terça-feira, 27 de abril de 2010

essa vontade

essa vontade de ficar parado

essa não-vontade
de ficar parado

de se parar
separar

do mundo
das estrelas
da janela aberta
do sonho

essa saudade de sonhar
que vem
inexplicavelmente
em todos os segundos da minha
vida

em todas as vezes que eu me apaixono

sempre que eu tenho sono
eu me sinto mais acordado
para a vida

essa vontade escondida
de me mostrar

por inteiro
puro
puteiro

essa vontade de nunca mais voltar

domingo, 25 de abril de 2010

Exercício de Desentranhamento da Vida - 1 (sem revisão)

pessoas elaboram fazendas
fazendo poemas de coisas pequenas
enquanto o sol se põe
e põe na memória um desejo

poemas fazem pessoas
na minha cabeça
nascem bebês rindo

foi nas paredes da escola?
foi nas paredes da creche
escalar os muros da memória
e morrer um centímetro a cada salto

seria preciso desenverter os fatores do tempo
pular e pular e pular a cada invento
cada brincadeira dança das cadeiras
dança

eu te vejo com olhos abertos e mãos desembaraçadas
girando no pátio
segurando um sanduiche
driblando as minhas promessas de juventude

cachorro quente
a gente foi feito num jogo
onde o vencedor num tem

a moça do cachorro quente
a moça da cantina
a fala errada
silêncio lambuzando nossas mãos
saudade gritada com uniforme suado
você me olhando de lado
enquanto o beijo se possuia

era você ou era ela
era menina era mulher
pegar a areia com as mãos
pegar nas mãos cobertas de incertezas
e fabricar sonhos sólidos

eu só queria a lua
o sol
as estrelas

você só queria um beijo
uma transa
uma gozada
duas gozadas
três gozadas

teus olhos filmam o meu tato
fogo fato feto filosofia fado
virgem sem vírgula
vagina aberta insígnia
virgo

as palavras percorrem o sangue
derretido
seria um gosto de sol
uma fibra do coração
involuntariamente
sentido

você explodiu a minha cabeça
jimihendrix na guitarra preta e branca
volume máximo de volúpia
grita e geme e grita e geme e pula e treme
e trina o canto o canto da boca e louca e brusca
a buça ofusca a fuça a tua música e minha musa
a brisa nua que a janela refletia
em teu seio surdo aos meus apelos
e pelos e pulgas
e primas sinas e sonhos

quero ver o teu sorriso encharcado de sol

era na holanda era?
ou era a tua dança solitária no quarto escuro de olhos fechados e mudos
era uma flutuação dos planos
era um engano na tarde sangria
o sol mijando na cidade
e cidade inteira dormia

briga de galo na piscina
na vagina
na piscina da casa da amiga
briga de galo com as mãos nas coxas
ainda moças ainda nossas
ainda roxas de frio de calor de calafrio
eu apalpava tuas carnes
e vocês nem gemiam ainda
briga de galo e de galinhas
espumas flutuantes dentro das pequenas fotografias
minhas mitologias
briga de galo
festa de gala
poesias
ice kiss na janela da sala e professora velhinha
a gente escondia os sorrisos dentro de papéis de bala
e ficava apertado não mijar na sala

paredão solidão
no pátio de baixo eu pari um jogo
no mesmo lugar que você perdeu o jogo
no mesmo lugar que eu dormia no chão
no mesmo chão que você corria descalça
na mesma calça que sua bunda enchia
na mesma companhia de sempre e de nunca
no mesmo nunca de sempre

fernando pessoa pegando fogo com o pau na mão na sala de estar
previnindo a todos de que ele não estava lá
nem era ele nem o eu lírico
era um espírito
um fantasma edifício
apaixonadamente eu mordo o teu poema
e sinto o sangue palavral fluindo e escorrendo no meu corpo aberto
em pus em porra em pintura pollockiana
ferocidade ferro cidade pelo cimento desse poema vou construir uma revolução

nem a bíblia nem a história
foi a poesia que trouxe o big bang
um universo numa casca de nós mesmos
filho da puta do pessoa
das pessoas todas
que usaram esse corpo português feito de mitos mentiras e palavras
eu te soco
e te estupro lentamente
como quem escreve um poema com prego nos dentes

fogo muito fogo
era quando aquela
menina
a gente se via se comia
no play do prédio no play da peça na brincadeira de criança adulta
explorar os sentidos
ver com olhos ouvir com as mãos

