estou nesse momento
no seu quarto
em cada pedacinho dele
eu lembro do espaço que nossos corpos criaram
ocuparam
em cada objeto tem um pouco você
tanto que a saudade se torna quase
insuportavelmente acolhedora
é uma ausência tão grande que preenche tudo
(as ruas lá fora estão cheias
ouço gritos
grito também)
mas no seu quarto a maior presença é a sua falta
olho para o armário
consigo visualizar nós dois sem roupa
entrando em transe
olho para as fotos em cima da mesa do meio
uma ausência sua muito presente
de vários passados
o ventilador ligado
circula um ar que também contém fragmentos seus
e esse ar passa na minha pele
e é como se fosse a sua falta que me soprasse de leve
(soube que aquele seu amigo foi levado preso,
estava filmando com o celular e já foi liberado)
é como se me faltasse um órgão essencial
sangue, oxigênio, não sei
e ao mesmo tempo
eu estivesse na mais equipada incubadora
com tudo para me fazer saudável, respirar
seu quarto me dói como um parto bom
o seu toque está em cada objeto
no diprosalic
nos controles remotos
nos florais
no estojo
nas moedas
na maçaneta da porta
o seu olhar nos olha
do quadro dourado do beijo
da tela escura da tv
da tela acessa do computador
do teto
dos seus próprios olhos nas fotos
e penso que nunca fui olhado tão desprotegido
sinceramente real
com essa tristeza calando fundo
e essa alegria de saber que você volta em breve
e essa coisa que chamam amor
que se mistura em tudo que penso, faço, imagino, sou
(o cheiro de gás ainda está forte na camisa. até saiu o teu cheiro)
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