domingo, 31 de janeiro de 2010

posso criar uma bela frase para tentar fazer com que você sinta o que eu senti
mas o poder dela está em tudo aquilo que só você pode sentir quando ler
ou sentir achando que eu senti
nunca uma frase se esgota
a não ser quando lida pela razão

assim como não deveríamos esgotar a leitura de uma pessoa
com os olhos, tato, cheiro, camisa, sapatos ou nua
inventar uma leitura ajuda nesse caso
e nos outros

a gente se esqueceu de inventar as coisas
e agora só enxerga sete cores do arco-íris e ouve sete notas músicais
bom mesmo é enxergar mil notas músicais
e ouvir mil cores

na poesia pode isso

o leitor ou o poeta não precisam acreditar
nem fingir

na poesia não há espaço para ilusões como acreditar
ou fingir

só há um grande espaço para
nada

sábado, 30 de janeiro de 2010

dança de salão

quando quero o giro
procuro o passo
e desacho
no meio do salão

quando quero o fico
pressinto o tato
e desfecho
o samba e a razão

quando quero o umbigo
preciso de espaço
e desenlaço
as pernas e o coração

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

acabo de ligar o ventilador
está quente aqui
e ela lá na sala vendo simpsons

calça jeans escura
lap top na cadeira
escrever deveria ser algo

as risadas percorrem os cômodos
seria um sonho
se eu estivesse acordado

papéis, quadros de irmã
o chão é de madeira
desenhos na parede branca

a janela range
acho que é o vento
quase como se jogasse pedrinhas no vidro

sabe quando pisca a luz
e você acha
que foi você que piscou?

o nariz escorre
tenho preguiça de pegar papel
antes eu escrevia em papel

ainda não li muita coisa
nem escrevi quase nada
mas sinto como se pouca coisa realmente foi dita

ou será dita ainda
abro os jornais
e as palavras são fotos e as fotos são palavras

viver deveria ser poesia
remar deveria ser poesia
e não rimar

mas às vezes o mar está agitado
e às vezes os olhares não esperam os corpos
e fica aquele espaço entre o feito e o não feito

fica o espaço entre o passado e o futuro
a que chamamos presente
seria mais fácil só viver

lá fora poderia chover
e alagar a cidade
como na baixada fluminense

os ratos agora sabem morrer nas calçadas
e quem estiver de sapato não fica de pé
tratores vão abrir a terra para plantar poesia

será tão difícil assim enxergar
que só o abrir dos olhos
faça milagres modernos?

um embrulho branco
procura mãos limpas
para presentear

o céu teima em escurecer
mesmo quando a gente
só quer acordar

acordei lá prás três
a noite ontem
durou talvez

justo agora que eu me emocionei
vem essa merda
de pensamento

poesia poderia ser não pensar
uma espécie de meditação
ativa

enquanto os dedos digitam
o corpo inteiro
digita junto

em uníssono
formando
composições

quantos por aí se dizem poetas
até eu mesmo já me disse
agora eu tento apenas silênciar a poesia

de tanta palavra
o que fica
é o silêncio

de se saber
código
linguagem

e de nunca
se ser
o que é


quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

ela dobra o sol com a boca
e cospe uma manhã
amanhã ela dormiu no silêncio
de um grito que a chuva dá

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

talvez seja a noite que impregna nas coisas um gosto de ilusão
talvez seja a noite que impregna nas ilusões um gosto de coisa

mas não, foi essa tua dança, tua virada de quadril
mas não, foi esse teu quadril, tua virada de dança

se fecharmos os olhos conseguiremos enxergar o futuro
ou será que se fecharmos o futuro conseguiremos olhar o fecho
o fecheclér
o feixe eletromagnético de todas as tvs
o peixe elétrico

talvez seja a ilusão que impregna na noite um teor de gosto
um gosto do cheiro
um paladar do toque

sua dança anônima
- não existe e ainda sim está

uma nova descoberta precisa de um grito
terra-a-vista ou coisa assim
mas preferimos manter assim
prefe-rimos
de
rimas

sim, é a noite
é você
é essa bebida
é esse olhar
é essa noite

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Religião

hoje o céu tá bem estrelado.
dá pra ver vários pontos brilhando.
e pensar que estão tão distantes, que podem até não existir mais.
(ou que talvez nem existam de fato, são apenas furos num papelzão preto cobrindo a Terra e alguém bem grande com uma luz atrás)

procuro as constelações do zodíaco.
mesmo sem acreditar em astrologia.
os signos que o mundo oferece a gente já não sabe mais ler.

