espetáculo de dança - Márcio Cunha Dança Contemporânea
ao terminar o espetáculo
uma senhora, com uma expressão confusa no rosto
me perguntou:
- o que você entendeu?
um pouco embaraçado com a situação
respondi, em tom leve:
- então, senhora, acho que é mais para
sentir.
e a senhora:
- ah, é né, é dança contemporânea...
eu poderia ter dito pra ela uma frase que o manoel de barros
sempre fala:
"poesia não é para compreender, é para incorporar."
até porque,
se a razão fosse capaz de nos fazer experimentar
o mesmo que os mistérios do sentimento, das sensações e da imaginação,
pra que a arte?
livremente inspirado na vida e obra de van gogh
esse espetáculo íntimo do dançarino e coreógrafo márcio cunha
acompanhado pela presença da também dançarina renata reinheimer
percorre pinceladas fortes
a força e beleza do gesto
o desespero a loucura a solidão
o sublime ato de criar
e destruir-se enquanto
talvez enxergamos melhor
quando não temos visão
e uma obra de arte
faz sumir o artista
no seu transe
para que o espectador
veja, sinta, ouça, toque, cure-se (como em tommy - the who)
se kurosawa faz a gente entrar em van gogh
(clique aqui para ver um trecho do filme "Sonhos")
corvos e girassóis pode fazer a gente entrar
em nosso van gogh
o movimento dos dançarinos parece querer se fixar no tempo
enquanto o espaço some
o enquanto dos dançarinos parece querer se fixar no espaço
movimento e tempo somem
o tempo dos dançarinos parece querer se movimentar no enquanto
os dançarinos somem
e é na repetição que o transe irrompe
"repetir, repetir, até ficar diferente. repetir é um dom do estilo."
manoel de barros
a começar pelo começo:
enquanto mexem, remexem, giram, tiram do lugar, colocam de volta, procuram O lugar para organizar algumas cadeiras no espaço - peter brook diria que eles estavam criando o espaço vazio, tão vital para criar-se um espetáculo propício para a imaginação e interação com o público
-
os dançarinos convidam alguns espectadores para assistirem a apresentação
dentro do palco, em algumas cadeiras de palha, cadeiras de van gogh.
já esse movimento nos diz sobre a concepção da obra
vamos entrar
e, cada cadeira e cada espectador, com sua posição na cena, e seu ângulo e ponto de vista diferente, joga a nossa imaginação para visualizar e sentir de outros pontos também
como será que ele ali está vendo? e aquela moça ali? e esse rapaz sentado na minha frente?
o que cada um vê?
fernando pessoa deveria chamar-se fernando pessoas, como disse o ferreira gullar,
já que o homem precisava ser sempre outros (todos precisamos)
"não ser, é outro ser." manoel de barros
então somos convidados a sermos outros, para assim nos vermos melhor
e nesse jogo de pontos-de-vista, nosso olhar vai sendo direcionado, pela força gigantesca de minúsculos gestos, ou até mesmo de sensações (gestos internos) ao mesmo tempo que é jogada para ver a explosão do corpo, em gestos largos
- será que a gente consegue atingir o sublime pelas coisas mais banais? (os orientais diriam que sim, e todo artista universal também)
e o repertório de movimento não chega a ser extenso, virtuoso.
com poucos elementos, assim como poucas cores em van gogh, mas cores primárias, complementares (homem e mulher, autor e obra, claro e escuro, corvos e girassóis),
rima de corpos, criação de figuras imaginárias no espaço, linhas e curvas, ritmo,
e principalmente,
gra
vi
da
de
atingimos o EU
caímos em si
ao sermos outros
em corvos e girassóis
se uma obra não mostrar o homem para o homem
não sei pra que serve
ou pra que não serve.
a poesia é um inutensílio poderoso, de tão suave.
viva marcio cunha, renata reinheimer, e toda a equipe desse belo espetáculo.
você construiu um espetáculo de palavras...espetáculo dentro de outro espetáculo!
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