quarta-feira, 29 de setembro de 2010

na estrada


foto de Ana Pas.

um pedaço de saco plástico de um supermercado antigo
já não tem mais o cheiro da fruta e só carrega consigo
um pedaço do vazio que assopra dessa areia e chão batido
ao passo que passa pelo meu pensamento e esbarra perto
dos pés descalços e alça voo por centímetros e até metros
acima desse barro eu paro e sento em cima do banco em pranto
solitário, silencioso, atento

percebo que esse saco plástico sou eu mesmo
voando ao vento
e agora crendo
que a vida é feita pra voar
eu invento
um novo canto
que altere as linhas melódicas do horizonte e da paisagem
em miragem tênue do que existe e do que não entendo
o saco plástico agora está solto no vento e de dentro
de mim de todo esse silêncio que me envolve e dissolve
o ar suspenso em névoa amarela e alaranjada como os olhos
novos da amada antiga
um pedaço de saco plástico de um supermercado antigo
um pedaço de vazio que assopra de dentro desse chão batido
fabrica em mim um sopro e suave sol sustenido
e eu penso em minha mãe
em meu pai

no teu sorriso

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Processo Criativo - reflexões sobre fazer poesia (ou ser desfeito por elas) - parte 3

Conversando ontem com meu amigo escritor Rafael Sperling, enquanto tomávamos açaí (foi-se o tempo do absinto) eu percebi que estou encontrando uma maneira de me despistar. Ou seja, sair de esquemas automáticos da escrita, sair dos vícios de linguagem e buscar verbos novos para se perder. Para me despistar, começo a escrever mais em prosa. Alongar o texto, fugir do verso, versando de outro jeito, mas sem deixar de ser poema pra mim.

É uma coisa que recomendo: quando sentir-se seguro na escrita, ou sentir que achou um estilo, sentir que os textos estão fluindo bem numa linha, tente o caminho oposto, mude a própria linguagem e não-objetivo da escrita.

Nesses últimos textos, ando em busca de entender meu processo de escrita, compartilhando com vocês e comigos, enfim, conoscos, esses issos e nadências aparentemente impenetráveis do poema. O exercício tem se mostrado enriquecedor.

Encarar a poesia como um exercício diário foi de grande importância para o meu empequenamento. Por empequenamento quero dizer a percepção poética de que o mundo é maior do que você, de que você é maior e mais do que você, e de que você que inventa o mundo e você.

Os músculos poéticos vão ficando cada vez mais fracos para a sensibilidade, ao contrário de uma ginástica física.

Nesse ponto, o ócio é muito importante.

As coisas que não importam são fundamentais.

domingo, 26 de setembro de 2010

Processo Criativo - reflexões sobre fazer poesia (ou ser desfeito por elas) - parte 2

Não existe algo como a poesia.
O que existe é a atitude poética sobre o mundo.
Uma atitude poética.
Por atitude poética eu digo um olhar enviesado, uma tentativa-de, um constante alerta para o que não importa, uma constante criação de personagem, e dramatização contraditória do mundo.
O que diferencia um texto qualquer, ou qualquer outra obra de arte, de uma poesia é a atitude poética.
Não é preciso escrever para se ter atitude poética.
Porque ela é o próprio viver em estado alterado pela poesia.
No caso, escrever ajuda e faz a manutenção da atitude poética.
Porque nada é o que parece,
porque "as coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis..."
e outros desaprendizados que o manoel complica melhor.

Será preciso inventar as coisas
será preciso realmente sê-las
para se ter a atitude poética.

Quando a atitude interna transborda
precisa ser liberta em forma de palavra, imagem, sons, gestos, em suma,
imaginação: imagem em ação.

Quando estou dentro de um trem ou ônibus, ou até carro, percebi que estou no cinema:
imagem em ação pela tela da janela. Imagem em movimento,
e eu parado no mesmo lugar de nunca.

Uma das características da poesia, além do barato que ela dá,
é o movimento parado que ela gera dentro da gente.

Estou descrente na política tal qual ela se afirma no cenário atual do Brasil.
Para mim, a atitude poética,
é a única salvação para dar continuidade e desenvolver
a invenção do nosso país

a partir da invenção da vida.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Processo criativo - reflexões sobre fazer poesia (ou ser desfeito por elas)

A vontade de escrever não é necessariamente a vontade de poesiar.
Ela é no sentido de compartilhar com o mundo (primeiramente consigo mesmo)
um sentimento, uma sensação, um insight, algo completamente vago, ou concreto,
como atravessar uma rua ou pensar em deus.