nos plays das festas americanas
os passos se impregnavam das lembranças
das crianças que a gente iria ser quando senhoras e senhores
aqui estão todas as suas dores
aqui é o lugar de expôr as promessas do mundo
todas as memórias todas as mulheres do mundo
na pista de dança

seria uma coreografia
uma geografia nua
não consigo ouvir
não consigo escutar de tanta música
não consigo entender quem eu sou que você é
quem você somos
quem somos eu

seria uma coreografia nossa
o que dançamos embriagados pelo vento de maio
destruidos pelo fogo do inferno
pelo rock
pelados

eu assustei você de tanto eu
mas pode abrir os olhos agora
o mundo acabou
somos só simplesmente os mesmos

crianças aprendendo a nascer

terça-feira, 20 de abril de 2010

apontar o dedo

hoje, na calçada em frente a um sinal, esperando para poder passar, ao lado uma criança num carrinho apontou pra mim e disse o moço.

percebi, que a poesia, inicialmente, é esse apontar o dedo, ou melhor, é o momento mínimo antes de apontar.

ao invés de fazer algum sentido, a poesia se realiza, se mostra mesmo, quando, assim como a criança na calçada, aponta as coisas.

é simples.

coloque seu coração na ponta do dedo indicador.

agora, mantenha o braço esticado e dance.

assim que o coração começar a acelerar e seu dedo ficar vermelho.

pronto. tái a poesia.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

sussuro

lentamente,
caminhando em névoa de minha infância,
vem, passo curto e voz profana,
alcançar a tristeza da minha alegria.

atrás de mim,
como um vento que sussurra,
um cafuné nos meus pensamentos,
numa carícia de avó, tocar a poesia.

sinto uma coisa,
não sei bem o que é, o que sou,
faz os raios de mim raios de sol,
e me acordam da ilusão que é morrer.

essa poesia então,
me mata, me sobrevive, me comove,
tal força de um avião em queda,
de uma prece, de um filho a nascer.

dedilhando,
as palavras, como se tocasse violão,
chorando melodias de terras distantes,
meu coração se inebria e canta,
essas planícies distantes dentro de mim.

vejo o teu rosto,
percebo o amor presente nas coisas,
e embrulho o presente em amor e em coisas,
coisas que não podem ter fim.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

copacabana e ipanema

"copacabana é uma ipanema com preto"
ouvi falar isso um dia desses

mas copacabana eu odeio
mas é mais vivo
tenho falta de ar
mas tenho excesso de vida

ipanema é de plástico
as pessoas são de cera
os jardins são artificiais
mas tem ar
só não tem preto

falta preto em ipanema
e falta ar em copacabana
falta vida em ipanema
e falta falta em copacabana

tipos humanos todos:
um anão gigante
um japonês judeu
uma mulher com piru
um negão emo
um poodle-toy-pittbull
um gringo de havainas, regata e mulata
um mendingo empresário de celular
aplicando na bolsa

falta falta em copacabana
sobra falta em ipanema

segunda-feira, 12 de abril de 2010

a agenda

Numa papelaria familiar. O rapaz chega e vai direto para a balconista.

- Pois não?
- Oi, por favor, eu gostaria de uma agenda.
- Ah sim, temos esses modelos aqui.
- Não, eu quero uma agenda de 94.
- 94?
- Sim, eu preciso de uma agenda de 94.
- Mas estamos em 2010, senhor.
- Eu sei disso. Mas isso não muda nada.
- Não estou entendendo.
- Foi em 94. Parece que foi ontem.
- Senhor, eu vou pedir que o senhor se retire.
- Eu sei que você tem ai no estoque! Não é possível!
- Segurança!

O rapaz desfere um soco no rosto da moça, que cai atrás do balcão e começa a chorar alto.
Ele pula o balcão e sobe a pequena escada que leva para o estoque, na sobreloja.
Ao ver o segurança que fazia ronda na rua subir com velocidade a escada de madeira, o rapaz a empurra, fazendo-o cair em cima da balconista que estava a chorar.

As caixas com cadernos, lápis, cartolinas, estavam todas espalhadas.
O rapaz avista uma seção com agendas. Abre um sorriso. Para seu desespero, a única coisa que vê são variações coloridas da agenda de 2010, e umas 5 que sobraram do ano passado.

