terça-feira, 31 de março de 2009

Gesto

o que desprender do meu cabelo
pode ficar pra você

o riso certeiro que comprei
de última geração

as folhas de papel verde
escritas "dinheiro"

as poeiras do meu tênis
que caminhei na rua

e tudo isso só será meu
se eu te der

Já!

quando eu me deslembro do que sabia
do mesmo jeito que o caderno de matemática
que hoje voltou ao seu formato planta
as alturas dos tetos absurdam
o cheiro das comidas gasta a barriga
ficar de ponta cabeça é mais aguentável:

ainda não tem fidelidade aquilo da imaginação e a bola
o sorvete, o teto, principalmente.

outra coisa também é enxergar palavras em vez de coisas.
isso ensopa as fronteiras
redistribui as cores, ainda mais os cinzas
é mais pra alquimia que pra ciência.
assim como mais pra feira livre que feira de ciências.

e antes que eu começe me lembrar do que estou esquecendo agora
o exercício de pular a corda ao mesmo tempo que mais três
ajuda a manter a forma física da imaginação
faz ginástica despreendendo vertigem
jogando pipoca na saudade

lá vou eu

segunda-feira, 30 de março de 2009

Silêncio

tem coisas que não dá pra fazer poesia
mesmo depois do pessoal moderno ter libertado o tema

é que tem coisas que a imaginação não consegue inventar

então o que resta mesmo é o silêncio

(que não existe)

domingo, 29 de março de 2009

Pós

antes da política

meu amor eu ví o fogo primordial dos homens da caverna

antes dos poderes

a faca no peito coagula o sonho e transforma a dor em moldura

antes dos governos

meu grito se vai num ai que não parou até agora

e antes dos sistemas

algo infinitamente eterno perdura e seu devir
sangra

depois dos ministros

o que fazer na certeza de caminhar abismos

depois dos títulos

preciso de contar algo que nem mesmo sei

depois dos bispos

99% dos alemães votaram no nazismo hoje em 29/03/1936

e depois da vida

algo infinitamente eterno perdura e seu devir
pulsa

fazem promessas

não é de pedra que se constrói um sonho

fazem memórias

um pedaço de papel, se não é poesia, só pode ser vegetal

fazem discursos

os tambores da guerra parece que tremem os vulcões e hotéis

e fazem morrer

mas algo infinitamente eterno

muda

sábado, 28 de março de 2009

Ali

esquece a vizinha:
ela é de carne e osso

se fosse poetisa
rimava osso com 2001

esquece a altura
ela é o que você vê

se fosse defeito
seria poesia

a poesia só pode estar
onde você não acha

Apague

apagamos todas as luzes da cidade
e do Cristo
e conseguimos ver a solidão
de não ver estrelas
o não-visto das estrelas
ilumina as noites
mais do que tudo
mais do que a chuva

"um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua..."

e você?

POESIALVARO

amigos,

não deixem de ler:

http://poesialvaro.blogspot.com/

um poeta e amigo

que vê o mundo

como poesia

Sonho

Estava vendo um filme no dvd
tinha uma cena bonita com o Fred Astaire
minha vó começou a falar:

- Ah! Que beleza! Meus tempos de moça!

E eu falei:

- Peraí pô! O filme!

Ela reclamou, saiu, com o barato cortado.

Mas,
imagine falar no meio de um sonho?

sexta-feira, 27 de março de 2009

Partida

naquela flutuação do entre-sono
descobri coisas sobre uma reencarnação passada

veio assim, numa sonata
cantou o meu passado

no entre-sono não sei distinguir
o absurdo e o irreal

só enxergo o que é poesia
as coisas não são coisas: estão palavras

não se pode tocá-las
só casar com elas, e umas com outras

aos pares
partem

Ação

tá bom, agora olha pra câmera e respira.

percebeu que não há nada mais doce que desvenda
lentes?
isso, um sorriso agrada um zoom.
os braços se movimentando desorientam quadros

se eu te pedisse para ser bicho
você escolheria um homem?

agora grite um sussuro
chamando a manhã pelo braço
isso, explora o sentimento das cores
olha a câmera

olha a câmera que ela está te encarando
dois bichos brigando

tá bom

quinta-feira, 26 de março de 2009

Ficção

já percebeu?
tudo passou
e a gente aqui
remoendo rimas
e unhas

já percebeu?
a voz calou
e a gente aqui
vivendo os últimos
segundos
de uma poesia

já percebeu
que somos ficção?