Quando escrevo um poema, não há um processo único, pelo contrário.
Cada poema é um processo. E cada processo experimentado gera um poema.
Pode-se começar pelo poema, ou pelo processo do poema.
Quando digo começar pelo poema digo por uma frase. Geralmente é uma frase.
Às vezes imagens. Imagens precisam ser torcidas em palavras até sair um líquido
espesso chamado egosma. A gosma que é só minha.

Depois dessa frase, algo vai seduzindo a imaginação e a sensibilidade, em direção ao caminho que a poesia vai tomando.

A vontade de poesiar tem mais a ver com um momento de beleza, de silêncio, de iluminação.
Nem sempre temos um papel ou computador a mão. Nesses momentos, eu prefiro tirar fotografias mentais, para depois, observando-as com cuidado, elaborar os poemas como descrições objetivas de fotos que não tirei.

A questão básica de um poema, pra mim, é o seu impulso inicial.
Ele começa com um impulso, algo propulsiona a primeira leva de frases e versos.
É uma força que precisa ser incontrolável. No começo. Depois vai sendo domesticada pela
razão enviesada que é essa da releitura e reescrita dos poetas (que eu não tenho bem desenvolvida).

Algo que me persegue é essa minha voz interna ditando as poesias para mim enquanto escrevo.
Essa voz é de um ator teatral, interpretando o texto, que eu psicografo de mim mesmo. O ator sou eu também, assim como o público que está ouvindo.

Às vezes um poema vem como canto, ouvimos a melodia dele. Nesse caso, o trabalho maior é não perdê-la da memória e ir inventando harmonias com as palavras para compor o resto da música.

Tenho uma mania de terminar com frases fortes, de efeito, algo com cara mesmo de conclusão.
Deve ser mania de quem pensa dramaticamente os textos. Finais cíclicos são interessantes, mas geralmente são melhores quando fecham o ciclo um pouquinho diferentes de como o abrem. Não sou muito fã de poemas bem estáticos, onde não há transformação. Nesse caso, sigo o jodo quando diz que a arte tem que ser um remédio e não um veneno. Mesmo que o remédio seja amargo e mostre a miséria do mundo.

Quem diz não conseguir fazer um poema está mentindo.
Não se consegue fazer um poema.
O poema, a poesia, fazem-te.

Portanto o problema principal dos que dizem não serem poetas, ou não terem coragem de mostrar os escritos é uma vaidade tremenda: acham que estão construindo, quando na verdade estão sendo fecundados.

É preciso se fazer mulher para poesiar. Alargar o ventre e a vagina para as palavras duras entrarem e jorrarem seus prazeres. Todo o poeta é meio viado.

Já tentei muitos processos de fazer poema, e continuo tentando.
Pensar em estruturas musicais.
Pensar em linguagem cinematográfica.
Pensar em alegorias.
Pensar em ponto de vista.
Pensar holisticamente.
Pensar em não pensar.

A poesia é um labirinto. Que não tem centro. Nem saída.
O desafio é continuar tentando não sair desse labirinto.

Descobrir a paz de ser
que a passagem de um estar

não procuro saída para a poesia.

dorme

dorme
a cidade
como um cão
de barriga pra cima
enquanto sonha
com um bife
daqueles de desenho animado

dorme
a menina
como uma gata
de ladinho no sofá
enquanto ronrona
com um blefe
de fazer carinho no pescoço

dorme
o poeta
como um leão
enjaulado na poesia
na obrigação de não fazer
que o prende
ao tentar
exprimir o mundo
enquanto o mundo

dorme

a voz da billie holiday

eu quero chorar
mas não consigo
porque ela chora por
mim
e pelo mundo

a vida é uma merda mesmo.

você caiu do céu
com asas negras e tortas
e a gente cuspiu
na sua cara

mas você cantou
e voou
sem asa mesmo
sem forças, que não a dor
sem brancura, inocência, sem nenhuma imagem poética
anglosaxônicaromântica

mas você cantou
mas você cantou
mas você cantou

sua dor
é a dor
do amor
é a dor
do não-amor
é a dor

da dor.