às vezes me perco durante algumas frações de segundo.
depois, um cachorro engraçado, uma criança de rua, uma moeda no chão,
uma buzina de carro, um olhar de menina, alguma coisa vem e diz que as coisas existem mesmo,
ou melhor, que é melhor eu acreditar que existem, e atravessar logo a rua porque o sinal já está abrindo.

mesmo quando você tenta fugir, desacreditar, a vida te oferece tanta poesia!

escrevo como religião. escrevo até acreditar.
antes de ontem
vi um cachorro de cadeira de rodas

só pra constar

sábado, 9 de janeiro de 2010

passagem

uma criança nasce na china
e outra na chuva
eu sou cidadão do mundo
mas perdi meu passaporte
só posso andar descalço
e de passagem

uma dança nasce em mim
e outra na uva
eu sou coração profundo
mas ergui meu muro forte
só passo andar em falso
e de massagem

uma crença nasce neblina
e outra na rua
eu sou caminhão imundo
mas ver-te me fura a morte
só aço arde o aço
e de mensagem

domingo, 3 de janeiro de 2010

é preciso?

dentro de cada homem bom existe um assassino.
eu só fui descobrir isso depois que me matei.
a cada dia morremos e renascemos.
por que a ilusão de que tudo continuará igual?
nada permanece, muito menos essa frase essa palavra essa vírgula, e esse ponto final que não vou escrever

será preciso destruir tudo o que foi feito para construir de novo um novo
a poesia pode ser feita de cinzas e escombros
será possível chorar nos ombros de desconhecidos
e o sol será laranja e verde

agora pegue o seu coração e veja como ele bate desesperado por um pouco de vida
o que você fez hoje que irá mudar a sua vida?

que poesia você encontrou caída num beco, atrás de um lixo sujo, nos olhos de uma mulher?

que soco você deu em alguém? até quando tempo você aguenta sem respirar e sem se mexer?

será preciso apenas abrir os olhos para ver a poesia
ela não estará mais nos papéis nem nas telas de computador
será preciso não precisar mais nada
navegar não será preciso
e quando tudo não for mais preciso
saberemos exatamente o que fazer
a maneira do não-fazer estará clara límpida brilhante sol brilhando pelas praças do meu país e dos países da memória
será preciso ser criança
e olhar as estrelas com a ponta dos dedos
e molhar as calças com mijo quente
e comer o misto quente da garota bonita da turma
e cuspir no cabelo da sua mãe
será preciso muito mais
para imprecisar a vida
com poesia

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Memórias 3

Me lembro de algumas coisas da festa da Paulinha no Clube Federal, Alto Leblon.
Estava todo mundo da escola. A gente chegou numa van. Foi mó zuera na van. Cantamos mamonas assassinas, andré-roubou-pão-na-casa-do-joão, jogamos papel na cabeça do outro. Era um dia bem quente de verão. O sol. A primeira coisa que eu me lembro é de que o clube era bem grande, com espaços amplos e que quando a garotada chegou saiu correndo e gritando e pulando pelas cercas e bancos que tinham na frente. Rolou um fute. Uma cabeçada tremenda, devia ter uns 25 dentro de um campinho de areia. O André, se não me engano, fez um gol, meio de perto do gol. Era muita engraçado, porque todas as meninas estavam jogando junto também, então era aquele negócio de ir uns 6 disputar uma bola, as meninas chutando as canelas de todo mundo e a gente rindo, dando drible da vaca ou ovinho nelas. Eu até fiz um gol. A bola veio rolando e eu chutei que nem um maluco, de antes do meio de campo. Foi gol. Vibrei e soquei o ar como pelé. Logo depois, numa correria danada, escorreguei e me ralei todo. A gente estava jogando sem camisa. Me ralei na areia. Mas tudo bem.
Depois eu me lembro da gente curtindo uma piscina. Era uma piscina bem grande e o sol batendo nela refletia uma luz e eu deitei numa dessas cadeiras reclináveis de plástico branco e peguei os óculos escuros de alguém emprestado, me sentindo um cara de filme americano, olhando as meninas em seus biquínis e, se não me engano, pensei ou falei alto ou baixo: ê vida ruim.
Aquela calmaria durou apenas alguns instantes, quando começou uma gritaria: alguém tinha pego o enchimento de algodão de alguma garota e elas começaram a brigar, puxar o cabelo, numa cena bonita de se ver, tão bonita que juntou todo mundo e eu até pensei na hora, poxa, bem que poderiam me dar um guaraná e uma pipoca aqui, estou no paraíso. Antes, quando eu tava nadando naquela piscina, bem que eu tinha avistado uns dois chumaços de algodão, mas não imaginava que aquilo era o enchimento de alguma menina. Impressionante né. Naquela época a menina ter peito grande nem era tão grande coisa assim para mim, para os meninos. Como representantes exemplares do pensamento masculino brasileiro, ainda éramos (e somos) adeptos da verdadeira paixão nacional: bundas e pernas.
Depois daquela confusão, me lembro de pouca coisa...O Bruno me mostrando como andar de skate. Deve ter rolado brincadeira tipo verdade-consequencia. Não lembro de mais outra coisa não.
O que ficou mesmo foi aquela sensação, de olhar pra piscina, num belo dia de sol, e pensar que, anos depois, eu mais velho, lembraria daquela imagem, daquele som, daquele cheiro, pensando:
ê vida ruim.