Ele senta-se no canto do cômodo. Encostado na parede, abaixa a cabeça. Retira do bolso interno do paletó uma fotografia de uma moça.

- Eu sei que você não vai me perdoar. Mas eu não consegui. Não consegui.

15 dias depois, de volta a seu quarto-e-sala, após uma moça ter pago a fiança e liberado o rapaz, ele, deitado na cama, sonhando, revira-se, e começa a gritar.

Uma moça, deitada ao seu lado, o acorda e o consola.
Ele levanta e pega uma pílula. Engole fazendo barulho.

- Como a gente pode ter saudade até das coisas que nos chateavam...
- Querida, desculpe.
- Não seja bobo. Isso não foi uma crítica. Eu já me acostumei com seus pesadelos.
- Eu não. Tem coisas que a gente não se acostuma.
- Vem dormir.
- Ok.

Ao lado da cama, na mesa de cabeceira, ela estica as mãos em direção a luminária. Em cima da mesa, uma agenda, sem capa, parece que feita caseiramente, marcando algum dia de 94.

Movimentos do escuro.
Sons surdos.
Vultos imperceptíveis.

Era a primeira noite depois do coma.


segunda-feira, 5 de abril de 2010

visita

visitei a escola onde estudei. estava ali perto e resolvi entrar.
tava tudo mais ajeitado, pintadinho, diferente de quando eu estudei lá,
quando as coisas eram mais largadas, as paredes descascando,
o chão velho e mais sujo.

para minha surpresa, a moça da cantina (que desde quando eu comia lá já
tinha passado de ser moça) estava lá, com a toquinha branca e a roupa branca.
ela tinha um problema na fala. dizia "fagango" em vez de frango.
a gente pedia para ela dizer, de propósito, só pra ver ela falando errado.

o pátio onde a gente jogava bola, que na verdade era uma gaiola, tinha desaparecido,
virado sala. eu cheguei lá na hora do recreio. tava cheio pra caramba. num tinha lugar direito,
num tinha espaço aberto pra criançada brincar. achei isso ruim.

imagina. ficar sem jogar bola no recreio?
pelo que eu vi, o recreio virou um bololô de gente meio indefinido. todo mundo em pé.
faltava alguma coisa.

acho que eu cresci, porque as coisas pareciam muito menores, mas muito mesmo.
em vários trechos eu tinha que abaixar a cabeça. numa parede de pedras, que tinha perto
da entrada, onde eu brincava de escalar, agora eu alcançava o teto só levantando o braço.

mas o pior mesmo foi ver que a goiabeira tinha desaparecido também.
a goiabeira não existia mais!
conversei com uma professora que me contou que caiu um raio na pobre da árvore, e que no dia seguinte só tinha cinza no lugar. a goiabeira! o pátio a gente chamava de pátio da goiabeira.
debaixo daquela goiabeira muitas coisas a gente aprendeu:

- lei de gravidade: a goiaba de vez em quando caía na cabeça de um. se fosse na nossa doía, se fosse na dos outros, era engraçado.

- romantismo: as meninas gostavam de sentar e conversar ali embaixo, se fosse só você e elas.

- pique: geralmente a gente usava a goiabeira como poste-pra-pique. aprendí ali a fingir a contar até cem.

- sombra: as árvores são funcionadas para dar sombra em dias quentes.

- escalar: os troncos me aguentam mas não os gordos da sala.

- germinação: a gente tentava plantar coisas na terra da goiabeira, como: milho, semente de laranja, semente de melancia, bola de gude, lápis, feijão, batata rufles....mas não cresceu nada.

- poesia: ali era um bom lugar para nada, ou seja, para poesia.


tentei olhar aquele pedaço de chão pintado e não enxergar de novo a goiabeira que costumava morar ali.
consegui não enxergar.
consegui ver nada.

domingo, 4 de abril de 2010

vi a chuva

parece que choveu até amanhã
o rio que a chuva inventa em coro com as folhas
retransbordará
nas minhas bordas
até virar sol

o cheiro da noite esteve úmido
desenhei o cheiro com um pingo dágua
o desenho é inventado
mas molhei a chuva de mim

vi a noite se esconder de mim com o rosto atrás da chuva
como a gente faz com nenê
e ele acha graça

não achei garça
as garças estavam escondidas atrás da noite
e eu não

agora estou como um voyer
vendo a chuva tomando banho
de cidade

nuazinha!