tchau

digo adeus
ao que nunca foi
meu

pelo menos
nem eu
me fui

dou adeus
pra figura do eu
na janela do ônibus
escolar

adeus
eu
vou-me embora para

onde o vento faz a chuva
onde tem mulher bonita
onde eu não posso morar

adeus
poesia
adeus
minha vó
adeus

eu quero ir embora
dormir numa carona
e acordar no mesmo lugar
de nunca
andar parado
com os pés na estrada
suja de barro e fantasia

digo adeus
aos meus medos

tchau inocência
tchau manoel de barros
tchau pessoa
tchau bituca
tchau lô
tchau glauber
tchau mãe
tchau vó
tchau pai

eu só preciso de mim mesmo
para descobrir que não existo

e cultivar esse segredo
de inventar infinitos
dentro de um
poema

tchau tristeza
eu quero ser filiz

terça-feira, 21 de setembro de 2010

"Vento Lírico" - crítica do livro da poeta Mari Coli

*****

À julgar pela capa do livro, o leitor já tem a ambiência poética necessária para desenvolver sua sensibilidade nessa aventura pelo rio de palavras de Mari Coli: uma menina, em preto-e-branco, carrega uma garrafa d`água de vidro, deixando o conteúdo cair, enquanto corre para dentro de uma casa em ruínas.

Poeta de sensibilidade ímpar, com um olhar fotográfico para as coisas, Coli começa o livro pelo título, destacando a importância da natureza. uma atitude notadamente romântica. em que os sentimentos ganham repercussão nos fenômenos naturais e vice-versa, algo que veremos em quase todos os poemas do livro.

Vento que às vezes nos lembra de frases...

A importância da poética mineira-universal do Clube da Esquina se faz presente, como uma suave neblina sobre esse rio palavral. Aliás, não seria de todo mal rebatizar o livro com esse outro elemento: a água:

"despertar pro mar
despertar pro cio

nem mais ócio nem receio
meu seio agora se ocupa de delírios

tão rápido o desejo enrijece
outro desejo irriga"

Uma das características principais da poesia de Coli é a maneira líquida na qual seus poemas são estruturados, bem como o próprio funcionamento orgânico da poesia se estabelece pela fluidez de rio, de córrego, até cascata, queda.

A sensação que fica é da ligação inquebrantável dos átomos de água, ao ler suas palavras, percebemos que a coesão entre elas é impossível de ser quebrada, cada palavra está no seu lugar e dá as mãos, numa corrente fluida, à sua anterior e sua próxima, formando um rio, por onde o leitor é jogado e navega.

"não importa quem eu escolha

sou sempre a última a chegar

é porque venho de longe

e tem sempre água no caminho

meu lugar é além

meu ofício é temporário

meu tempo está suspenso

sim, tenho ao meu alcance

nuvens, cores, ventos

tenho passado e tenho futuro

mas só tenho amor
e só tenho presente
se eu inventar"

É nessa metáfora, tornada concreta pela própria natureza de suspensão com ondas de tensão que a poesia de Mari Coli provoca no leitor, que nos aproximamos melhor da obra ainda pouco reconhecida no cenário literário, mas de grande valor poético.

Outro prisma é justamente a fotografia.
Depois de 2 anos em viagens pela América Latina, fotografando com sua máquina Laica, Coli enfrentou uma daquelas situações epifânicas que transformam a vida de maneira brusca: numa sessão de fotos com descendentes de nativos incas no Peru, teve seus filmes roubados por narcotraficantes. Numa típica trama mirabolante policial, os traficantes confundiram os rolos dos filmes com um outro carregamento de cocaína, também colocado em rolos de filmes para despistar as autoridades. Enfim, o que se sucedeu foi um insight crucial para a poeta.

- Como seria fotografar sem filme?

Começou a elaborar seus poemas enquadrando sentimentos como quem se posiciona diante do real para tirar uma foto sem filme. O que é revelado é exatamente nada. Ou seja, poema.

Em "Vento Lírico" temos a criação de um gênero literário híbrido, uma espécie de foto-poema.
Interessante notar a relação contraditória entre os dois fundamentos da poesia de Coli: ao mesmo tempo líquida e fotográfica.

A fotografia, como diz Benjamin, é uma ilusão de movimento através do princípio da persistência retiniana, ou seja, acreditamos estar vendo um movimento contínuo, mas o que temos são fragmentos congelados de imagens, sendo projetados tão rapidamente que percebemos como um movimento fluido.

