sofrendo influência da música profana – teatro/ópera.
A chegada da corte imperial no RJ traz uma nova dinamização para a música. Como forma de sociabilidade das elites, novos espaços foram abertos e novos ritos sociais se firmaram. As danças de salão da tradição européia, e principalemente dividida em 3 grandes espaços: A Igreja, Capela Real, o Teatro, Real Teatro, e a câmera, Real Câmera.
Qual a função social? Status. O rei é visto. O fato das elites se estabelecerem com tal, demarcar status social e político, hierarquia. Reproduzir o comportamento da corte. Modelo absolutista francês. A ópera como espetáculo absolutista.
De longa tradição musical, Dom João VI cantava o gregoriano. O conhecimento musical é algo que faz parte da formação, da sociabilidade.
A missa que soa como ópera.
A elite não vai a Igreja para reazar (ou só). Profanização da forma sacra, influÊncia austríaca (Viena) na corte do RJ. A burguesia reproduz o comportamento da aristocracia.
Império Luso-Brasileiro: existia o projeto de transferência para evitar a independência da colônia. Nâo havia unidade – a noção de Brasil.
José Maurício, negro, ao ser apoiado por Dom João VI , demonstra um projeto de Império.
Pedro II mais tade vai bancar os estudos e produzir a estréia do Guarani, de Carlos Gomes. O objetivo é claro: mostrar que o Brasil é um país civilizado, propaganda política. Fica evidente a importância da ópera como elemento fundamental para o imaginário da corte. É nesses espaços que se constrói o conceito de elite.

III. Música e ideologia no Brasil República.

1880, década final da monarquia. Leopoldo Miguez e Alberto Nepomuceno.
Desenvolvimento da técnica de composição e reprodução (execução). Desdobramento na formação e profissionalização. Projeto de escola (Instituto Nacional de Música): formar a base.
Disputas na crítica: Rodrigo Barbosa e Luiz de Castro, ligados na música alemã; e Oscar Guanabarino, na italiana.
Questão da elite: canto em português, mestiçagem: tornar a música popular algo erudito. A idéia de se formar uma consciência de país. Uma consciência nacional. Pensar uma música com o conceito de nação. Fazer parte do pensamento positivista. Aproveitar a forma tradicional mas alterar os símbolos da monarquia (como na bandeira nacional, no hino nacional).

III. Moderno.

Pensar o moderno: duas vias: nacionalismo de Mário de Adrade e o dodecafonismo de Koellreutter, “Música Viva”.
Koellreutter, fugido do nazismo, chega no Brasil e organiza o movimento “Música Viva”, numa crítica ao academicismo e a estética tradicional. Percebe o predomínio do nacionalismo de Mário de Andrade na produção musical, bem como o seu ideal de forma neo-classíca reacheada de melodias do folclore nordestino.
Propõe uma outra relação com a música, mais liberdade de criação:
Pensar a divulgação, o ensino, a renovação do ambiente musical ainda com os conceitos cristalizados do nacionalismo.
Koellreutter não é um combatente do nacionalismo, é antes um questionador de seus dogmas: o nacionalismo é só uma possibilidade entre outras.
O movimento vai agregar diversos compositores como: Claudio Santoro, Guerra-Peixe e Edino Krieger.
“Não há arte revolucionária sem forma revolucionária”, retomando a idéia de vanguarda, o movimento busca provocar a transformação.
MANIFESTO MÚSICA VIVA 1946
- refuta a arte acadêmica
- não há arte sem ideologia (pensamento marxista)
- arte ligada a realidade (utilidade)
- arte engajada politicamente
No final dos anos 40, Santoro participou de um congresso no leste europeu, onde a palavra de ordem era uma arte facilmente compreendida pelo povo – o conceito de arte revolucionária de subverte com Stalin e o pensamento do realismo socialista soviético.
Os compositores que faziam parte da vanguarda são perseguidos. Os outros pedem desculpas ecomeçam a resgatar o tradicional clássico e romântico.
- Resgate do tonal – empatia com o público
- Voltar a música para o século XIX (final do romantismo)
- Desprezo pela música instrumental
- O texto vai ajudar a chegar mais perto da mensagem revolucionária

Nova repressão da arte. As vanguardas são consideradas decadentes, degeneradas.

IV. Contemporâneo.

Os desdobramentos da polarização ideológica da Guerra Fria repercutem de diversas formas na música. Aos poucos, as questões políticas puderam substituidas por questões estéticas (há algo mais político que a estética?).
O tropicalismo surge como elo aglutinador de tendências, refutando a idéia de tradicionalismo na forma e conteúdo, mensagem revolucionária.
A importância de Koellreutter se faz sentir em seus alunos, como Rogério Duprat, que traz o contemporâneo e a vanguarda para o popular. O nacionalismo agora se relativiza, se antropofagiza realmente.
A música se liberta?

18 músicas

Medo
creio
tê-lo
perco
cedo
sono
inteiro

medo
minto
sinto
fome
fogo
queima
preso

junto pedaços de aços de cacos de mim
juro pedaços de maços cigarros sem fim
cada cadáver do corpo revela a adaga do caos
causa perdida do corpo divide em pedaços o ar

sábado, 22 de novembro de 2008

Comentário amigo sobre "Uma Brincadeira chamada Amigo"

Abro aqui um espaço para a interatividade. Pedi para meu amigo Diogo que escrevesse algo sobre o texto que publiquei aqui no blog "Uma Brincadeira chamada Amigo". Ele escreveu e aí está, na íntegra:

"Quando você pediu para que eu fizesse a crítica ao seu texto, uma dúvida tão logo veio-me à mente: por que tal texto, se há tantos outros. Foi só avançar um pouco na leitura para de imediato dar-me conta de que se tratava de um tema que tangencia toda a história que, de uma forma ou de outra, estará presente em meu curta. Isso tudo, é claro, com uma diferença básica: no caso do filme a maré parte de rios que possuem a mesma fonte; no caso da sua história, é o contrário: a maré separa o que não se une senão por acaso ou, o que a torna mais interessante, por inocência.Vou falar um pouco da forma do texto; e para fazer uma redundância necessária, comecemos pelo início. Ao modo de um argumento de um filme, você inicia o texto com uma data: 1994. De modo a conferi-la concretude, isto é vida e vivência, você faz apelos a extratos mnemônicos de ordem cognitiva. É o Leblon, é o Senna, é o Dragão Chinês. Mas não para por aí: logo em seguida trás – o que em minha opinião importa mais – as impressões sensíveis. Aí é o esfarelar com os pés, a surpresa das joaninhas (as fumigas), o charme, o efeito do sol, o que importa. Por meio dessas duas estratégias você reconstituiu o lugar.Depois de montado o cenário, você traz à tona a frase que vai permear toda a história: “a maré sempre leva, e a gente não percebe”. A própria história não deixa de ser, ela mesma, levada pela maré da memória, do afeto e da percepção. Aí entra um outro ponto em torno do qual a frase vai ganhar todo o seu sentido: a brincadeira ‘Amigo’. É pelo amigo, pela amizade (ainda que circunstancial e fugidia) ali criada, que a história nos leva à inocência infantil. Sim, o menino que hoje você “chamaria de pivete”, o que implica não apenas uma categorização da ordem dos fatos, mas um juízo de ordem normativa – o qual incute dentro de si uma série de atribuições pré-reflexivas atinentes à periculosidade do referente –, conseguia ser apenas um menino. A amizade implica, ainda que tacitamente, uma inocência, que engendra uma relação de incondicionalidade. O amigo, amigo mesmo, a gente aceita de modo intransitivo; e a criança é o ser que, devido a sua ainda não inculcação e incorporação dos padrões e taxionomias sociais, ainda consegue escapar ao que para um adulto é óbvio. Por isso, a criança é instrumental e utilitária: ela usa, por mera adequação, o que ela entende adequar-se ao que precisa; e ela também é amor: o amigo é aceito, e pronto.Só mais tarde, a gente aprende que o garoto é pivete. E que por ele podemos – sobretudo devemos – ter dois sentimentos: o asco e a pena. O problema é que isso não para por aí. Aquele menino também aprende que ele próprio é um pivete. Afinal, ele não é olhado apenas pelas crianças que com ele brincam de modo gratuito; os adultos também os vêem; e ele se vê através dos adultos. E não é senão por meio desse olhar que esse menino, o pivete, vai – também – ser conduzido. Agora o pivete cresceu, tornou-se efetivamente isso. O olhar o transformou, o transfigurou. E agora? A questão é perguntar: será que é possível ainda nutrir por esse menino afeto e consideração? Será que é possível buscar nele alguma complementaridade que não seja aquela da assimetria incutida pela pena? Se a justaposição dos dois corpos, do seu e do dele, ocorrerá novamente um dia, não sei. Fato é que acontecerá em outras circunstâncias.Agora é a hora de voltar ao meu curta. A história que ali eu apresento reflete de alguma formas duas trajetórias, uma certa continuidade de onde para sua história. Mas para não cair em um determinismo que a idéia da “maré que nos leva” pode deixar entender, vou tentar fazer pesar o outro lado, ou o mesmo, só que de outra forma. Aqui, fico com Sartre: o que vale a pena ser contado é o que cada um fez com o que a maré fez de vocês.
Abs.
Diogo."

