fragmentos datados de 13 de julho de 2037 - arquivo pessoal
I
Por acaso, assistindo a uma
entrevista num video na internet de Patch Adams, o médico-palhaço mundialmente
famoso após o filme, interpretado por Robin Williams, um intenso desejo de
finalmente escrever um livro tomou conta de mim. A visão da arte como medicina
para a sociedade caduca e doente, compartilhada por outro mestre que admiro, o
cineasta e tarólogo Alejandro Jodorowsky, parecia criar forças, ou melhor,
despertá-las de um sono há muito tempo dormido.
II
Por volta dos onze anos senti que
era poeta.
III
Depois de ler A Invenção de
Morel, e de ter visto os filmes do Chris Marker, notadamente o La Jettee, volta aquela
sensação incrível de como seria intrigante escrever uma estória com um pano de
fundo de ficção científica. Seria uma maneira eficaz de engajar o leitor, para,
durante a trama, tecer observações e filosofar mais profundamente, sem nenhuma
culpa de talvez ser chato.
Eu sei que teria que envolver
alguma coisa em relação ao espaço-tempo. Algo que criasse um ambiente surreal.
Nessa salada doida, de alguma
forma eu poderia tentar conjugar:
- memórias autobiográficas da
infância.
- a minha relação com meu pai.
- reflexões poéticas.
- reflexões filosóficas.
- a questão dos sonhos lúcidos.
- achar uma maneira intrigante de
desenvolver cenas de sexo.
IV
Realmente, o assunto mais
intrigante que experimentei na prática: sonhos lúcidos. E a experiência com ópio no jazz da praça Tiradentes na quarta-feira de cinzas... Um misto desses dois. Um ponto de partida mais eficaz
seria o de um livro de contos, linkados por essa temática, ou estilo. Ou
personagem. Enfim, as conexões são feitas pelo leitor. Se forem bem escritas. Algo de Twilight Zone. Um
cotidiano comum de onde irrompe o inexplicável. Escrever um livro imaturo
mesmo. Para perder a virgindade da prosa.
Pode começar assim: Sempre
conversava com amigos sobre sonhos, e um dia, seguindo a instrução de um deles,
decidi começar um diário de sonhos.
V
Essa coisa de fragmentar por um
lado é praticidade e por outro é preguiça.
VI
Assim como o Keith Johnstone fala sobre Impro, vou
seguir o conselho de dizer pra mim mesmo – vou escrever um livro medíocre.
Partir de clichês. Assim a gente se solta mais e não precisa ser genial. Acho
que vai ser bom para a produtividade da coisa
VII
Decidi. Vai ser um livro de
contos. Contos que tratam de uma mistura de psicomagia, twilight zone, poesia e
palhaço. Cada conto estimulando a imaginação. Decidi também organizar a minha
agenda de tarefas pessoal. Sempre reservar momentos de leitura e escrita
diária. Usar menos internet. O próximo passo é me relacionar mais e melhor com
as pessoas, como fala o Patch Adams.
VIII
O mote, a unidade, pode ser
justamente: a transformação do mundo através da poesia, do olhar poético. Como
podemos olhar diferentemente as coisas e mudar nossas vidas. Não deixa de ser
um livro como de auto-ajuda, mas com um viés literário e não tão declaradamente
místicos como livros de Paulo Coelho e afins.
IX
Um dos contos pode ser baseado
nas tardes dentro da kombi do marcos. As aventuras, as descobertas, os
pensamentos daquela época.As apreciações roqueiras. As lutas corporais. Os
causos do próprio marcos. O cd do Fênix. Mas teria graça isso tudo? Como escrever
isso de modo diferente do que simplesmente contar? Aliás, qual o problema de
simplesmente contar? Tudo não se baseia na velha arte de contar estórias? Como
nossos ancestrais, desde o início da humanidade, em volta das fogueiras?
X
Finalmente entendo o que faltava
para eu ter mais gosto e vontade de escrever prosa. Ler.
XI
Penso que um mote bom seria uma
espécie de diário. Uma reportagem poética. No sentido de experimentar na
prática coisas e relações interessantes para escrever não sobre, mais por sobre
aquilo tudo experimentado. Como fala o Castello no Ribamar. Acho uma boa idéia.
O que poderiam ser essas experiências? Algo do tipo do Patch Adams? Algo do
tipo drogas? Algo do tipo sexo?
XII
Numerar os capítulos dá um prazer
de avançar, uma sensação de que se está andando para frente. Mas queria mesmo
era experimentar o livro-jogo como aqueles da adolescência. Não conhecia Cortazar,
Borges. Então para mim o legal mesmo era o livro-jogo de RPG. Você podia
escolher qual caminho tomar. Cada caminho correspondia a uma página. Pode ser o
caso pensar em um livro desse tipo.