Tico e Zino - diálogos - capítulo 1

- Quero te dizer uma coisa, Zino.
- O quê, Tico?
- Escrevi uma poesia.
- Como?
- Escrevi uma poesia.
- E desde quando você deu pra escrever poesia?
- Não sei, simplesmente tive vontade.
- Vontade...Deixa de besteira e me ajuda a amarrar o braço desse merda!
- Zino
- Que que foi!
- Zino, não quero mais fazer isso não.
- Puta que pariu! Cala essa boca e me passa a silver tape!
- Zino, eu quero ser poeta. Acho que descobri o meu verdadeiro dom.
- Tico, o teu 'verdadeiro dom' vai ser a porrada que eu vou te dar com isso aqui! Agora pega a faca pra mim!
- Eu to cansado disso.
- E eu to cansado das merdas que tu fala! Você tá nessa porque é o melhor, quer dizer, o segundo melhor. A gente é A Dupla não é à toa não! Mas eu to começando a me arrepender de ter ouvido o Chefe. Ele bem que tinha falado que tu não batia bem da cabeça.
- Eu sou louco.
- Puta merda...
- Eu sou realmente louco. Porque a poesia é a arte da não-razão. A arte da loucura.
- Caralho...

Sirenes e latidos ferozes. Carros derrapando. Armas sendo carregadas. Estrondo na porta do galpão:

- Polícia!!!

Tiros...


(continua no próximo capítulo)

terça-feira, 24 de março de 2009

Quântica

você caminha na calçada:
a cidade improvisa um jazz
com seu corpo

goza a catarse dos teus cadarsos livres
você pula um cocô de cachorro
com a plasticidade de um Nijinski

e quase não toca os pés no chão
nem de força, nem de suavidade:
é pura juventude

o tempo brinca de esconde-esconde
nos intervalos de seus saltos
no terreno entre teus seios
o desequilíbrio do mundo se ajusta
e eu perco o juízo das coisas

as ruas fazem um solo de silêncio e luz
a noite escorrega na tua camisa
o movimento, não conseguimos medir

sem alterar

segunda-feira, 23 de março de 2009

Paralelas

outro dia desses
encontrei no meu olhar
outras praças de cidades
pequenas outras gramas

no teu uniforme escolar
um resto de honra
no teu gesto ao escovar os dentes
um abrigo

é engraçado como a gente foi se encontrar
num dia desses
na Cobal do Humaitá
há alguns anos atrás

se tudo tivesse sido tão certo
teria dado errado

mesmo com todas as promessas de paz
o mundo pode acabar (menos nós, imortais, deuses)

as pessoas que ferimos
só podem ser curadas com doses homeopáticas de poesia

as pessoas que éramos
só podemos deixar de ser

os computadores ainda criarão cidades
e vão compôr música

deixaremos de lado os lados
e cruzaremos paralelas

SOMESENTIDO

Amigos, gostaria de abrir aqui o espaço para um grande amigo meu, poeta e músico Rafael Sperling.

A musicalidade poética/poesia musical que ele desenvolve merece uma atenção especial.


leiam: somesentido.blogspot.com

um abraço

Melancolia

melancolia é tristeza de barriga cheia

domingo, 22 de março de 2009

Poesia é algo sujo

fico inventando caminhos
nas interseções dos ladrilhos do banheiro
inventando e só me perdendo
em todos os caminhos que não inventei

sentado no vaso sanitário
eu sou ainda mais humanitário
- defecar de certa forma é amar
e tenho todos os dias de minha vida

se eu fosse esse simples inseto
que pousa na minha poesia
como um pingo no i de poesia

mas não, sou homem
feito de barro por dentro e bairros por fora
feroz como o vento que dorme
feroz como um exame de fezes que fiz criança

imóvel, no vaso
danço com as palavras no papel

e depois me limpo

sábado, 21 de março de 2009

Reza

Morte.

Faça de mim um personagem mais forte
nesse jogo de perguntas e respostas
ação e reação
que se mostra como um teatro
da vida.