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Montagem dentro do plano

Mais vale a imagem que se esconde a imagem que você se esconde?
Aquilo que aparece no plano ou o que desaparece, o que não se acostumou a ver?
Num tiroteio de feridos e rolos perdidos,
o turbilhão dos nossos avós,
a saudade louca de recriar o que não acabou ainda,
estar no presente.

Pensar na Tailândia é pensar no Brasil?
Pensar no mundo é pensar no Brasil?
ou pensar no Brasil é pensar no mundo?

Existem fronteiras ainda?
Existem fronteiras ainda?
Existem fronteiras ainda?
Existe faroeste, o oeste desconhecido, o mistério do Japão, existe ainda?
E se essas coisas existem, por que não conseguimos ver?
Por que não conseguimos ver dentro do plano?

O problema não é a câmera, não é o som, não é a luz.

Onde está o plano?

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Plano de fuga

Um filme feito de fábulas
Sociedades e páginas
Um plano inclinado na escuridão
O primeiro plano de um rosto
Segundo um evangelho perdido
Três reis e três retas, um horizonte em seta

Um filme feito de músicas
Três notas de um acordar
Um acordo sem notas no jornal
Uma crise financeira global
O primeiro plano de um rosto
Seguindo até o fundo do poço
Num plano sequência final

Um plano feito de fugas
Primeiro plano de jovens rugas
Na janela do planalto central
Um teatro do absurdo, surdo, bumbo, surdo-mudo
O plano geral: brasilento, brasilindo, brasilouco, brasiluz
Mitologia do que já foi um dia
Um silêncio no meio da dodecafonia
Teus cabelos, planos ao infinito

Um plano de fogo
Um pano de fundo
Canto de gente que saíu do mundo e voltou vivo
Cantos, esquinas, lisas, vazias
Textos na internet, minha foto, seu vídeo, meu blog,
Sexos na xerox, minha máscara, seu espelho, meu globo
Perdi, entre abraços e apátridas meu país e minha gente
As linhas tênues da fronteira de Platão
A profecia escrita nos pratos
O plano em close-up, seus olhos, seus olhos, teus olhos,
Tesouros

Uma fuga feita de planos

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Como os romanos faziam

Vamos fazer como os romanos faziam
deitar no chão, com o prato de macarrão no meio da gente
e a gente toda brincando de história
história em roda
misturando fatos de todas as épocas da nossa amizade
com macarrão e molho de atum
Vamos fazer como os romanos faziam
uma herança cultural marcada em sangue
uma distância do jornal da manhã seguinte
um passado paradoxal aqui na nossa esquina
o mesmo sentimento de anos atrás
o mesmo surrealismo nas histórias
as mesmas caras de jovens
as mesmas histórias
Vamos fazer como os romanos faziam
contando piadas em volta do jantar
contando a nossa vida pulsante no pulso do relógio da cozinha

um rodízio de crepe

Poesia da adolescência

seu corpo é um filme que passa no meu tato
em câmera-lenta, e tenta tornar meus olhos mais
belos, com o reflexo desses reflexos naturais meus
de tocar o que é belo e ver filmes europeus
sem me perguntar se tem sentido ou não
sem preocupar com o caminho, direção

seu corpo é quase eterno de fato
falta ainda uma rima, poesia de poeta nato
minhas mãos filmam tudo passo a passo
como um diretor pasmado com a atuação da luz
sobre teus cabelos, que reduz os meus erros
em apenas formas diferentes de acertar

não deixa a fama e a fantasia te mudar
o teu futuro é obscuro mas tem cheiro de glória
aprende a amar e faz a tua história
como quem faz uma obra de arte
mas não-sólida

livre

Dilúvio de Hoje

desvirtuando os silêncios do mundo
o meu espaço se esvazia em gotas
a cada passo um infinito profundo
e no fundo do passo eu passo pelo labirinto-mundo

as gotas de chuva na janela da cidade
as poças no chão da faculdade
um quase dilúvio de promessas
e nessas águas calles, nessas calles águas

a opacidade dos sonhos me enganou
de promessas não curtas, não longas

queria saber os segredos do tempo em que não havia tempo
do tempo em que nossa aldeia ficou submersa

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Pedi a conta

O labirinto do tempo.
O tempo num labirinto.
Hoje, às 18 horas, pedi a conta do café.
Hoje, às 18 horas, Prometeu rouba o fogo.
Hoje, às 18 horas, um índio avista algo na praia.
Hoje, depois de sentar-me na mesa da calçada, e tomar o café, eu pedi a conta.
Mas poderia ser Prometeu, que depois de sentar-se numa rocha do Olimpo, roubou o fogo dos Deuses.
Ou poderia ser um índio, hoje, que, sentado na areia, avistou algo na praia.

Eu, depois de sentar-me aqui na calçada da Rua Visconde de Pirajá, olhando as pessoas, os carros, a vida borbulhante e o espumante da senhora da mesa ao lado, eu tomo meu café. Mas poderia ser Prometeu, que cansado da prepotência dos Deuses, senta-se numa pedra, no Monte Olimpo e pensa num plano, um plano para a Humanidade, ali embaixo, a vida acontece. Ou o índio tupinambá, que, sentado na areia de uma praia na Bahia, não entende quando, de repente, estranhas figuras chegam na areia da praia, como 2 batedores de carteiras que chegam na frente da calçada do café, ou como 2 guardas sonolentos protegem um segredo dos Deuses.
Eu, avistando 2 batedores de carteira, que atacam, agora, uma senhora rica. Com a mesma violência que um capitão português catequiza o índio, numa praia da Bahia, hoje, às 18 horas.

Prometeu passa pelos guardas e esconde o fogo numa planta. Ou poderia ser o batedor de carteira, que esconde em seu bolso da calça jeans a carteira da senhora que sente que foi roubada, ou o índio que é obrigado a entregar seu colar com uma pedra brilhante.

Eu estou aqui, sentado na calçada, e acabo de tomar o meu café. Estou sentado quando percebo que uma senhora, ou um índio, ou Prometeu, está sendo assaltada. Eu, ou um índio, ou uma senhora, já não sei, só sei que jogo minha xícara de café ainda cheia, pois acabo de pedir meu café, que ainda não chegou. Eu jogo minha xícara de café vazia, que se quebra no chão da calçada.

Ou poderia ser o pedaço das vestes de Prometeu, que cai agora no chão, denunciando que ele roubou o fogo dos Deuses. Ou o índio, que antes de entregar seu colar com uma pedra de esmeralda, joga nela um feitiço mortal.

Eu acabo meu café, agora, às 18 horas, e acorrentado numa montanha, recebo a visita constante de capitães portugueses, cujas carteiras são roubadas, ou não, pelos Deuses.

Eu acabo meu café e peço a conta.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Realmente

Não tem nada demais em ser feliz
Não tem nada de mais em ser feliz
Não tem nada de mao em ser feliz
Não tem nada de maio ensemble li
Não tem nada de maior semblante ali
Nâo tem nada de maiores mantras a lira
Nâo tem nada de maiores mandarins a li-re
Não tem nada de mais em ser ali, realmente.