A poesia do livro surpreende e surpreenderá ainda mais, pois assim como fotografar um rio, a cada segundo estaríamos fotografando outro rio, como tão belamente recomendou o filósofo pré-socrático Heráclito de Éfeso: não se pode entrar no mesmo rio duas vezes. (quanto mais fotografá-lo, como faz Mari Coli)

O que fica, ao percorrermos esse rio, é a imagem do tempo passando pelos lados, e a certeza de encontrar, num horizonte próximo, mas distante, como todo horizonte o é, o grande oceano de todas as poesias.

"Lembrança Impossível


“And I wondered if a memory is something you have or something you've lost”

O cheiro da casa
E das cortinas
É lembrança que eu conheço
Mas que só se rememora
Se o cheiro é novamente sentido

A casa foi demolida
As cortinas, talvez, dadas
E ornam a sala de outra casa

Quando sonho
Com sorte
Posso entrar novamente na casa
E me enrolar nas cortinas
Fazer delas um casulo
E me sufocar contra o tecido

Mas sentir o cheiro delas novamente
Isso é impossível"

domingo, 19 de setembro de 2010

Pão Nosso da Poesia

caminhar na beira do abismo
perto do abismo
na ponta dos pés
devagar
olhando o horizonte
se aproximar da distância
percorrer o caminho da distância
que une os fragmentos de nossas vidas
percorrer a caminhada tranquila
correr parado no mesmo lugar de nunca
devagar
e sempre
continuamente percebendo as mudanças
no interior das paisagens
no canto da chuva
continuamente rompendo liberdade
e prendendo-a com algemas quebradas

romper a paralisia com movimento nulo
romper a saudade com memória do futuro
romper o silêncio com um grito mudo
romper o medo com um espelho rompido

enxergar para além do que não se vê
ouvir os sons que vêm das cores das palavras e até do ser

poesia não precisa ser um ato religioso
religar ao Uno
religar ao Todo
religar a Si mesmo

mas é

poesia pra ser verdadeira tem que inventar um Deus
e sê-lo
e crucificá-lo
e carregar a sua cruz
e sentar-se na árvore
e atingir o nirvana
poesia pra dizer algo
tem que calar

para sonhar
tem que acordar

para alcançar
tem que se dar distância

na poesia
o movimento é estar parado
é conscientemente estar inconsciente
e aproveitar somente os erros

para acertar o errado

poesia é estar errado
é torto
é esquerdo
é esqueleto sem forma
e causa sem efeito

será preciso enxergar as ligações entre os seres
a eterna
invisível
infinita

ligaçãoentreumapalavraeoutraassimcomoentreumseredeus

amém

sábado, 18 de setembro de 2010

aejertxfhjcxrtyxty

arrepio na espinha

você não sente cosca?

seu processo criativo é muito morgado, taiyo.



acho legal anotar frases assim desconexas, sabe?



essa poesia foi feita agora

essa frase foi feita agora

mas eu fui feito amanhã



meu presente embrulhado com fitas elásticas da imaginação



vaginação

imagem



é depiladinha tua vergonha

que chega a ser orgulho



compre fita crepe



what the fuck?



(risos)



calcinha rendada púrpura

rosa púrpura

cair

o

rosa púrpura do cair

o



(por que todas as análises de filmes têm que ser homoeróticas?)



o

----------

o



(escreva na linha pontilhada a sua tara)



pro meu mundo ficar odara eu só preciso de:



- chocolate alpino

- barato de transa

- manoel de barros

- kubrick

- sorriso cativante

- meia calça rasgada

- e5656u56udrthghjc

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

desverde

os prédios daqui de cima
cimentam a minha poesia
do cinza mais puro
da mais pura alquimia
em fazer ver de ouvir
em fazer ouvir de ler
algo que só pássaro
ou outro qualquer ser
que não este humano
demasiado humano
pode transcender com palavra
e assumir os vôos sem asa
de um pássaro imaginário
num céu imaginário
que é todo o meu real
e nada

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Encontros com Taiyo Omura

Aline - Lendo os teus poemas, a gente fica curioso: de onde vem a poesia?

Taiyo - Pode ser que ela venha dos seres que não somos, mas dos quais não conseguimos fugir. Pode ser.

Aline - É... e você é muitos seres?

Taiyo - Carrego dentro de minha mochila não só livros e cadernos de aula. Guardo também algumas máscaras, que uso dependendo da ocasião social. Outras eu não uso. Outras me usam. Tem uma que é um espelho, é uma máscara no formato do meu rosto, mas é um espelho. Essa eu uso quando quero me mostrar, sabe, coisa de vaidoso mesmo.