Faça de mim um espelho
em que nele eu possa me ver eu mesmo
o sim e o não
que brotam quando falo e quando calo
a vida.

Faça de mim um termo
uma palavra
mais que palavra, idéia fixa
de forma breve, firme, qual soneto
em que só o tempo e nem mesmo ele
descubra o sentimento vivo
que trazes

morto.

Faça de mim um sonho louco

faça de mim

um sonho.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Sobre pedra

colaboro com as mentiras do mundo
pois digo que há só um mundo
enquanto isso tua solidão
redireciona órbitas invisíveis à olho nú
e olha o nascimento das coisas

enquanto a poesia for espada
não vale a pena lutar com ela

colaboro com os nazistas
quando digo embalado às sinapses dos raciocínios
a confiança na Razão cria Hiroshimas
e toda vez que choramos
estamos em guerra

a palavra pedra também não serve
para edificar na horizontal
um horizonte

por mais que seja dita
e mais que infinita
ainda é dura demais para suportar o mundo

Apenas

Você me contou da sua viagem numa droga mexicana
que expandiu a tua percepção e o caralho à quatro
ok, você venceu, batata frita
mas a minha droga continua sendo a poesia

E você
me disse que a música demoravá demais para sair
ficava remoendo, indo e voltando, sem saber
te digo que tem que ser na hora, sem pensar
a única coisa que eu não uso é a mente
só minto
e ainda erro a digitação, dane-se
não volto verso

O outro, é você mesmo
tenta fazer palhaçada de situações traumáticas
aquele problema
enfim, quero dizer que vocês são parte de mim
e não tenho outra responsabilidade senão
comer sonhos

A unha encravada me diz diversas coisas sobre mim que
desconheço
e também não sei se quero saber racionalmente
por isso escrevo uns versos mais rápidos que puder
para que a poesia cure o mal que ainda não fiz
e ainda deixe um cheiro de rosas anti-sépticas no local

Quero te dizer isso apenas

quinta-feira, 19 de março de 2009

Clássico

apaixono-me pela fisionomia do céu de tarde
acredito na hipnose e ela em mim
seria mais fácil o azul ou o amarelo
o Sol mantêm-se inquieto

meus conceitos estão todos nessa tarde

olho para o céu
aponto o dedo para uma nuvem
a forma do que vejo
se forma do que vejo
se for mais do que vejo
eu vejo a forma
que vejo

é um espelho:
os clássicos estão dentro da gente
os clássicos só nos relembram quem fomos
quem somos
quem seremos

apaixono-me pelo retorno ao mundo pagão
aos Deuses múltiplos que me explicam as razões
para essa poesia
as razões dessa não-razão

quero recontar a minha história que lí

terça-feira, 17 de março de 2009

RURRMR

Grito é um esporro do intestino delgadoque sobe a gargantaaveludado de arame farpadoe canta traz os vermes do mundoexpele o acne dos impurospensamentos e transbordaem pús em póstumas lutasaté atingir a superfície da Terra o grito dos sem-grito

segunda-feira, 16 de março de 2009

Atropelamento

(obs: o tempo da leitura é pausado, e vai aumentando até o final,
os últimos versos devem ser recitados em frente ao espelho do banheiro)


fechei os olhos.
consigo escutar o sangue nas veias.
não é o sangue que está vivo.
nem o coração.

um cachorro ao longe tenta encontrar eco.
de repente desperto. é mais fácil ouvir
de olhos fechados.
os insetos juntos são um uníssono.

o vizinho caminha no teto.
vou procurando o escuro
o escuro que via quando feto.
mas sons evocam imagens.

o telefone toca, é alguem.
algo parece que está nascendo...
cresce uma voz, lá do escuro...
um som surdo, incerto

é uma imagem no ar
difusa, fora de foco,
como quando o asfalto está quente
e vem, de repente, um vulto
caminhando, correndo
tropeçando no vento

estou na bicicleta do corpo
no automóvel do meu corpo rápido
que corre na direção do escuro, do quente, do vulto...

