domingo, 31 de maio de 2009

pontos

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hoje eu fechei os olhos e entendi o Sol
entendi que as coisas são feitas eternas
e que só hoje posso brindar o futuro

meus olhos passeiam pela vida com a certeza
de alcançar os rios mais bonitos do planeta
e tocar os pés no encontro de águas
chorar
e navegar em qualquer embarcação
para qualquer porto

porque o rio que passa na minha aldeia
são todos os rios do mundo
e nenhum rio do mundo

eu não tenho nenhum rio que passe em minha aldeia:
ela já é o rio
eu já sou a aldeia

ah! essas músicas idiotas não me saem da cabeça
não se pode mais fazer nada
um copo de chopp, cigarros, eu inventei promessas
e os futuros continuam os mesmos

somente o presente mente


eu seguro, então, nos seus braços
e juntos vamos contemplar a transitoriedade das coisas eternas
olhando o Sol, os prédios
a vontade de ser livre

o pombo atropelado no meio da rua
e o silêncio que de dele emana

antes eu saberia fazer rimas
e juntaria palavras como ímãs
mas hoje não sou mais poeta
perdi o alvo, a reta, a seta
estou nú diante de Deus (diante de mim mesmo)

lá vai aquele homem vestindo sua couraça
de pobreza e sorriso
eu daria um pão
eu daria minha vida
se não fosse pobre de espírito
se não pedisse migalhas de poesias
pelas ruas, pelos rios, tentando decifrar a natureza

cometemos muitos erros ao tentar decifrar a natureza:
a poesia se perde, como agora.

eu poderia dar pontos nos nós
dizer pra que vim ao mundo
falar a Verdade.

mas eu olho os olhos das crianças no metro:

elas não tem olhos, tem espelhos.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

beijo torto

um beijo torto
colocou o mundo no lugar

o beijo ainda existe
no lugares do meu amor

um beijo torto
que existe apesar do chão
da gravidade

azulejos
espelho do banheiro
escada

todo mundo passa
correndo

mas eu vejo
câmera-lenta

sábado, 23 de maio de 2009

A poesia nem existe

.
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como faltou água hoje na descarga do banheiro
enchi um balde com água e desinfetante
depois que defequei.

joguei de uma vez só
e a minha sujeira desceu toda.

pouco tempo atrás eu estava pedindo
para alguém me limpar.

mas eu sei que o tempo não existe
do jeito que achamos que existe:

o que chamamos tempo
pode ser somente o acontecimento simultâneo
de eventos.

eu aqui jogando o balde com água e desinfetante
na privada
e os ponteiros do relógio do meu pulso
marcando 19:50.

o que eu gosto na poesia
é sincronizar
imagens
e
sons

que nunca existiram juntos.

desse jeito
ao ler a poesia
conseguimos viver no presente atemporal
de toda a nossa eternidade e efêmeridade
através de todas as banais ações e eventos
conseguimos viver a poesia
sem dimensões.

ler uma poesia assim
talvez seja
por um tempo indefinido (pois não há de fato)
ser o que se é,

sem metáforas
sem rimas

sem fim,

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Teoria Quântica Unificada

Subtítulo:
Introdução e análise da dinâmica dos corpos em desmovimento

Tive o sonho místico dos cientistas
profetizei como Einstein, Descartes
o futuro do mundo em mil pontos de vista

Tive o sonho místico dos cientistas
profetizei como Einstein, Descartes
o futuro do mundo sem restos, sem pistas
o templo era toda a natureza e suas partes