Aline - Coisa de quem é de leão, como nós. Diga, você se mostra muito na poesia? Se coloca nela?

Taiyo - Às vezes é como sexo. Eu gosto de ficar por cima das palavras, roçar nelas e variar na metida, pode ser rápido, mas lento também é bom. Eu gosto quando as palavras gozam enquanto estou dentro delas. Elas ficam muito molhadas de mim. E eu delas. Mas com elas por cima também é ótimo. Quando elas cavalgam em cima de mim, tenho vontade de abrir os braços e voar, como Pégaso.

Aline - Hummmm... eu sinto uma coisa meio mítica na sua poesia, por falar nisso.

Taiyo - Deve ser porque, pra mim, a poesia é inventar os seus mitos. E inventar O mito. É contar a sua história e a História pra você. É verdadeiramente um ato mentiroso de encontrar-se com o seus tempos: digo seus por uma razão simples: a desrazão. Isso me lembra Chris Marker, no filme La Jetée, onde o personagem viaja no tempo, pela memória, ou seja: ele vai tanto para o passado quanto para o futuro. temos todos os tempos dentro de nós. temos a memória do futuro. É desse mito que eu falo. É dele que eu bebo.

Aline - Falando em cinema, o que você busca nele? Você é discípulo do meu Jodo?

Taiyo - Sou. Sou discípulo do Jodorowsky no sentido de acreditar no cinema, ter fé nele. Quando o mestre diz que o cinema está doente, e que estamos doentes, está correto. Eu procuro no cinema um remédio para as minhas doenças e para as doenças do mundo. Tem uma que não dá pra curar e nem quero, que é a poesia. Todas as outras doenças podem ser curadas, inclusive e principalmente pelo cinema. A poesia é uma doença que cura... interessante isso.

Aline - E quando que a poesia te infectou?

Taiyo - Acho que foi quando eu li Pessoa.

Aline - Eu gosto de pensar que o nome dele é Fernando Pessoas.

Taiyo - O Gullar disse a mesma coisa. O Pessoa na verdade é Pessoas. Ele tem dentro dele todos os sonhos do mundo. Ser poeta é isso, não caber em si mesmo. A vida não basta.

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Primeira parte do encontro com a artista Aline Barcelos,
quando fui entrevistado no ano que vem.

primeiro homem

em algum momento
o primeiro homem do mundo
fez um poema
e tudo foi partindo dali
a energia
condensada num gesto
desforme primavera
espalhando sêmen
nas coisas primitivas
e trazendo deus
no florescer das estações

e desse vento
vindo vivo vasto e verbo
inventou a primeira mulher
já com lágrimas
sexo
e perdão

essa mulher era ele mesmo
fantasiado de real
era seu próprio sonho
acordado
era de sua carne
intocável
era eva
hera
erva
feita do mais puro negro
de de dentro de si mesmo
uma sombra com luz

e quando os gestos se completaram
a incompletude do humano
em ambos
fez-se divindade

e nasceu o sol

e uma flor

e eu sorri

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

o movimento de ficar parado

o vento passa
na janela dos meus olhos
o ventre aberto
e ela passa
com asas abertas
na janela do apartamento
o vento descobre
a cortina da memória
e nos conhecemos
fora do tempo
o vento e espaço
entre ela e eu
o vento sou eu
flutuando acima do som
de um sussuro suspenso no chão
o vento e escuridão
de quando eu abro os olhos
eu só vejo de olhos fechados
o vento na minha mão
na janela do desejo
um retrato onde se pode
ver perfeitamente
nada

uma janela escancarada
por onde o vento venta
enquanto o tempo tampa
promessas de um passado
eu caio sem rede
num chão que é céu nublado
enquanto me desoriento
com seu vento na parede
do seu quarto

o vento passa
o tempo passa
parado

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

poesiar como quem voa

não sei porque
mas me veio uma vontade de querer voar
no meio do poema

e eu abri os braços
e transei

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

transar como quem voa

não sei porque
mas me veio uma vontade de querer voar
no meio da transa

e eu abri os braços
e gozei

mandar freud tomar no cu

acabei de ler um poema de meu amigo Álvaro Juvenal - http://cinzasdapoesia.blogspot.com/
e uma grande satisfação vem na cara da minha alma.