do atropelamento morre uma prosa
e nasce uma poesia

domingo, 15 de março de 2009

Brincadeira

andei plagiando uma canção que compus na adolescência
algo sobre o cheiro dela, de fruta desconhecida
e automaticamente estou lá, escalando as paredes da escola
dando dribles-da-vaca, porradobol
você só ficava olhando
como são bobos esses garotos


nas festinhas americanas
aquela palpitação de solidão
não saber o que fazer
tentando não vomitar o coração pela boca
segurando com força a vertigem dos olhos
para não cair ao passo da macarena


na verdade eu não queria bater bafo
nem pular corda, nem 3 cortes
aquilo tudo era pra se mostrar


eu queria mesmo um tempo no canto
para conversarmos um pouco sobre a vida

mentira, eu queria agora, naquela época eu nem sabia o que era
vida


(quando a gente não pensa direito, não existe direito)


acho que sem poesia as coisas ficam menos
poéticas


sendo que hoje a equação é vida = poesia
sendo assim: poesia = vida , poéticas = vívidas


acho que sem poesia as coisas ficam menos vívidas


então precisa-se amadurecer um pouco para viver mesmo
o resto não chega a ser viver
seria mais
agir, fazer, reagir


e também, como o tempo não existe
esse tempo aristotélico,
a gente tá lá e cá e ali
sem distinção


eu acabei de cair e ralar o joelho

Outros

Dos lares infinitos
retorno
com a força de um grito
transbordo

o que fui serei será
ao mesmo tempo
o dito escrito
fito o som o disco elíptico
das órbitas oculares
que giram, giram, giram
na lembrança dos outros lares

De outras moradas
de outros sorrisos
vem uma dor e um otimismo
de vislumbrar a área em que os pés
tocam a estrada

De outras falas
outras cenas
acena um adeus quando se chega
e um tudo bom quando se vai

De outro cais
de outras estações
vem uma sina de tocar Deus

De outro adeus
de outro mais forte abraço
vem uma alegria de aço

e um observar estrelas

sábado, 14 de março de 2009

Hamlet

qual o meu espanto
ao ver o meu espanto
plasmado em cena

qual o meu medo
ao ver o meu segredo
em espelho

o Ferreira Gullar fala que a arte existe porque a vida só
não basta

então esse homem
vem me inventa
o ser humano

o SER HUMANO, no sentido do verbo SER
o que é o humano?

uma invenção
um Hamlet

Arcaico

choveu tanto ontem
choveu tanto que pensei
que o mundo ia acabar
choveu e trovou
que pensei como somos
pequenos

a luz da cidade apagou
somente os raios iluminavam
a cidade
como fogos de artíficio de uma só cor
explosões no céu

os estrondos balançavam o chão
carnaval de luz e som
folia de Deus, uma festa pagã e sagrada
como o Brasil

como somos pequenos
diante desse espetáculo
só nos resta procurar abrigo
e olhar as transformações gigantes
as mutações dos instantes
a força dos ventos

também sou homem das cavernas
sinto a proximidade do dilúvio
e o medo do que não consigo explicar

também sou homem das cavernas
e por isso invento uma pintura

tento inventar a palavra Chuva

sexta-feira, 13 de março de 2009

Curva

quando olhei para a placa na estrada
estava escrito uma poesia
que não sinalizava nada
apenas dizia:

"aqui é a curva
cuidado, está escuro
aqui é a curva do fim do mundo
do turvo, turvo, muito turvo
do corvo, da noite, onde está você?"

(retratos de crianças nos jornais)

troco a estação do rádio
antes que o mundo desabe
estava tocando um fado
estava tocando a minh'alma
um sentimento estranho
de curva

rrrrrrrrrrrrrrbbbbbbbbbbbbbbbrrararrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrbáaaaaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaaáá´´aá´´a´´a´´a´´aá´´aá´´aa

(acordo com acordes diminutos)

era um sonho ou morrí
era um samba ou morri
era um sono ou sorrí
estou vivo ainda vivo na morte