Primeiro vi Deuses e Deusas lindas
inventando fenômenos, destruindo vidas
tive o sonho místico dos cientistas
por um corte preciso no tempo e no espaço
entendi Deus, os Homens e a Poesia

entendi que os poetas são deuses
e que Deus é poeta
vi Fernando Pessoa voando
com asas feitas de papel vagabundo

tinha também o Bandeira
pescando palavras numa
piscina de plástico

ao seu lado
Vinícius bebia chuva
de um copo de nuvem

tive o sonho místico dos cientistas
e fiz esse artigo

vou publicá-lo em algum periódico
de física avançada

terça-feira, 19 de maio de 2009

Importância

Todo aquele passado que enfrentarei amanhã me deu insônias anteontem.
Conhecer mais é entender menos. Meu coração está balbuciando uma língua arcaica:
- Omito o mito ou minto muito imito o mito omito o mito...
Hoje meu pai disse que eu estou perdido. Quisera, então, que ele tivesse me achado antes.
Antes havia do que se perder. Pois como pode um toque se perder se já afeto em ele não havia. Vejo naquelas crianças as sementes geneticamente modificadas de um eu que aos poucos não vou sendo.
- O mundo é difícil.
(o pulso animal, quase humano, murmura nas artérias)
Difícil é penetrar nas rochas sólidas que a solidão entre nós juntou. Todo aquele passado que enfrentarei amanhã não tinha me dado insônias hoje. Só nos comunicamos verdadeiramente por metáforas. Só falamos de nós mesmos quando falamos dos outros. Só dizemos a verdade quando mentimos, só choramos quando rimos, só falamos da vida quando falamos da morte. Só falamos do tempo quando falamos...quando silenciamos.
- Isso não é sério.
Precisávamos rir mais ontem e depois de amanhã eu teria rido. Rir é uma forma de gostar sem forma.
- E enquanto isso?
A importância das coisas, dos lugares que fotografou, das mulheres que amou, se esvai no mundo material. Pertence somente ao pó, poeira, florescendo as gramas e reciclando as terras. Esses objetivos, para quem acredita na vida que não tem sentido, não tem sentido.
Enquanto isso eu vejo a eternidade das coisas que não posso ver. A eternidade da música que não escuto. A eternidade suave das palavras de afeto que você nunca irá dizer. A eternidade breve dessa vida.
Enquanto isso eu me procuro. Eu te procuro. Sou eu o perdido?

Procuro-te perdido em mim.

Improviso em Sevilha n:1

a arena eu vejo quando fecho os olhos
em Sevilha, o escuro é claro
os touros estão nas ruas
nas paredes e no creme

só vejo os meus passos
num passado que se perdeu
o Sol de Sevilha
seca o que nunca foi meu
o Som de Sevilha
berra um silêncio d'Orfeu

e eu firmo os pés na areia da arena:

revejo mil vezes a cena:

o pano vermelho é minha camisa
na brisa amena do dia em Sevilha

por que o dia
é Sevilha
assim como Sevilha
é o dia?

domingo, 17 de maio de 2009

Amanhã

escrevi esses versos daqui a vinte anos.

os versos ficaram mais lentos no futuro.

é a minha respiração que mudou amanhã.

ela queima quando passa nos pulmões

e quando sai no papel.

daqui a vinte anos

fiz a minha vida mudar.

escolhi o que colhi

escrevi o que eu vi

amanhã.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Vida Privada



Estava dormindo.
A luz acendendo me acordou.
Era ele.
Normalmente ele fazia de manhã.
Abaixou minha pálpebra
e começou.
A primeira foi de uma vez só.
Um mergulho até a minha garganta.
Depois demorou um pouco mais.
Saiu devagar.
Pensei na minha cidade,
naquele tempo em que eu ficava no meu lugar,
no meu canto.
Depois vieram e me tiraram de lá.
Me deram essa forma.
Às vezes não reconheço meu rosto.
Não fui eu que fiz o meu rosto.
Saiu devagar, mas saiu.
Ele se limpou.
Puxou o meu brinco.
O cheiro ainda ficou em mim.
Ele lavou as mãos.
E apagou a luz.
 
Não conseguia mais dormir.