satisfação sexual
como só poemas podem lubrificar de gozo
minhas palavras duras

satisfação palavral
como só o sexo pode luar
meu pau

satisfação pessoal
como só Pessoa
pode enfiar o dedo no cu da razão
(junto com o Manoel)

satisfação ingênua
como só ver as primas nuas
e olhar debaixo das saias do pedro segundo pela rampa
e passar a flauta doce na bunda das meninas indo pra aula de música

satisfação infantil
de pular em piscina de bolinhas
de tirar o brinquedo de outra criança
de tirar meleca
de mijar no pique-esconde

satisfação maconhal
de estar aqui agora vivendo o presente sem tempo
com alguma coisa de malandra
permeando as coisas todas em nada

satisfação amigal
de falar merda
de falar da vida
enquanto o apocalipse inunda de vertigem e violência um mundo caduco

satisfação poetal
de ler um amigo
muito mais poeta
porque brinca com as palavras
como quem enfia o dedo no cu

de freud


quinta-feira, 2 de setembro de 2010

aqui

e a vida mais uma vez recorre aos breves mistérios que ocupam a paisagem eterna da noite em nossas almas

alguém toma uma coca
barulho de janela se abrindo
cães chamam seus ecos
na rede globo um anúncio
um calor no ar como se fosse chover amanhã
um avião passa riscando o ar com som
alguns grilos morrem ao fundo
a cidade está quieta
quase dormindo
você está em algum lugar

eu estou aqui

teu corpo

teu corpo
não é como uma nuvem metafórica
que pode ser
e também não se curva
pela geografia feminina
dessa cidade maravilhosa
não silencia como a lua
e nem pertence aos encantos do outono
como um orvalho faminto
sugando as lágrimas da chuva

teu corpo não é feitiço nem doença
não se espalha pela grama como formigas
nem tem a extensão como a de um pássaro inventado
sem asas e sem perdão

teu corpo não é de virgindade
não é como o tempo escorrendo de relógios
nem como a lógica escorrendo de ralos em poemas
não inventa primaveras com o gesto
nem se comunica com fumaça em línguas de índio
como silêncios gritados de passados ínfimos

teu corpo não é como o cinema mudo
não ficciona o movimento incerto
não emociona como um mendigo feliz

teu corpo não é como outra coisa
que não o teu corpo

teu corpo é como teu corpo
e nem como ele é

teu corpo é teu corpo

sólido
imperfeito
humano

corpo de mulher

abismo revisitado

eu tenho como sina
me fazer poema
e provar a cada dia
que a vida não vale:
queima

cada dia uma reza
uma fantasia
me fazer poema
rir como quem rima
ser como um poema
ver de olhos livres
cor e alegria
me fazer cinema
sinestesia
e provar a cada dia
o doce amargo
do santo seio
suspiro

pular do precipício
mesmo sabendo
que não tem mesmo abismo

nós

no claro da noite
no rastro do invisível
no sistema lunar
no brejo das almas
no porto adormecido
no velho menino
no sonho acordado
no beijo partido
no feliz aniversário
no foco da neblina
no olho do furacão
no meio do redemoinho
no silêncio gritado
no sol sustenido
no meio da rua
no disco de vinil
no prato vazio
no gole frio
no trabalho forçado
no discurso político
no passo apressado
no assunto esquecido
no vigia noturno
no mundo girando
no mundo da lua
no pedaço de bolo
no átomo partido
no lindo absurdo
no relógio quebrado
no jogo da vida
no baralho cortado
no vaso de flores
no vaso sanitário
no são francisco
no armário embutido
no quadro de horários
no vicente celestino
no banheiro da escola
no azul do mar
no azul do cu
no capacete preto
no formigamento do pescoço
no soluço de vinho
no gosto de vidro
no corte no pé
no sonho cicatrizado
no desenho do dragão
no gosto de vertigem
no sabor da morte
no vermelho vivo
no mindinho do pé
no perigo na esquina
no clube
no cativeiro liberto
no tênis sujo
no canto do quarto
no canto
no quanto
no quase
no nada
no nome
no novo
no livre
no fado
no sonho não sonhado

em tudo aquilo que vejo
me sou e não me caibo

em tudo aquilo que cheiro
me sinto e não me faço

em tudo aquilo que toco
me cego e não me abro

em tudo aquilo que como
me sacio e não me basta

em tudo aquilo que nada
aquilo tudo em que nada
tudo aquilo que nada em
nada que em aquilo tudo

poesia é perder é perder poesia
nos
nós