Paredes da Poesia

Quero pixar as paredes da poesia
com a tinta fresca da cuca fresca do dia-a-dia
Quero pintar as paredes da poesia
com pinturas rupestres do tempo da minha tia

quero mijar nas paredes do orgulho
a poesia fresca que esvazia o ego
a poesia que resta no fim desse entulho
mijando os muros do silêncio como um cão cego

quero pendurar panfletos nas paredes da vida
fazendo propagandas enganosas sobre os enganos da vida
afinal, cada um tem a sua
parede, muro, porta da casa, família

quero autografar as paredes da memória
com o sorriso da criança que fui e que serei um dia
rabiscar uma carta de amor
ser livre

frases de amor que a gente copiava do papel das balas Ice-Kiss

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Num piscar de óculos

encontrei a solução do sistema

isolei a variante do problema

agora a conta derá resultado natural

uma número irracional com calculadora científica



calcula a minha dor

científica



certifico-me de qual que o lar, qual que é o lar

que calculo a dor da calculadora



qualquer que fuja a minha a dor



é tua

Cadernos da adolescência: outubro de 2005

voltando, na rua, a dama negra caía no teto do mundo
envolvendo-me em sonhos absurdos, voltando do teu lar
os mesmos sonhos, calejados, fugindo-me de tanto sonhar
apagavam as sombras do meu próprio caminhar
tudo imensidão vazia e deslumbre

os olhos brilhavam por dentro, por fora eclipse lunar
com todo o místério e perfume de Lua no olhar
imaginava você me imaginando e nua no espelho a olhar
tuas curvas úmidas, esse teu involucro criado para amar
e ser amada intensamente
intenso delírio e perda do senso

Cadernos da adolescência: agosto de 2005

quando sigo teus passos
sempre me perco
quando ouço o que me diz
sempre me engano

faça-me liberdade
arranque de mim essa dúvida
teus cabelos não mentem
embora balancem contra o vento

você só me diz verdades camufladas
em pequenas doses de veneno
nada em você é simples
até teu entristecer gera
interpretações

você é uma comédia-trágica
eu sou um livro aberto em branco
a solidão é um eco chato
batendo na parede dos cômodos
incomoda

cômoda de madeira
perfumes, desodorante, papéis
coisas fúteis

agora, chuva de verão
chovendo forte, cheiro de chuva
de prédio molhado
um pouco de calor
um pouco de frio

se cada pingo tivesse vida
seria uma Humanidade
caindo sobre a cidade
enchendo as ruas de nova gente
tirando um pouco essa solidão

no quarto um ecossistema
de livros, cama, espelho,
armário
um ecossistema morto,
mas que ganha vida com o
meu toque
como mágica que as crianças
já conhecem de outras festas

essa chuva tem vários pontos positivos
une
enclausura
propicia uma gradativa falta de vergonha
quanto ao contato pessoal
nos deixa mais próximos com
vontade de abusar das sensações
com vontade de testar o toque
os sentidos em torpor

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Parque

naquele parque
onde estava aquela fonte
joguei uma moeda
olhando o horizonte
joguei minha própria queda
da altura que se esconde

naquele parque
perguntei o teu segredo
para a escultura de pedra
que me respondeu com medo:
água que rola não quebra,
cai uma gota no dedo

naquele parque
num filme de Apichatpong Weerasethakul
que não era um filme de Apichatpong Weerasethakul
porque o filme de Apichatpong Weerasethakul
não era o filme que eu tinha visto do Apichatpong Weerasethakul
porque o filme era o filme que eu tinha visto do Apichatpong Weerasethakul

Recital: Deserto Fim

Hoje senti algo bonito.

Pude assistir num recital de compositores da escola de música da UFRJ, uma peça de Rafael Sperling, meu camarada, com a minha poesia.

A surpresa foi a voz da soprano Lina Mendes. Impressionante essa voz. Que interpretação.
Fiquei impressionado com a força que a música ganhou.

Foi muito bonito ver aquilo que participei fazendo, aquela sementinha, aquelas imagens que tentava colocar no papel, pude ver as imagens ao vivo, na minha frente, no ar. Pude ouvir as imagens.

A música tem um que de árabe, de oriente médio, um clima, uma atmosfera. Tentei buscar uma história de deserto, de um amor, de cigana lendo o futuro, trabalhar essas imagens ao mesmo tempo áridas e misteriosas.

Provavelmente a música foi outra para mim. Ouvi diferente. Pra mim a música foi outra ali.
Tinha outro sentido, uma coisa de revelação. Revelar coisas que nem eu mesmo sabia. Acho que é isso que me move nesse sentido. Por isso, também, sou apaixonado pela poesia na música, por essa modalidade completamente diferente de poesia para música. Letra de música.

A sensação de ver aquilo, com muito mais riqueza, aquelas imagensonoras, foi quase um filme. Foi audiovisual também. Pra mim a música é cinema e cinema é música.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Perfeito Prefeito Pré-feito

uma súbita promessa
depressa na tensão do momento
quase um grão de areia ao vento
uma morte súbita anunciada
perto do silêncio
a cidade calada
não há o que falar
por que falar
não há

tudo foi pré-feito
pré-datado
datado
data, folha, ibope, globado, globalizado
tudo foi da forca, da força, tudo volta, perfeito
para o feito do velho oeste, velho velho oeste, velha zona,
zona, é leite oral, leite de palavras feridas, que ferem as vidas, leite oral desperdiçado
Rio despedaçado, partido em partido
partidos, Rios partidos, coligados, colegas-inimizados, contidos, contigo a amizade se enterniza
na velha lembrança do velho oeste, da velha mesma fala disseste: UPA!

mas tudo bem, foi feriado, foi a fé, foi crivelizado, foi caramelizado, foi Cesariano, Cesariana,
o parto dessa cidade, nascendo um bebê de Rosinhamary, um filho do demônio, como pregava o próprio heterônimo

promessas de um novo Rio, uma nova rinha de cães, ladros, e ficam calados os mesmos
e fortes, os mesmos esmos a estes termos, quase um minuto de silêncio pela falta de berço

mas foi tudo perfeito,
pré-feito de apoios, resolvidos os medos
perfeito feitiço que absolve os erros
num sacrifício Maia, onde o mais jovem prega o mais velho
e o sangue escorre no mangue, na Barra de metal que gela o pescoço cortado

e os três reis magos, os três patetas, os três profetas, de braços dados no quadro da TV
trazendo presentes, embrulhos bem embrulhados, bem caprichados,
um traz o prato, o outro o cargo, e o outro a Paes.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Canção para Altaíza

Ela que dava banho na gente
quando a gente era bem pequeno
ela que tirava piolho da gente
quanto para a vida a gente estava nascendo

ela que tinha um carinho maternal
cuidava da gente como se fosse mãe
ela que passava vinagre na nossa cabeça
pra matar os piolhos, nas manhãs

Altaíza, seu nome brilha num eco pelo pátio da memória
Altaíza, altiva e humilde luz que traz o som do coração
da batida de coração, em um coração de mãe, coração de criança, coração de mãe, coração, dança

ela que preparava o penico para o exame de fezes
ela que dava bronca na gente, às vezes
porque a gente às vezes era levado
fazia coisas mal-criadas

se você coubesse numa canção, Altaíza
ela seria do tamanho exato do coração
se você soubesse o quanto de fato, ameniza
lembrar das tuas mãos catando os piolhos, do coração

limpando o nosso coração dos piolhos do mundo

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Ouvindo Villa-Lobos

Ah! Já me disseram que sou louco,
já me jogaram pelos cantos, cantos,
não conseguiram firmar o nobre pacto, não conseguiram filmar o momento exato
que o barco cruzou o sacro/simulacro da cidade dos índios

Ah! Já me disseram que sou anarquista
por sonhar otimista a vitória da vida
por abrir os caminhos na floresta narcisa
eu que invadi os campos da História, pelos rios da memória
eu que me vesti de folclore, que preferi o acorde dissonante da morte
eu que cantei as glórias das notas fora, a cidade, as palmeiras, as corredeiras

Ah! Já me disseram que sou Glauber, que esqueci de olhar para a frente
eu que já não reconheço nenhum parente, pelas janelas da minha alma
passeando docemente, a morte escondida nos dentes, de Milton Nascimento nasce o sorridente e lento lamento indecente lindamente escondido nos dentes, nos dentes, nos dentes

Ah! Já me disseram que sou louco, já me puniram pelas formas, pelas normas, já me sonharam, já me roubaram tesouros, já me criaram como outro, já me sonharam envolto em lágrimas

peixes do rio Amazonas que não é o rio que passa na minha aldeia
no meu Rio de Janeiro, no meu rio de Gabeira, já me abriram a esteira da paisagem

e o que vejo é a passagem

para a VIDA.

