Abro aqui um espaço para a interatividade. Pedi para meu amigo Diogo que escrevesse algo sobre o texto que publiquei aqui no blog "Uma Brincadeira chamada Amigo". Ele escreveu e aí está, na íntegra:
"Quando você pediu para que eu fizesse a crítica ao seu texto, uma dúvida tão logo veio-me à mente: por que tal texto, se há tantos outros. Foi só avançar um pouco na leitura para de imediato dar-me conta de que se tratava de um tema que tangencia toda a história que, de uma forma ou de outra, estará presente em meu curta. Isso tudo, é claro, com uma diferença básica: no caso do filme a maré parte de rios que possuem a mesma fonte; no caso da sua história, é o contrário: a maré separa o que não se une senão por acaso ou, o que a torna mais interessante, por inocência.Vou falar um pouco da forma do texto; e para fazer uma redundância necessária, comecemos pelo início. Ao modo de um argumento de um filme, você inicia o texto com uma data: 1994. De modo a conferi-la concretude, isto é vida e vivência, você faz apelos a extratos mnemônicos de ordem cognitiva. É o Leblon, é o Senna, é o Dragão Chinês. Mas não para por aí: logo em seguida trás – o que em minha opinião importa mais – as impressões sensíveis. Aí é o esfarelar com os pés, a surpresa das joaninhas (as fumigas), o charme, o efeito do sol, o que importa. Por meio dessas duas estratégias você reconstituiu o lugar.Depois de montado o cenário, você traz à tona a frase que vai permear toda a história: “a maré sempre leva, e a gente não percebe”. A própria história não deixa de ser, ela mesma, levada pela maré da memória, do afeto e da percepção. Aí entra um outro ponto em torno do qual a frase vai ganhar todo o seu sentido: a brincadeira ‘Amigo’. É pelo amigo, pela amizade (ainda que circunstancial e fugidia) ali criada, que a história nos leva à inocência infantil. Sim, o menino que hoje você “chamaria de pivete”, o que implica não apenas uma categorização da ordem dos fatos, mas um juízo de ordem normativa – o qual incute dentro de si uma série de atribuições pré-reflexivas atinentes à periculosidade do referente –, conseguia ser apenas um menino. A amizade implica, ainda que tacitamente, uma inocência, que engendra uma relação de incondicionalidade. O amigo, amigo mesmo, a gente aceita de modo intransitivo; e a criança é o ser que, devido a sua ainda não inculcação e incorporação dos padrões e taxionomias sociais, ainda consegue escapar ao que para um adulto é óbvio. Por isso, a criança é instrumental e utilitária: ela usa, por mera adequação, o que ela entende adequar-se ao que precisa; e ela também é amor: o amigo é aceito, e pronto.Só mais tarde, a gente aprende que o garoto é pivete. E que por ele podemos – sobretudo devemos – ter dois sentimentos: o asco e a pena. O problema é que isso não para por aí. Aquele menino também aprende que ele próprio é um pivete. Afinal, ele não é olhado apenas pelas crianças que com ele brincam de modo gratuito; os adultos também os vêem; e ele se vê através dos adultos. E não é senão por meio desse olhar que esse menino, o pivete, vai – também – ser conduzido. Agora o pivete cresceu, tornou-se efetivamente isso. O olhar o transformou, o transfigurou. E agora? A questão é perguntar: será que é possível ainda nutrir por esse menino afeto e consideração? Será que é possível buscar nele alguma complementaridade que não seja aquela da assimetria incutida pela pena? Se a justaposição dos dois corpos, do seu e do dele, ocorrerá novamente um dia, não sei. Fato é que acontecerá em outras circunstâncias.Agora é a hora de voltar ao meu curta. A história que ali eu apresento reflete de alguma formas duas trajetórias, uma certa continuidade de onde para sua história. Mas para não cair em um determinismo que a idéia da “maré que nos leva” pode deixar entender, vou tentar fazer pesar o outro lado, ou o mesmo, só que de outra forma. Aqui, fico com Sartre: o que vale a pena ser contado é o que cada um fez com o que a maré fez de vocês.
Abs.
Diogo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário