Paulo Leminski
Felizmente, não se realizou a profecia de Rudiard Kipling: "o Ocidente é o Ocidente, o Oriente é o Oriente, jamais se encontrarão".
Por desencontrários caminhos e variadas encontrovérsias, Oriente e Ocidente, cada vez mais, trocam sinais, apressando a unidade cultural da espécie humana, agora, em velocidade cibernética.
Todos os homens são, enfim, herdeiros da produção cultural de todos os homens, de todos os povos, de todas as épocas.
Os indus são meio ingleses. A China adota Marx, e o chineseia. Os beatniks e os hippies da Califórnia e do mundo descobrem o continente-zen.
A Ásia incorpora a tecnologia e a ciência européia. Mas o Ocidente é inundado pela yoga, pelas artes marciais, pela macrobiótica, por técnicas de massagem, pela acupuntura, pelo I Ching, pela ginástica "tai-chi", por mantras, tantras, nirvanas, "gurús" e "hare-krishnas".
No plano horizontal, a influência do Ocidente, infinito da técnica, de horizonte a horizonte, como esta frase que escrevo, na horizontal, da esquerda para a direita.
O Oriente, o vertical, o mergulho nos abismos dos signos ancestrais, os mantras, o inconsciente coletivo, a "alma", o universo esquecido, lá em baixo (na escrita chinesa e japonesa, as frases são escritas de cima para baixo).
O Japão é o olho-de-ciclone do entrecruzamento Oriente/Ocidente, horizontal/vertical.
Estranho de tudo é que as mais recentes conquistas da arte ocidental coincidem com características da arte japonesa mais tradicional:
- "montagem atrativa" (Eisenstein): ideograma, nô, kabúki;
- "distanciamento épico" (Brecht): Nô, kabúki;
- "port-manteau-worlds", montagens verbais lewis-carrol-joycianas: "kakekotoba", as "palavras penduradas", da literatura japonesa (Nô, waka, tanka, senryu, hai-kai);
- música "minimal" (Glass): música japonesa tradicional;
miniaturização e síntese poética (e. e. cummings, Pound, Wiliam Carlos Wiliams, Oswald, poesia concreta) hai-kai, waka, tanka.
- linguagem analógica, ideogrâmica, não discursiva (Mc Luhan, poesia concreta).
No Brasil, a primeira influência direta da poesia japonesa parece ter sido sobre os Modernistas de 22, através de traduções francesas.
Guilherme de Almeida, nos anos 20. fez os primeiros "hai-kais", adotando as três linhas (versos com cinco, sete e cinco silabas), mas introduzindo um artificioso e maneirista sistema de rimas, que não existem em japonês (o super-ego parnasiano do soneto era muito forte.
Oswald de Andrade, amigo e parceiro de Guilherme, deve ter tirado do hai-kai a idéia para seus "poemas-minuto", milionários segundos de ultra-informação.
O ideal de brevidade advindo do hai-kai não morreu com 22. Encontramo-lo no Drummond, em cujo caminho havia uma certa pedra.
Ou no Drummond, que se perguntava: "Stop. A vida parou. Ou foi o automóvel?
O imagismo do hai-kai ainda compareceria na poesia altamente icônica de Murilo Mendes. Ou na do isolado Mário Quintana.
A soneteira e soporífera Geração de 45 demonstrou todo o seu baixo repertório, ignorando-o.
Nos anos 50, a palavra "hai-kai" é incorporada ao vocabulário brasileiro, através do humorista Millôr Fernandes, que popularizou a palavra entre nós. Millôr é autor de inúmeros hai-kais notáveis.
Nessa mesma década, em S. Paulo, a poesia concreta proclamou a excelência do "pensamento ideogrâmico", como método de composição poética. E começou a praticar uma poesia breve, sintética, anti-discursiva, verdadeiros hai-kais industríais.
Nos anos 70, por fim, a garotada da "poesia marginal" ou "alternativa", crescida com manchetes de jornal, frases de "out-door" e grafittis nas paredes das cidades que inchavam, começou a fazer hai-kais, até sem querer. Waly, Chico Alvim, Chacal, Régis, Ana Cristina César, Alice Ruiz, todos o fizeram. Fazem. E farão.
Hai-kai é o nosso tempo, baby. Um tempo compacto, um tempo "clip", um tempo "bip", um tempo "chips".
Essas brevidades lembram aquelas árvores japonesas, as árvores "bonsai", carvalhos criados dentro de vasos minúsculos, signos de seres vivos, produtos da arte e da paciência.
"Hai-kai" é "bonsai" da linguagem.
Explique quem puder. Os japoneses já estavam lá.
in Revista Ímã, Espírito Santo, Brasil, nºIII, p. 37/38.
http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/ensaioPL5.htm
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