Ouvindo Bach

A pura forma invade o pensamento
O pêndulo lento do Sol ao girar em torno da Terra
aquela forma bela
o solo, o Sol, aquarela feita pelos sonhos

pura fonte de formas
bruma fonte das horas
forma o tempo e o espaço
forma a fonte que nasce
que brota da própria forma
simbiose torta, perfeita, humana

A pura forma invade o pensamento
que desatento se transforma
em própria forma sólida, ocupa lugar no espaço dentro do pensamento
que se desvia de novo em constante movimento
aos céus, aos mar, ao novo milênio

Não há silêncio se não a forma
se sentir ao mesmo tempo que a nota chora
a nota que está atrás da nota, que isoladamente se esgota, entre as formas de desvio de rota
a frota marítima do concerto, o centro vazio de fora para dentro

triângulo cujo vértice esquece qual lado se veste de preto qual se veste de branco
o sonho azulado, a noite vermelha, o sangue laranja a cor perfeita

dentro da melodia a palavra que se exprime extingue o sentido, dentro da melodia a expressão do movimento que foge da sensível, dentro da palavra em fuga de sua vida perdida melodia, dentro do sentido que melodicamente se ex-vai pela rua sem saída que liga ao pensamento, nesse exato momento que pensamos escutar a melodia de dentro, se sublima, se sublima, se sublima

a pura rima

Ouvindo Mozart

Por entre as escadarias dos palácios
que existem dentro da gente, coração em formato de espiral
escuto as vozes de teus sonhos, trombetas retumbantes refazendo as arquiteturas
cada silêncio é preenchido pela vontade de conhecer Deus
de entender Deus, e a música

toma conta do meu sangue, alquimizado em paredes pintadas
pinturas sacras, sorrisos profanos, simbolismo barroco

o movimento dos corpos no salão, é uma dança, um ritual
de tempos remotos, antes da Humanidade, antes dos animais
mitos da civilização ocidental, que me contaram enquanto eu dormia

eu assisti o paraíso cair da Terra, na terra prometida
os olhos de fogo do último marujo ao avistar a América
os olhos de sono do mágico que encantou as caravelas
os olhos de ouro dos reis de outrora
a aurora que veio aos céus quando Zeus descobriu que estava só
entre as sombras do Olimpo

Numa missa bárbara,
os cantos se misturam com o barulho da vida lá fora
crianças vestidas de anjos, penduradas por cordas de madeira retorcida
voam pela Igreja de algum lugar de Viena

enquanto no Brasil algum índio se converte ao catolicismo

uma cruz, uma espada, um coração

Arrependa-se agora e estará salvo, a majestade o perdoará.

Mas por que? Por que te procuro nas paredes da civilização?
Tu que me procuras na parede da barbárie, tu que me seduz a escutar o cântico dos pássaros alados, dos aliados, dos prados, das pradarias da Musa

Tu que me acordas de noite, em plena madrugada, outros planetas, melodias do céu, anjos e demônios, pela noite adentro

Sonhos cósmicos

Por todos as melodias de Minas Gerais, cidades de ouro, lembranças barrocas
cabeças rolantes, república, vontade do novo, coroa real, prata, bandejas de prata

A voz dos anjos desceu aos céus e contou segredos de Deus, segredos da criação, para os homens que souberam ouvir, as promessas, futuros, a esperança da vida nova, a vitória sobre a morte

Sua majestade subiu as escadarias da memória e do futuro para conquistar as paredes do presente.

Corações em uma única nota, ressoando infinitamente dentro do mundo.

sábado, 18 de outubro de 2008

Obra

carregando nas mãos as palavras, como pedras
vai lentamente encaixando uma na outra, uma coluna vertebral,
a argamassa é o próprio pensamento
e ferramentas da idade da pedra

conduzindo peões como gado, ovelhas, de fato, algum animal
usando-os como rodas de uma bicicleta oficial, no Planalto Central
num plano, ao longe o horizonte de montanhas, talvez a serra
a concretude dos sonhos e o concreto feito de nomes
tudo jogado perto daquela parede, naquela construção gigantesca

no sorriso as marcas do futuro, passados mil anos, mil milênios atrás
nas mãos o sorriso denuncia a idade da pedra, e o sonho de água
o que sobra do cachorro quente da obra, não sobra
ficam pequenos pedacinhos de promessas

silêncios feitos de martelo, aço, ferro

arbo arbo arbo só se lê nos muros, nos sorum
a visão tem poeira e alegria de viver,
de ganhar um rádio portátil.

um rádio-despertador.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Quando eu morava na kombi do Carlos

Depois que eu saía da escola, eu voltava de kombi para a casa. Era para eu voltar para a casa, mas eu preferia viajar por todo o Rio de Janeiro, deixando todas as outras crianças em suas respectivas casas. Dormia na kombi do Carlos, para depois ir para o inglês. Era só de tarde, umas 17 da tarde, e eu saía 12 da escola. Ouvíamos roquenrol lá, alto pra caramba. Colocávamos o cd do Led Zepellin, Genesis ou Black Sabbath e pulávamos de cadeira em cadeira. Como num show de rock. Era bonito ver da janela o mar, quando a gente passava em São Conrado (tinha um garoto - chamado Conrado - que morava lá) ou na Lagoa. É legal quando o Sol bate na água, parece que são várias estrelas brilhando. Eu já até deixava minhas coisas na kombi. Tinha um par de tênis meu que já ficava lá atrás na kombi. O Carlos era maneiro. Disse que já tinha ido num show do Led Zepellin em Londres, em 70 e porrada. Dizia que ouvia Genesis com as namoradinhas. A kombi também foi o local onde primeiro se tocou o primeiro cd do Fênix. Fênix era formado por eu na guitarra e voz, André no teclado (fazendo o baixo) e Dan na batera. Quando gravamos esse primeiro cd, colocamos no som do Carlos, parado na frente da escola, na hora da saída. E colocamos bem alto. Juntou um pessoalzinho para ver. Ficava perto da barraca de cachorro quente. Aliás, era 1 real o cachorro quente. Era bom.

domingo, 12 de outubro de 2008

Dia das Crianças

Hoje é Dia das Crianças. Pensando bem, não foi à toa que comecei a escrever sobre causos da minha infância. De certa forma falar sobre a infância me faz pensar sobre o presente, sobre mim mesmo. Tentar entender, ou não, mas mostrar para mim mesmo como está a minha criança, é saudável. Como se eu carregasse um filho dentro de mim mesmo. E esse filho sou eu. Como se existissem duas pessoas: o pai, aquele que está na correria das coisas, na pressão do dia-a-dia, agindo quase sem pensar; e outra, a criança. Oficialmente, quem cuida da criança é o pai. Mas, de fato, é a criança que ensina lições. Quando o pai está ausente, a criança acaba crescendo, e o pai, acaba virando uma criança, solitária. Quando há cuidados, os dois tornam-se duas crianças, melhores amigos. Amigos de infância.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Rei do Paredão