Pausa

 
vou dar um tempo à poesia
vou deixar que ela saia
de seu atual casulo
 
livre, mais leve, consciente
de suas asas
 
e efemeridade

quinta-feira, 14 de maio de 2009

compasso em 5

ela anda
ela rebola
de banda larga
de bunda
ela anda
ela passa
na minha cabeça
sem pressa
ela anda
balança
a bunda
balança
a bunda
balança
o mundo

ela anda
e rebola
quadris
eu quis
entender
as coisas
eu caí
no chão
de bunda

ela bunda
anda
rebola
a terra
pra lá
e pra cá
ela rebola
a bunda

ela cai
de terra
em terra
e bunda
o mundo

temos que existir

 
temos que existir.
temos
que existir.
tememos
que existir:
 
não tema.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Outro

Chorei páginas dos meus olhos.
Chorei até molhar os livres.
Quem fala em mim é sempre outro.
Chorei, enfim, de risos tristes.


Quem anda descalço no cinema
tem os pés pisando sonhos.
Quem corre atrás de morena
só tem os calos que calam
só tem os olhos nos olhos

do Outro.

Eu queria ser a terra nos pés.
Falta-me coragem para ser de terra.
Faltam-me páginas para molhar a terra.
Falto-me eu no Outro.

Pra que servem palavras senão para parar o sentido do mundo?

Se eu pudesse sumir
voando nas minhas palavras
desaparecendo na minha linguagem

virar um pó
sem imagem
nem som:

mistério.

terça-feira, 12 de maio de 2009

Passatempo

quem mexe e entorta frases
e fura vazios no queijo
e desenlaça o cadarço da água da pia
de vez em quando vira passatempo.

quem pula relógios feitos por raios de sol
e cisma em escutar o que está escondido
nas mão fechadas da amiga
é na verdade mentira.

se você descobre quantas gotas de vidro
caem da chuva
e quantas poeiras o carro do pai
brinca de futebol
você também vira passatempo.

é inevitável.

quem gira a cabeça de um cão
ao chegar no apartamento
tem dentes brancos e postiços

quem desliga a tv com um pedaço de vassoura
sonha que está na penumbra que vem do oceano atlântico

quem corre atrás da lua
e come frango com quiabo
e depois dá um pedaço da lua
para o garfo provar

merece o meu respeito.

domingo, 10 de maio de 2009

Mãe

Saí do seu ventre
para entrar para a História
você é o começo da minha memória

Fiquei na sua barriga
comendo a sua comida
sem ajudar na conta

ouví o que você ouvia
sentí o você sentia
e até sonhei seus sonhos

nosso coração bateu junto
no pulso da nossa alegria
de meu vir-ao-mundo

às vezes quando te vejo
percebo que você se vê
no meus (teus) olhos

às vezes quando sinto medo
eu guardo um pequeno segredo:
chamo o teu nome baixinho

desculpa se não comprei presente caro
não foi falta de carinho
sou apenas um estagiário

pra mim também só tem sentido
se o presente for sentido
como um poema espontâneo (especialmente criado)

você me deu a luz
nos sentidos infinitos dessa palavra
espero dar-te, então

o brilho dos meus olhos
ao viver na tua sombra

sábado, 9 de maio de 2009

A dança

Da nuvem insensata que pairava na permanência dos cinzas urbanos, da paisagem absoluta, turvando a memória e dissipando a infância em cada gesto dos carros, em cada ruído artificial; da nuvem que nem a imaginação pode transfigurar em outro objeto, meu grito, e minha lágrima, ambos feitos de pura poeira maquínica, meu grito de desespero diante do silêncio ensurdecedor que precedeu a descoberta de mim, em cada partícula do veneno químico de minha saliva, transbordava um vírus moderno; da nuvem mais inconsequente, feita do sussuro do mais oriental dos textos; estava plasmado no espaço, no ar, no céu, um mistério ancestral e vazio, no chão que imitava madeira, nas ferrugens não tão velhas do armário e na secura da minha garganta: as palavras para descrever o mundo trocaram de par na dança da linguagem das coisas.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Não Rima

noite não rima com boite
é boate, que não rima com boato
mas me disseram que a noite late
que o leite moça, que não rima com:
como almoço
janto a janta
que não rima com tanta coisa tonta
que não rima nem de sina nem de bairro
que não rima nem é feito de barro, que não é manoel
nem de.
a rima pode ser
na língua
na retina míopa
na ná vasconselina, em fim
em finita brincadeira
a rima
arruma
a rua
da lira
a rima
arruma
a rua
da lira
arromba
a lua
e delíra!