><><><><><><><><><><><><><><><>

as cercas do mundo, as fronteiras
eu arteverso
como renda da mais fina seda
imaginária

quarta-feira, 11 de março de 2009

Repente feito de repente ao pé da Cruz

(Para ser lido junto com alguma sinfonia de Mozart)


eu sou um viajante
que, embora jante
foi anti-ontem
eu sou uma bomba
um laxante ambulante
sujando o mundo
sujismundo
um sushimundo
do sertão do Rio de Janeiro

eu sou um brasileiro
um braseiro de fumaça
não sei escrever nem meu nome
mas passei com nota zero em fome
passei por poucas e boas
fiquei rouco de tanto futebol e carnaval
passei mal de tanto ser feliz
e agora tenho tudo o que sempre quis
um farelo de bis, fui no Vik Muniz
pra ver a arte de chocolate, a única que entendi

eu sou carioca do sertão da Parabólica
sou japonês das praias de Copa do Mundo
sou um craque perna de pau
lanço meu coração no fundo da rede globo
jogo dinheiro no vento no vendaval no tempo
e gosto muito, mas muito mesmo de coxinha de galinha
temperada com coentro

eu sou filho do Brasil
dessa terra tão bonita e tão sei lá
comprei óculos escuros e agora fico em cima do muro
observando as bundas as lajes e as lindas paisage

ah, ahdoro viage
Viagra, Vadiagem!
é meu grito de guerra
o bom daqui é que é Paz
o tempo inteiro é Paes
no sertão do Rio de Janeiro

a viagem eu sou um viajante infante
elefante voador

Trança


e se eu quiser ouvir somente o silêncio
o que será que vai nascer
do exato momento que eu percebo
que sempre fui eu
nunca você

as buzinas me lembram que a rua prossegue
menos a minha sombra continua
perseguindo o meu corpo
o Sol insinua um sono
eu nunca fui dono da minha sombra
muito menos
você

e se eu quiser fluir simplesmente
esquecendo o cadarço e o passo
andando e pisando em brasas
pisando nas asas dos sábios
estaria na verdade enterrando
a cerimônia dos dias
e teus pés pisando a terra

e se a longevidade dos gestos
desalinhar as órbitas dos olhares
tuas mãos cobrindo os meus olhos
aguçando o açúcar da escuridão
advinho o teu futuro e o meu presente
que você não deu ainda
ainda esmaga no dente
a mudança da estação

e se a Lua se rebelar contra a nuvem
assim como rebenta os cabelos no vento
o tempo de sorrir fica lento, vira
vira tudo, a lata, o coração, sedento
de tudo aquilo que tenho medo
e lamenta a Lua o leite do pranto
no espanto sujo da poesia
aquela sua camisa de algodão
aquele seu sapato preto
o teu pano em cima da mesa

a luz clara luz e faca das cores
faz cócegas nos amores
deixa o ar raro e feito tudo isso clara
preenche a tarde e arde na face na testa
a fresta clara da noite e sorte nossa
o tempo e o faro se cheiram no claro
do quarto teu do espaço em que se perdeu
a escuridão na briga com a clara rima da vida

que perdeu a barriga a espada e a dor

Compasso

o operário pode martelar uma obra
assim mesmo, como se martelasse uma obra

mas ele também pode
martelar música
enquanto martela a obra

e seus colegas juntos
podem fazer uma orquestra
de percussão
enquanto martelam a obra
martelam outra obra
que não ocupa lugar no espaço
no compasso da liberdade

martelam uma obra
enquanto eu martelo uma obra

segunda-feira, 9 de março de 2009

Ses

se a nega põe o vestido amarelo
ela sonega o nego do que é mais belo

se a branca põe a touca na hora do banho
ela banca a ovelha negra do rebanho

se o índio põe a tanga meio já gastada
ele ainda pega manga e dane-se a rima

domingo, 8 de março de 2009

Nuvem

hoje vamos fazer uma viagem
só quem fechar os olhos
o chão na verdade é nuvem
e a gente está flutuando

conhecer as cicatrizes do planeta
as civilizações perdidas
os oceanos, pacificamente
flutuando da raiz ao fruto
fazendo um suco
da coagulação da luz
no belo horizonte

de mãos dadas
ludibriar o amanhã
com canções diferentes
lubrificar os olhos
cachoeira, nos perfumes de novo
algo me diz que é saudade

na superfície da viagem
a paisagem invade os lados
na perspectiva do absurdo
um senhor toca clarineta
e a mulher descobre os sete véus
numa cidade grande

não é miragem
você está flutuando
e a cada aceno
para os fabricantes do sonho
o trigo se despreende da nuvem
irrigando a infância
da Humanidade

algo me diz que estamos no começo
no começo antes do começo
antes do antes

estamos perto do abismo
para recomeçar
uma vida nova

estamos longe de Júpiter
e perto do Rio de Janeiro
sem sinalização

a nuvem figura plana nas ilhas
desconcerta o que era vertigem

estamos em casa

sábado, 7 de março de 2009

Pulo

Sentado na muretinha da Urca
olhei quando os dois golden retrievers
pularam no mar atrás da garrafinha d'água
que a dona jogou