A turma estava voltando de uma excursão. Aquele ônibus lotado de crianças, bagunça, André roubou pão na casa do João, não sabe cabeça de E.T, fofoca, galera de trás, nerds na frente falando com a professora. Tínhamos visitado um museu da H. STERN, uma famosa rede de jóias. Depois de descarregar aquela criançada, como uma boiada entrando no pátio da escola, tive a idéia de criar um jogo. Na verdade adaptar um jogo já existente, criando regras, numa espécie de campeonato, com características próprias. Chamou-se "Rei do Paredão". Para quem não conhece, o paredão é um jogo. É uma arte. Baseado nas antigas técnicas do squash, misturado com noções de tênis, e adaptado para a falta de recursos de um país subdesenvolvido, o Paredão só necessita de uma bola e uma parede. Quica-se a bola, batendo-a na mão, e ela bate na parede e volta a quicar. Quando esse ciclo falha, a pessoa que falhou sai do jogo. Pois então, adaptando esse tão cultuado esporte colegial, concebi um campeonato extenso, duro, difícil. Somente o maioral poderia alcançar o título de "Rei do Paredão". Era uma competição cativante. Logo no começo, quando todos estabeleciam seu lugar na fila (para bater a bola), a emoção já estava a mil: "Primeiro"! "Segundo"! "Último"! "Quarto"! Criou-se uma rivalidade tremenda entre os jogadores mais assíduos do esporte. E cada um tinha a sua habilidade especial, sua arma secreta. Diego tinha a sua "asa de águia", uma jogada dificílima de pegar, onde a bola varava o chão numa altura mínima e velocidade máxima. Eu tinha as famosas "deixadinhas", jogadas desconcertantes, que exigiam a extrema atenção e preparo físico do adversário, pois obrigava-o a literalmente dançar o twist para pegar. E tinha o André. André, por sinal, entrou para a história do Rei do Paredão. No Hall dos Grandes Esportistas do Rei do Paredão, André, definitivamente, está no topo da lista. Foi Rei do Paredão umas 14 vezes. No mínimo. O golpe mortal do André era a "porradona", uma bola que quase caía do outro lado do muro da escola. Penei muitas vezes para pegar. Muitas vezes caí antes. Jogava-se o sangue. Jogava-se com o coração. Partidas emocionantes transformavam a escola, por algumas horas, em estádios olímpicos. Nós, virávamos heróis do esporte, lutávamos contra o nossos próprios limites físicos e psicológicos para desfilar o melhor do paredão para os amigos e pras meninas, é claro. Elas também entravam no jogo. Mas na medida que o bicho ia pegando, inevitavelmente teriam que sair. Não agüentávam as "asas de águias", as "deixadinhas" e principalmente as "porradonas". Suor rolou por aqueles pátios cinzas e azuis. Como um antigo professor de eduação física me falou, antes do treino de basquete: "Nessas paredes, 'glória' se escreve com sangue e suor".

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Uma brincadeira chamada "Amigo"

1994. Senna ainda estava vivo. A seleção, não me lembro bem, era tetra, ou não. O que eu me lembro é do Leblon. O Leblon tinha um charme, uma coisa praiana, picolé Itália de côco, com pedacinhos da fruta perto do palito. Tinha o cara do Dragão Chinês, com sua voz inconfundível. Tinha o cara das balas com o "teleque-teque", aquele pedaço de madeira com um metal que faz barulho. Eu morava pertinho da praia. Era um japonês moreno, ensolarado, quase um havaiano. O legal era brincar na areia e no mar. Gostava de pisar naquelas areias que ficam duras, quebradiças. Era gostoso, aqueles quadradinhos, tipo gelos de areia, para esfarelar com os pés e com as mãos, com a surpresa de talvez encontrar uma daquelas joaninhas de areia, que eu chamava de fumiga. Geralmente eu ia com a minha mãe. Mas gostava de ficar meio solto. Corria um pouco. Me perdia às vezes. Tinha que achar o salva-vidas, já chorando, com o coração na boca. É porque a maré sempre leva, e a gente não percebe. A melhor brincadeira era o "Amigo". Antes de falar sobre essa brincadeira, me lembrei de outra, que foi uma espécie de protótipo da "Amigo". Era uma espécie de videocassetada, tinha um apresentador de tv, que era eu mesmo, falando sobre o mar. Ele ficava um pouco antes de onde as ondas quebram, falando sobre o mar naquele dia. Como se fosse uma mulher do tempo dos telejornais, só que era um homem, falando das ondas. Fingindo que não estava vendo, ia falando que o mar estava tranqüilo, até ser engolido por uma onda, e levar caixote. Geralmente eu engolia areia. Em vezes mais extremas, levava uns arranhões. Era engraçado. Como se tivessem filmando aquele momento e flagraram um repórter sendo pego pelas ondas. Na época era engraçado. A brincadeira "Amigo" era semelhante. Mas tinha uma diferença crucial: necessitava de outra criança. De preferência, um menino de rua, ou pobre, mal vestido. Um daqueles meninos que hoje eu chamaria de pivete. Pois é, eu geralmente brincava com eles. Eram os que aceitavam brincar. Consistia no seguinte: ou eu, ou o outro, íamos para frente do mar. Esperávamos a onda chegar. Quando estivesse bem próxima, com o perigo inevitável do caixote, gritávamos: "AMIGOOOOOOOOOOOOOOO!!!". O que gritou tomava o caixote e, enquanto estava tomando-o, o outro que observava de longe teria que salvá-lo, como num resgate desses que se vê no cinema. Não me lembro muito bem o que acontecia depois. Mas sinto que depois de umas três ou quatro vezes ficávamos cansados. Sem se despedir direito, e talvez nem sabendo o nome do outro, cada um ia pro seu canto. Brincar na praia. Será que nos encontraremos de novo, "Amigos" diversos? Cruzaremos por uma rua dessas, seremos colocados numa situação extrema? Necessitaremos da ajuda um do outro? Uma coisa é certa: cada um foi para o seu lado. A maré sempre leva, e a gente não percebe.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O dia em que fiquei preso na sala de cima

Era feira de ciências. Aquela agitação, crianças gritando pelos corredores, pátios lotados de experimentos bizzarros, pais em alvoroço. Um vulcão que jorrava tinta com pasta de dente. Maquetes que utilizavam gel de cabelo para simular o mar e lego para fazer pessoas. As mães, orgulhosas, passavam a mão na cabeças de seus prodígios, olha que legal, que bonito! Mas um daqueles meninos não estava com mãe nem pai presentes. Ele tinha um plano. Secreto. Afinal, estávamos em guerra, e a missão não poderia ser descoberta. O risco, morte. Juntou seus mais fiéis espiões: o gordinho, bom para distração dos guardas e inspetores, a bonitinha, boa para própria distração, o inteligente, para resolver problemas logísticos, e ele mesmo, o líder. Tudo teria que ser perfeito. Começaram a subir, um por um, a sala de cima. Um local tenebroso, abandonado, pelo menos naquele dia. De lá, os espiões articulariam o plano, a missão. Mas agora, o importante era conseguir chegar até a sala de cima. Precisariam passar por dois inspetores. Um em cada acesso. Não foi fácil. O gordinho funcionou bem, conseguindo abrir caminho para o inteligente e o líder. Do outro lado, com toda a sua malícia, a bonitinha malandramente conseguiu esperar o momento certo de subir. E lá estavam todos. Pera aí. Faltava o gordinho. Ah! Sempre ele, tinha que ser ele, ao mesmo tempo a peça chave e a peça que quebra a engrenagem secreta daquele grupo! Somente depois de alguns minutos, enquanto o restante do grupo, já na sala de cima, esperava ansioso, o gordinho, com a última de suas táticas, simulou o princípio de uma briga entre o cara novo da turma e o cara que bate em todo mundo. Conseguiu subir. Mal ele sabia que, no exato momento que subia aquelas escadas, foi visto de relance pela outra inspetora, do outro acesso. Chegando lá em cima, a glória. O gordinho estava vivo! Estava vivo! O clima de euforia tomou conta do ambiente. A sala de cima estava conquistada, pronta para o início da nova missão, tão secreta que nem o líder sabia. Corações a mil, ainda fazendo o reconhecimento tático da sala de cima, um estrondo violento vem da porta: PAHH!!! Que bonito ein! Vocês querem ficar ai, pois então fiquem!!! PAHH!!! Trancados. Estavam trancados. Foram pegos! A missão! A missão! O gordinho começa a ter um ataque de asma. A bonitinha é a única, consegue escapar antes que a inspetora fechasse a porta. Estavam lá, o gordinho, o inteligente, e o líder. Buscando desesperadamente um lugar para sair dali, o líder abriu a janela, não, não dava, era telhado, muito alto arriscado, a asma do gordinho aumentando. Enquanto isso o inteligente, sentado na cadeira do professor, com a mão no queixo, pensava. Não havia jeito de sair dali. Essa foi a sua conclusão final. Estavam presos, encurralados, para sempre. O grupo foi descoberto, a missão abortada. Era o fim. O fim de um grupo. O fim de um tempo. O fim da infância.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Linha de Montagem

um embrião
miniatura de gente
um coração
a criatura que sente

duas mãos
manipular objetos
dois pés
reconhecer os trajetos

dois olhos
capturar a imagem
calibrar a paisagem
corpo em movimento
qual a matéria do pensamento?