As Meninas

no fundo do ônibus da escola
você me pediu pra namorar com você
eu perguntei:
- o que que eu preciso fazer?
você me falou:
- ah, a gente tem que andar de mão dada, e você me dar presente.
- então tá.

desde aquele dia
aquele dia de sol que cega a gente de tão sol
as meninas não eram mais meninas

eram coisas que queriam que a gente fizesse alguma coisa
pra ficar junto delas

um ano depois
dentro da cabine do banheiro da escola
uma outra me deu um beijo na boca
as amigas dela subiram nas privadas
das cabines ao lado
pra olhar

cinco segundos depois
a menina e as amigas tinham ido embora
e eu lá

acho que eu to parado
naquela cabine do banheiro
até hoje

tentando entender
as meninas

terça-feira, 5 de maio de 2009

Passou

 
Cruzei a paisagem rasgando sua imagem desfocada. A fotografia em pedaços dançava no ar que ficava para trás. O carro fazendo o papel da memória. E o papel do filme brilhando naquele sol que a lua faz. Na estrada os sentimentos freiam na proporção em que se acelera. Era só uma imagem. Mas antes era minha.



Peraí!

Peraí!

Quem falou que o céu é azul?
que as coisas caem?
que pra lá é o sul?
que o mar é salgado?
que 2 + 2 são 4?
que Deus é Um?

Eu repito que o céu é azul.
O céu repete que azul é.
O azul repete que céu é eu.
O repete repete que o céu é azul que o céu.
O repete repete que o céu é azul que o céu é.
Azul.

Se o céu azul fosse o céu azul
fóssil assim azul
se o seu céu e o meu céu fossem assim
azuis
os seus, os céus, ósseos fossem fósseis
assim fáceis assim

não teria poesia
e seria azia

em vez de asa.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Boca

na boca vou provar o mundo
como quem bota a boca no mundo

na boca vou provar o mundo
como a bota bota a perna no mundo

como a galinha bota ovo novo
como a panela bota nela o ovo
como a gema é amarela e mela
como a boca cabe tudo do mundo
como a parede pega a rede e balança
como a balança deixa a pança maior
como a maior das maravilhas fervilha
como a comida na ida ainda moída
como a boca bota a boca no mundo

o sabor da lua é um vazio na boca
o sabor da lua é uma boca mordida
o sabor da sua boca vaza a lua mordida
o saber do mundo louco lua minguante
por mais que a boca abra louca e cante

eu como o mundo com a boca
que baba

domingo, 3 de maio de 2009

Era

era uma vez tantas vezes
e tantas eras e tantas heras
e vez em quando enquanto era
vezes tontas: era ela.

Destrambelha

é quando vira a canoa
pula o rodeio
destrambelha o horizonte

nosso coração sonolento
quer devorar sonhos de algodão
nas nuvens

é quando pula o cão
na água do mar
brilho - olho - solidão

encostar o ouvido no sabor das coisas
apalpar a delícia da lembrança

como suco de abacate

sábado, 2 de maio de 2009

Quase

queria a sensação de encostar na areia pela primeira vez.

colocar os pezinhos pequenos na espuma da onda quebrada.

levantar, desequilibrado, e andar até minha mãe.

queria a sensação de dominar o mundo, a cada palavra.

as coisas cismam em estar.

eu queria o quase.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Poesia se faz?

Uns falam sobre a concisão. Não disperdiçar palavras.
Cortar, cortar. Catar feijões.
Um trabalho mineirador, que penera as palavras.
Achar a essência da poesia.
Sua forma mínima no tempo. Seu espaço mínimo no tempo.

Faz sentido. Parece que grande parte dos poetas, ou
a parte dos poetas grandes, segue essa "regra".

Mas,
poesia se faz?

Ou se acha,
descobre?

Ah, mas mesmo assim, achando-a como um diamante bruto:
é preciso lapidá-la?

Eu não sei ainda...

O que vocês acham?