Eu queria ter essa garra

Era você

Uma canção do Lô
era você
vestida de amanhecer
com cara de Sol
sem solidão
e sorriso feito curva de montanha

Um coração de lobo
uivando você
pelas luas de Saturno
noturno de Chopin
chorando as melodias
da noite

Um som de sonho
era você
nua nos ombros
buscando crescer
pelas ruas de Janeiro
cantando o teu sorriso
como um mantra

Um tom de Março
sem você
o que eu faço?
eu invento um traço
das nuvens que vejo
desejo o espaço

do teu beijo

sexta-feira, 6 de março de 2009

Banho

acabei de sair do banho
e já estou seco

os pontos finais
esfoliam minha pele
e eu insisto
na poesia
nesse banho
do cotidiano

eu insisto em decifrar emoções
que nascem agora
prematuramente
dos dentes e da pele
com uma vontade de viver
e deixar de engatinhar

vou me descobrindo palavra
indefinição entre som e sentido
às vezes escuto o som das ondas
que vibram o centro da Terra

às vezes é só um grito baixinho de desespero

que deixa a pele áspera
de tanto sonhar

é justamente por isso que me banho
há uma segunda camada
por baixo da minha pele
por baixo das frases e dos cartazes da rua
que quer ser poesia

quer entender o Universo

do verso

quinta-feira, 5 de março de 2009

Espera

o olhar tão maduro daquela criança
me lembrou que eu existia
que eu era uma ilusão

no meio da rua
os sentimentos esbarram nos outros
dão cotoveladas
tropeçam na calçada

ela fez cinema com os olhos
cinema-olho
olhando a paisagem
artificial

olhando os meus olhos
tão pobrinhos de sentido
tão compenetrados
nos olhos de criança dela

por alguns momentos a nossa vida faz sentido

mas o ônibus chega

quarta-feira, 4 de março de 2009

Verde

Se eu fechasse os olhos agora só iria escutar o barulho incessante das teclas do computador aqui do escritório. Se você estivesse aqui do meu lado, nós dois fecharíamos os olhos e esses sons em coro seriam chuva de pequenos granizos. Você está ao meu lado na chuva de granizos, pequenos granizos. Isso não é um escritório, uma repartição pública, isso é uma fazenda. Uma outra dimensão dentro da própria fazenda. Sublimemos o tempo-espaço. Só flutua o sentimento, o orvalho das plantas e o nosso suor. Está agradável o tempo, está fria a água do rio que divide as dimensões, estão quentes as nossas mãos. Nós abrimos os olhos:

o verde envolve o vento
o ver-te em volta do tempo
o ventre venta e inventa
um tempo sem tempo sem gesto
um tempo sem tempo sem resto

invento esse verde
invento esse ver-te
inverto esse invento

verdejo o momento
verde

segunda-feira, 2 de março de 2009

Escrevo

Escrevo porque preciso
te contar diversos segredos, meu caro eu.
Meu barato das noites, meu eu mesmo.
Escrevo porque te sinto.
Escrevo porque te sou:

Escravo dos meus desejos, dos meus medos, dos meus dedos

quando escrevem a libertação

domingo, 1 de março de 2009

Balanço

Façamos um balanço de nossas vidas:
O que ficou para trás era amor?
O que ficou para trás era poesia?
Façamos um balanço do parquinho.

O movimento pendular descobre a gravidade
e as maçãs, as lâmpadas, e o dever de casa, caem.
Neve em pleno Rio de Janeiro
é quase como se as palavras congelassem.

No horizonte oscilante a vida balança
é quase como se embalada numa dança
as palavras para descrever o mundo
trocassem de par.

Façamos o balanço de nossas vidas:
Até agora, que sonho adormecer?
Por ser agora, que sonho era realmente seu?

Nem caibo mais nesse balanço
O parquinho diminuiu, diminuiu...
Quase não consigo enxergá-lo

hoje ele balança
o brilho dos meus olhos.