teus olhos
interpretar a passagem
calcular a imagem
corpo do pensamento
qual a sensação do tempo?

célula-mãe me ensinou a chorar
celular não me acordou de manhã
seu olhar tão disperso pós-moderno
seu lugar é o monitor do software

código-mãe me programou para andar
lógico sou me programei arquivar
pródigo filho me programou como pai
foge o destino de proclamar o backup

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Atrás dos olhos

atrás dos olhos
uma mão empurra a pálpebra
para que eu possa sonhar

um novo olhar, feito de visões

atrás das mãos
os olhos empurram os dedos
para que eu possa tocar

uma nova canção, feita de medos

atrás dos pés
um sorriso empurra as unhas
para que eu possa pular

um novo abismo, feito de som

meu coração byte por você
no compasso binário do zero e um
meu coração byte sem você
no espaço vazio, transpasso o destino
download do mundo

atrás da memória
um chip empurra o coração
para que eu possa lembrar

um novo compasso, defeito ilusão

sábado, 4 de outubro de 2008

Na verdade é "Síndromes e um Século"

o nome do filme

Síndromes de um Século

"joe" realmente me surpreendeu.

seu filme me trouxe uma idéia de liberdade para o cinema, para os filmes que farei, uma idéia de filmar mais sentimentos, emoções, e principalmente:

libertar a imaginação do espectador, a subjetividade do olhar do espectador.

Apishatpong aparece como um outro cinema possível.

Em "Síndromes de um Século" muitas coisas me chamaram a atenção.

A duração dos planos.

O som direto.

O enquadramento.

Os movimentos de câmera.

Os diálogos. Os não-diálogos, silêncios.

A narrativa frouxa, modal, na verdade o importante mesmo é a emoção.

De fato existe uma ligação com Antonioni, mas para além dela, há o espiritual, o mágico, o enigma.

Um filme mais de perguntas que respostas.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Eu e meu amigo Wittgeinstein

Ele disse "Os limites da minha realidade são os limites da minha linguagem"


Depois de não pensar eu digo:

"Os limites da minha linguagem são o começo da minha realidade"

Poema para Apixapong Uasetacul

sei que seu nome não se escreve assim
mas mesmo assim escreverei-o aqui
seu nome indica a sua obra
teu nome impronunciável pronuncia algo sobre a sua obra

cada plano de fundo se con-fundo com o plano de fuga
cada fuga da realidade se esconde na pura visualidade do plano
como se cada tecla de um piano se escondesse na tecla vizinha
como se cada linha se distorcesse e se encontrasse no infinito da própria reta
no mesmo plano

sindromes de um século
somos do mesmo planeta? planeta vida.
as vidas de um século, mozart, já tinha falado de mozart, está lá na vida
como disseste na entrevista
o olhar como novo estatuto da imaginação

o novo do teu cinema é realmente novo porque é realmente vivo

uma tailândia de mágica, um cinema de mágica
uma tão grande mágica do tempo e do espaço
uma tailândia de imensidão verde e de concreto plástico
um tailândia que é brasil e estadosunidos
porque não é a tailândia

teu cinema é um cinema de aprendiz de feiticeiro, aprendiz de monge, olhar a vida,
contemplação, ao mesmo tempo mensagem, enigma,

enigma, inimigo da preguiça do espectador cansado, teu cinema revigora nosso olhar,
Oh!

repecurtiste em mim como sua trilha sonora em seu filme, repercutindo na imagem para além da imagem,

pois além da imagem existe outra imagem, dentro da gente, e para além dela, só o vazio,

meditação

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Amor de amorde

Amo tua mordaça
boca presa por entre as paredes do destino
amo teu menino fruto do ventrelivre
boca livre, mpb, emepebê
amo tua carcaça
tua falsa graça nas tardes de dormindo, sonhando, sonhante
sonambúlico amor de amorde
amor de amar-te. deamo, d'ammart

cada pedaço do teu silêncio me silicona de silício
como um chip de batatas chips mordidas na boca-a-boca
amo tua batata da perna, tua pernóstica vontade de vida, desvia
transvia da tranviada, juventude no coração

amo tua presença de antíqua, tua saudade do que ainda não é
um acorde bonito, um precipício, Noel, a rosa

amo-te de noite, te deum de Mozart. muzzarela na pizza, pista de dança
amo a tua dança davida, david e golias, gigante amor, garante dor

cada amor de amorde

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

CD de Choro

Entrem nesse link e baixem um belíssimo cd de choro,

com a primeira música arrebentando geral:

"pedacinhos do céu" com "o cara" no cavaco.

http://musicaecerveja.blogspot.com/

domingo, 28 de setembro de 2008

Cavaquinho


Meu amigo Ribamar acabou de emprestar-me um cavaquinho!

Agora sim, juro, irei estudar chorinho, samba, a escola brasileira de música popular.

A grande escola dos músicos desse país. Irei estudar, já estou estudando.

Em breve, postarei aqui no blog, o link no youtube onde tocarei "pedacinhos do céu" de Waldyr Azevedo.

Chora, chora, cavaquinho
chora, chora, cavaquinho...

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Moviemento

como cinema vivo eu te enrolo de filme
e movie mente o corpo fílmico em movie mento
o pensamento foge corre contra o tempo
como num filme de ação do século mal-passado

como o cinema com os dentes do pensamento
o seu dilema de ser ético ou ser-imônia
o espetáculo de sonhar bem acordado
o corpo atado nas cadeiras da insônia

cin - é - isso - nemas - tê - ria - baixo

moviemento

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Chama



essa chama
essa pequena chama
queimando na vela
não é metáfora
não é bela
essa chama
não chama
não tem nome
é antes
o ato de olhar
a chama
que, de fato,
é chama

sem nomear
sem buscar entender
pois as palavras são como vento
vão como vento
vãs quando tentam
apagar a chama
envolvê-la com palavras

sem pensar
você apenas é
a chama

chamamahc
chamamahcha
chamamahcham
chamamahchama

até que

ama

sábado, 20 de setembro de 2008

Pasmoderno

fico pasmo com a velocidade das coisas
ando lento ando lendo pouca coisa
as palavras vãs de vento e polpa
fruta pouca frui da casca da cidade

caminhando pelas ruas da minha casa
vou perdido vôo por cima das idéias
indo baixo do bairro todo toda praça
é do mundo todo muito grande pouca fala

tanta máquina passeando livremente
livre mente em livros falsos indecentes
web desse ai web desse ai desenha o eterno

o éter tenro preso ao terno executivo
tívole parque porque na vida eu pasmoderno

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Desculpas em grande estilo

Desculpem, meus milhares de leitores pelo Brasil e ao redor do mundo.
Estou há 4 dias sem escrever aqui, por motivos de trabalho, gripe, cansaço, tá bom,
preguiça também.

