quinta-feira, 9 de outubro de 2008
Uma brincadeira chamada "Amigo"
1994. Senna ainda estava vivo. A seleção, não me lembro bem, era tetra, ou não. O que eu me lembro é do Leblon. O Leblon tinha um charme, uma coisa praiana, picolé Itália de côco, com pedacinhos da fruta perto do palito. Tinha o cara do Dragão Chinês, com sua voz inconfundível. Tinha o cara das balas com o "teleque-teque", aquele pedaço de madeira com um metal que faz barulho. Eu morava pertinho da praia. Era um japonês moreno, ensolarado, quase um havaiano. O legal era brincar na areia e no mar. Gostava de pisar naquelas areias que ficam duras, quebradiças. Era gostoso, aqueles quadradinhos, tipo gelos de areia, para esfarelar com os pés e com as mãos, com a surpresa de talvez encontrar uma daquelas joaninhas de areia, que eu chamava de fumiga. Geralmente eu ia com a minha mãe. Mas gostava de ficar meio solto. Corria um pouco. Me perdia às vezes. Tinha que achar o salva-vidas, já chorando, com o coração na boca. É porque a maré sempre leva, e a gente não percebe. A melhor brincadeira era o "Amigo". Antes de falar sobre essa brincadeira, me lembrei de outra, que foi uma espécie de protótipo da "Amigo". Era uma espécie de videocassetada, tinha um apresentador de tv, que era eu mesmo, falando sobre o mar. Ele ficava um pouco antes de onde as ondas quebram, falando sobre o mar naquele dia. Como se fosse uma mulher do tempo dos telejornais, só que era um homem, falando das ondas. Fingindo que não estava vendo, ia falando que o mar estava tranqüilo, até ser engolido por uma onda, e levar caixote. Geralmente eu engolia areia. Em vezes mais extremas, levava uns arranhões. Era engraçado. Como se tivessem filmando aquele momento e flagraram um repórter sendo pego pelas ondas. Na época era engraçado. A brincadeira "Amigo" era semelhante. Mas tinha uma diferença crucial: necessitava de outra criança. De preferência, um menino de rua, ou pobre, mal vestido. Um daqueles meninos que hoje eu chamaria de pivete. Pois é, eu geralmente brincava com eles. Eram os que aceitavam brincar. Consistia no seguinte: ou eu, ou o outro, íamos para frente do mar. Esperávamos a onda chegar. Quando estivesse bem próxima, com o perigo inevitável do caixote, gritávamos: "AMIGOOOOOOOOOOOOOOO!!!". O que gritou tomava o caixote e, enquanto estava tomando-o, o outro que observava de longe teria que salvá-lo, como num resgate desses que se vê no cinema. Não me lembro muito bem o que acontecia depois. Mas sinto que depois de umas três ou quatro vezes ficávamos cansados. Sem se despedir direito, e talvez nem sabendo o nome do outro, cada um ia pro seu canto. Brincar na praia. Será que nos encontraremos de novo, "Amigos" diversos? Cruzaremos por uma rua dessas, seremos colocados numa situação extrema? Necessitaremos da ajuda um do outro? Uma coisa é certa: cada um foi para o seu lado. A maré sempre leva, e a gente não percebe.
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