domingo, 14 de dezembro de 2008

Um soneto feito monstro

Perdido nos papéis velhos e sujos de poeira no vão entre gavetas da mesa velha,
contendo algumas gerações de aranhas, pilhas já com líquidos tóxicos estourados e clipses,
encontrei um soneto que te fiz a uma caralhada de tempo, um soneto da adolescência,
parecia coisa de criança descobrindo o alfabeto, parecia um cientista maluco com o monstro que deu certo

era um soneto meio carregado, meio romântico, contendo algumas frases fortes
fortes demais para alguém de 13 anos que nunca tinha tido um relacionamento amoroso,
e no papel ainda restava um pedaço de feijão, um mísero pedaço de feijão, de repente um resto
da comida da escola, aquela comida gostosa por ser ruim, aquele gosto de comida de escola,
enfim, o que me passou instantaneamente naquele instante foi uma atitude meio impensada:
num ímpeto abrupto e corrosivo, lambi o feijão com uma voracidade de poeta antropofagizando

sua própria cabeça de guerreiro dos tempos em que ainda não conhecia o mundo da luta.
e num segundo voltei para aqueles mesmos segundos em que escrevi aquele soneto maldito.
vi você, sentada na beira da janela da sala de aula, olhando para o horizonte perdida como uma
passarinha que não sabe avoar, e pensei comigo mesmo que aquilo que estava pensando parecia
uma música nordestina que eu tinha ouvido numa rádio barata dessas que tem em rodoviária do
interior

consegui estar no passado durante mais um segundo, mais um segundo que me deixou ver o momento que você sorriu, com o soneto nas mãos, pensando: vou sorrir para que ele fique confuso.
voltei para o presente, estava ainda aqui, de frente para o computador, escrevendo no blog, mas um post inteiro já estava na minha frente, como se eu o tivesse escrito por muito tempo, como se ele já tivesse sido escrito por mim mesmo, em tempos de sonetos feito monstros, desses que atacam mocinhas em prédios altos.

dessa vez não tem marca de feijão:
tem é uma marca de beijo na tela:
teu beijo perdido no tempo,
o beijo que deixou de dar
assustada como o
soneto feito monstro.

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