Volto então em grande estilo:


a desculpa morreu de culpa
quando andava adulta em cima da corda
bamba, subiu nos sonhos, caiu da
culpa a cor da corda fugiu e virou céu
é a culpa do sonho do homem que subiu o céu

a frase perdida, nesse grito de caída,
ao som do mar e a luz do céu de chumbo,
como a cor da corda a cor da corda, acordaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!

bum, caiu eu sei, eu vi no chão a marca com fita crepe

o rap descontruí-se no í-se do disse me disc

foi se embora pra bem longe de Minas Jornais

estampado nos pés daquele malabarista
a história de cem anos de sol e dão
até hoje cordas de várias cores para se enforcar depois
de se desequilibrar e cair no não

o som agora foi seco como vertigem caindo em pétala de pão
como papelzinho jogado da janela quando tem passeata no centro
quando a faca corta o bife e o coentro
quando o silêncio corta o salão quando ela passa, a desculpa

de olhar a calcinha dela que passa distráida a culpa
sonhando acordada com o dia que será deflorada
depois do baile de formatura
a ditadura da desculpa, sozinha no altar, na imagem que a mãe lhe dizia

cuidado minha filha com a fila que te esfria a Frida

calo! disse a culpa pensativa, o sonho adormeceu na barriga
quase como quando o pão dormingo xinga a padaria

se pelo menos o mais dessa paixão platônica
se concretiza-se nas paredes de São Paulo, concretista, quase de aço
Oh! desculpa que pulsa nas veias da cidade, da cidadania que faço, daci ribeiro, daci
se fosse apenas um pulo um
salto
pra
baixo

caía pra linha do horizonte em falso

a culpa de tanto corpo caindo
tocando no chão se des-culpam

crupiê do cassino cacique das tribos das palavras

how much is your dream?

"eu valho a pena quando a calma é serena"

desse a culpa

domingo, 14 de setembro de 2008

Noite de Chuva

hoje a chuva
há chuva pelas janelas da cidade
há idade
pela chuva da paisagem
cai e age
como chuva na janela
até que é bela
hoje a chuva se encerra
enferruja a casa dela
garagem da minha solidão
hoje a janela deixou uma brecha
uma gota dessa chuva
dilúvio, dilúvia,
de noite essa chuva espurga
a noite, da sua própria fluidez
foi às dez, da noite
que o céu se abriu brilhante
sem chuva, e as nuvens dessa lua
sussuram a fuga dessa chuva que passou
na noite quase nua
me lembro da sua
cara redonda feito a chuva
chorando de amor

sábado, 13 de setembro de 2008

Aliás

Aliás, uma interna me abordou e disse:

você é da Seleção , né? gosta de jogar bola

(eu tava com uma camisa tipo a de futebol, com numero atras, amarela)

- ah, gosto sim

você parece aquele jogador, aquele que joga bola na seleção

- ah, é? quem

é aquele, o Kaká!

- caramba! ah , é? então eu ganhei o dia hoje, caramba, tô bem!

Tupi, o papo, o Pinel, o campo.

Ontem, por acaso (não existe acaso), estava no refeitório da reitoria da Unirio, indo almoçar, e encontrei meu amigo (amigo?) Tupi, amigo do meu primo.

Diferentemente daquelas conversas de oi tudo bem beleza depois a gente se fala tchau, começamos a conversar sobre os assuntos mais variados e metafísicos. Como se algo precisasse ser dito entre nós. Como se tivessemos marcado de bater um papo.

Nunca chegamos a nos conhecer direito.

Apenas nos encontramos algumas vezes, ele já tocou violão na casa da minha vó, e fizemos uma filmagem, há bastante tempo atrás, onde eu era um terrorista japonês.

Lembro que ao pular no tronco de uma árvore, joguei farpas no olho do Tupi, que estava deitado no chão.

Conversamos no campus da UFRJ. Ele está fazendo psicologia. Andando e conversamos, fomos parar numa área do Instituto Pinel, que trata de "doentes mentais". Nunca tinha entrado lá. Nesse lugar específico era como uma vila.

O bonito é que tinha jardins, árvores, e plaquinhas pintadas pelos internos com escritos e desenhos:

"o EU é essa árvore"

"precisamos é de injeção de alegria"

depois entramos no tal "campinho" do pessoal da ufrj.

É um lugar bem grande, com vários campinhos de futebol, com árvore, grama, estava rolando um pagode com os funcionários, era sexta, futebol, cerveja, pagode, crianças, enfim, Rio de Janeiro.

Às vezes, por caminhos mais inesperados, oportunidades aparecem de se comunicar, contactar pessoas e lugares que, por alguma razão, precisavam desse contato.

Um stop.

Pensar um pouco o que está acontecendo.

Desacelerar a vida que já não é sua, para voltar a engrenar em direção aonde se realmente deseja chegar.

"o Eu é essa árvore"

Às vezes penso que minha missão é jogar farpa nos olhos dos outros para eu mesmo enxergar melhor.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Coração Digital

Meu coração bitrate por você
no compasso binário de zero-e-um
dar-te-ei um free download
frio de longe deleta-se
chat-o mesmo é não poder te tocar

Meu coração só reconhece seu pendrive
conexão acelerada na internet
na web cão eu me babo na tua cam
se tu me bit eu vou te byte
uploadeio no youtube o telecat

Meu coração escreveu no blog um poeminha
falando o quanto pode compactar o nosso amor
em mil formatos, tanto mac ou pc
meu coração tá com um tilt por você

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Aprendiz

penso no silêncio que deixaste para contemplar
tenso no momento que deixaste de contemplar
penso na contemplação do teu pensar-silêncio
tento imaginar-te lutando palavras, gozando o tempo

fígado ferido que enferruja o signo
ligado feito feto tirando o sono do choro
tento imaginar-te finjindo o humor maligno
finjo tua memória do tumor do destino

sinto como quem bebe da mesma cerveja de mal-te
tinto, tonto, titubeio as sílabas do perdigoto vadio
mijo, cago, o gozo da linguagem no próprio exprimí-lo
paulo, leminski, te aprendo textualmente vivo

O RESTO IMORTAL



Paulo Leminski, 1944-1989

Queria não morrer de todo. Não o meu melhor. Que o melhor de mim ficasse, já que sobre o além sou todo dúvidas. Queria deixar aqui neste planeta não apenas um testemunho de mi­nha passagem, pirâmide, obelisco, verbetes numa obscura enciclo­pédia, campos onde não cresce mais capim.

Queria deixar meu processo de pensamento, minha máquina de pensar, a máquina que processa meu pensamento, meu pensar transformado em máquinas objetivas, fora de mim, sobrevivendo a mim.Durante muito tempo, cultivei esse sonho desesperado.Um dia, intuí. Essa máquina era possível.

Tinha que ser um livro.Tinha que ser um texto. Um texto que não fosse apenas, como os demais, um texto pensado. Eu precisava de um texto pensante. Um texto que tivesse memória, produzisse imagens, raciocinasse.

Sobretudo, um texto que sentisse como eu.

Ao partir eu deixaria esse texto como um astronauta solitário deixa um relógio na superfície de um planeta deserto.

Claro, eu poderia ter escolhido um ser humano para ser essa má­quina que pensasse como eu penso. Bastava conseguir um aluno. Mas pessoas não são previsíveis. Um texto é.

A impressão do meu processo de pensamento não poderia estar na escolha das palavras nem no rol dos eventos narrados. Teria que estar inscrito no próprio movimento do texto, nos fluxos da sua dinâmica, traduzindo para o jogo de suas manhãs e marés.

Um texto assim não poderia ser fabricado nem forjado. Só podia ser desejado.

Ele mesmo escolheria, se quisesse, a hora de seu advento.

Tudo o que eu poderia fazer nessa direção era estar atento a todos os impulsos, mesmo os mais cegos, nunca sabendo se o texto está vindo ou não.

Era óbvio, um texto assim teria, no mínimo, que levar uma vida humana inteira.

