terça-feira, 29 de abril de 2014

deriva

andar à pé sem rumo
no meio da cidade
achar um atalho
um mijo de cachorro
que leve a lugar algum
ver, inventar, ser setas
ser sinais abertos verdes
abrir asfaltos com o dente
cavar o céu com os pés
andar à pé sem rumo
no meio dessa gente
enquanto o dia queima
veludos pelos ares
em ruas sem saída
achar por entre árvores
um ninho passarinho
achar por entre carros
e lixos retorcidos
um ser humano bicho
deitado em papelão
andar à pé sem rumo
sem sulco nos sapatos
no meio da saudade
buzina um coração
é tudo coisa falsa
me diz a consciência
são vidros e vitrines
comidas e bebidas
e gente no celular
andando pelas ruas
descubro uma pessoa
que veio do ceará
e canta titanic
com voz de violino
passeia com cachorros
de uma senhora morta
descubro um porteiro
que rega passarinhos
com água e açúcar
que manda nessa rua
sem saída para o mar
descubro um ponto nulo
por entre outros postes
onde se vê escrito
algum amor ou ódio
invento essa estória
e depois esqueço
andar à pé na rua
sem rumo e sem sapato
será que é verdade
boatos de assalto
ali naquela esquina
alguém perdeu sandália
é tudo da cidade
perdida em-si-mesmada
andar à pé sem rumo
esquecer que existe o tempo
supor que atrás do muro
alguma vida dorme
alguma vida acorda
e tudo é o que invento
no meio da cidade
descobrem-se rios
imaginários
e nos olhos dos pedestres
nos pés dos automóveis
alguma coisa vive
alguma coisa morre
lembrar que um dia a gente
andou por essas bandas
lembrar que a gente é só
que a gente é um mundo
lembrar que os pés doem
de tanta alegria
andando à pé sem rumo
à deriva

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