Na melhor das hipóteses.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Bonsai:niponização e miniaturização da poesia brasileira

Paulo Leminski

Felizmente, não se realizou a profecia de Rudiard Kipling: "o Ocidente é o Ocidente, o Oriente é o Oriente, jamais se encontrarão".
Por desencontrários caminhos e variadas encontrovérsias, Oriente e Ocidente, cada vez mais, trocam sinais, apressando a unidade cultural da espécie humana, agora, em velocidade cibernética.
Todos os homens são, enfim, herdeiros da produção cultural de todos os homens, de todos os povos, de todas as épocas.
Os indus são meio ingleses. A China adota Marx, e o chineseia. Os beatniks e os hippies da Califórnia e do mundo descobrem o continente-zen.
A Ásia incorpora a tecnologia e a ciência européia. Mas o Ocidente é inundado pela yoga, pelas artes marciais, pela macrobiótica, por técnicas de massagem, pela acupuntura, pelo I Ching, pela ginástica "tai-chi", por mantras, tantras, nirvanas, "gurús" e "hare-krishnas".
No plano horizontal, a influência do Ocidente, infinito da técnica, de horizonte a horizonte, como esta frase que escrevo, na horizontal, da esquerda para a direita.
O Oriente, o vertical, o mergulho nos abismos dos signos ancestrais, os mantras, o inconsciente coletivo, a "alma", o universo esquecido, lá em baixo (na escrita chinesa e japonesa, as frases são escritas de cima para baixo).
O Japão é o olho-de-ciclone do entrecruzamento Oriente/Ocidente, horizontal/vertical.
Estranho de tudo é que as mais recentes conquistas da arte ocidental coincidem com características da arte japonesa mais tradicional:

- "montagem atrativa" (Eisenstein): ideograma, nô, kabúki;
- "distanciamento épico" (Brecht): Nô, kabúki;
- "port-manteau-worlds", montagens verbais lewis-carrol-joycianas: "kakekotoba", as "palavras penduradas", da literatura japonesa (Nô, waka, tanka, senryu, hai-kai);
- música "minimal" (Glass): música japonesa tradicional;
miniaturização e síntese poética (e. e. cummings, Pound, Wiliam Carlos Wiliams, Oswald, poesia concreta) hai-kai, waka, tanka.
- linguagem analógica, ideogrâmica, não discursiva (Mc Luhan, poesia concreta).
No Brasil, a primeira influência direta da poesia japonesa parece ter sido sobre os Modernistas de 22, através de traduções francesas.
Guilherme de Almeida, nos anos 20. fez os primeiros "hai-kais", adotando as três linhas (versos com cinco, sete e cinco silabas), mas introduzindo um artificioso e maneirista sistema de rimas, que não existem em japonês (o super-ego parnasiano do soneto era muito forte.
Oswald de Andrade, amigo e parceiro de Guilherme, deve ter tirado do hai-kai a idéia para seus "poemas-minuto", milionários segundos de ultra-informação.
O ideal de brevidade advindo do hai-kai não morreu com 22. Encontramo-lo no Drummond, em cujo caminho havia uma certa pedra.
Ou no Drummond, que se perguntava: "Stop. A vida parou. Ou foi o automóvel?
O imagismo do hai-kai ainda compareceria na poesia altamente icônica de Murilo Mendes. Ou na do isolado Mário Quintana.
A soneteira e soporífera Geração de 45 demonstrou todo o seu baixo repertório, ignorando-o.
Nos anos 50, a palavra "hai-kai" é incorporada ao vocabulário brasileiro, através do humorista Millôr Fernandes, que popularizou a palavra entre nós. Millôr é autor de inúmeros hai-kais notáveis.
Nessa mesma década, em S. Paulo, a poesia concreta proclamou a excelência do "pensamento ideogrâmico", como método de composição poética. E começou a praticar uma poesia breve, sintética, anti-discursiva, verdadeiros hai-kais industríais.
Nos anos 70, por fim, a garotada da "poesia marginal" ou "alternativa", crescida com manchetes de jornal, frases de "out-door" e grafittis nas paredes das cidades que inchavam, começou a fazer hai-kais, até sem querer. Waly, Chico Alvim, Chacal, Régis, Ana Cristina César, Alice Ruiz, todos o fizeram. Fazem. E farão.
Hai-kai é o nosso tempo, baby. Um tempo compacto, um tempo "clip", um tempo "bip", um tempo "chips".
Essas brevidades lembram aquelas árvores japonesas, as árvores "bonsai", carvalhos criados dentro de vasos minúsculos, signos de seres vivos, produtos da arte e da paciência.
"Hai-kai" é "bonsai" da linguagem.
Explique quem puder. Os japoneses já estavam lá.

in Revista Ímã, Espírito Santo, Brasil, nºIII, p. 37/38.

http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/ensaioPL5.htm

Algumas idéias de Stanislavksi

Através de debates em sala muito interessantes, e leituras de trechos dos livros de Stanislavski, começamos a estudar a direção de atores, suas especificidades e importância num trabalho audiovisual, seja ele ficcional ou documental.
Apreciei a abordagem que mesclava conceitos das artes e da fotografia. Ajudou na melhor compreensão dos modos de representação, pois associamos com noções já estudadas: Barroco, Clássico e Moderno.
Stanislavski e seu “sistema”, podem ser considerados os grandes expoentes do teatro realista, clássico, bem como a escola de atuação em cinema derivada desse sistema: o Actor’s Studio nos EUA.
O “sistema” de Stanislavski, importante frisar, não era nem é para ser interpretado como A verdade, O método, rígido, inflexível. O russo sempre fez questão de afirmar o caráter de ferramenta maleável de seu sistema, que deveria ser adaptado para as necessidades de cada ator. Um guia seguro, sujeito à transfomações, para o auto-conhecimento das possibilidades do ator. Um processo que deve fornecer bases para o estudo da interpretação.
Debatemos em sala alguns conceitos chave:
- Para uma caracterização física
- Vestir a personagem
- Personagens e tipos
- Tornar expressivo o corpo
- Unidades e objetivos
- Superobjetivo

Para uma caracterização física

Quais as ferramentas de trabalho do ator?
Seu corpo, sua voz, suas expressões, seu jeito de andar, de falar...enfim, toda sua fisicalidade.
Como potencializá-las?
O ator deve conhecer seu corpo, ter o domínio de suas possibilidades e buscar expandí-las sempre.
Stanislavski nos chama a atenção para a importância do trabalho físico do ator, a caracterização física do personagem. Cada ator deve desenvolver uma caracterização exterior utilizando, seja sua vivência real, ou a imaginação, conforme a sua intuição, e observando a si mesmo e os outros.

Vestir a personagem

Contando-nos sobre uma “mascarada”, onde todos os atores de sua companhia se caracterizavam com figurino e maquiagem, Stanislavski demonstra como conseguiu encontrar em modo eficaz de entender o personagem e dar corpo e voz a ele: “Dividi-me, por assim dizer, em duas personalidades, uma permanecia ator, outra era um observador.”
Interessante essa via de mão dupla para se entender um personagem. O estudo parte de um processo interior, do entendimento do texto, e ao mesmo tempo, ao vestir o personagem, fisicamente, a criatividade e a intuição trabalhadas corroboram para uma melhor caracterização. O exterior moldando o interior.

Personagens e tipos

Podemos observar nas novelas de TV algo que Stanislavski já analisava. Com reduzido tempo de preparação, e muitas cenas para gravar, os atores geralmente se utilizam dos recursos próprios mais fáceis, muitas vezes alterando o persongem para se adptar ao “encanto pessoal”.
Para entender os tipos de personagem, é útil pensar em graduações, níveis de representação, para achar os que melhor se adequem ao personagem, evitando exageros, ou inverossimilhanças. Um trabalho realmente de desconstrução do corpo e voz do ator, para que ele domine e molde o personagem, buscando dimunuir a influência de suas características pessoais (do ator).

Tornar expressivo o corpo

Stanislavksi valorizava bastante o trabalho de corpo do ator, seja com a dança, exercícios, percebendo a necessidade básica da atuação: tornar expressivo o corpo.

Unidade, Objetivos e Superobjetivo

A obra (teatro/cinema/tv) pode ser dividida em diversas unidades, para o melhor compreendimento do ator.
O personagem tem um objetivo principal. Algo o move, o faz agir (mesmo em filmes do Antonioni – mas estamos falando de atuação clássica e filmes clássicos, inicialmente) consciente e inconscientemente. Tem um Superobjetivo que o guia em todo o filme. Mas, até alcançá-lo, ou não, ele passa por vários objetivos menores.

“O objetivo é que lhe dá confiança (ao ator) em seu direito de entrar em cena e lá permanecer.”
Como exemplo, falamos em sala sobre um personagem que tem como objetivo sair da UFF e ir para casa. Podemos dividir, ou seja, decupar (num raciocínio realmente análogo à montagem) as ações: o personagem levanta da cadeira, abre a porta, sai do portão da UFF, anda na rua. Sem se desligar de seu objetivo maior: chegar em casa.
Chegamos a brincar que se ele estivesse, ao invés de indo para casa, indo para a aula de manhã na UFF, sua atuação seria completamente diferente, pois seu objetivo era outro.