mulher sentada olhando o mar
o mar deitado olhando a mulher
a espuma dançando na pedra
a pedra sonhando com a mulher
a mulher se fazendo pedra
montanhas do rio de janeiro
lugar qualquer
o sol na linha do horizonte
não existe mas acreditamos
que ele esteve lá
porque o fogo laranja
se apaga
na espuma do mar
que contempla a pedra
a mulher e a linha do horizonte
que não existe
mas está lá
no limite das palavras
ou no infinito
mulher abraça as pernas
não vejo o rosto
o rosto é o mar
um fogo laranja
some
atrás do mar
quanto mais some esse fogo
mais claro o poema
se forma
em espumas
que não posso ver
a vida inteira eu procurei
um momento como esse
em que uma mulher se faz pedra
a pedra grita mar
e a espuma vira palavra
nunca achei
nem vou achar
e isso não me basta
e a poesia vive
segunda-feira, 23 de abril de 2012
domingo, 22 de abril de 2012
cafuné
deita na rede
e nem tem parede
deita a cabeça
no meu colo
e nem tem solo
deita a pele
na minha pele
cantarola michelle ma bele
com sotaque minero
deita os olhos
no espelho
batom vermelho
e nem escuta conselho
de que vai chover
deita de leve os cabelos
nas mãos que dedilham concertos belos
e vem, de leve, arrepio nos pêlos
como gatos no cio quando se tenta vê-los
pulando telhados de madrugada
deita de leve no sonho
fecha os olhos, mulher
deixa acordar a menina que quer
mais nada
só cafuné
e nem tem parede
deita a cabeça
no meu colo
e nem tem solo
deita a pele
na minha pele
cantarola michelle ma bele
com sotaque minero
deita os olhos
no espelho
batom vermelho
e nem escuta conselho
de que vai chover
deita de leve os cabelos
nas mãos que dedilham concertos belos
e vem, de leve, arrepio nos pêlos
como gatos no cio quando se tenta vê-los
pulando telhados de madrugada
deita de leve no sonho
fecha os olhos, mulher
deixa acordar a menina que quer
mais nada
só cafuné
pé-de-vento
eu sempre fui pereba
no futebol
porque meu pé
era de vento
no pique
principalmente bandeira
e na corrida
era bom
fiquei pensando hoje
como faz
para plantar
um pé de vento
soprar na terra?
abanar um vaso?
tem que ser num lugar
arejado
aberto
é um trabalho um pouco
complicado
mas nas palavras
é bem fácil até
porque elas tem oco por dentro
que nem as pessoas
e as árvores
queria escrever um poema
que nem parasse no papel
de tão ventado
mas não seria uma experiência
concretista
com umas doideras
do tipo gullar, campos e tal
seria uma coisa
que você nem ia ler
só sentir aquele vento na cara
que nem quando você coloca
a cabeça pra fora do carro
numa estrada em minas
ou em qualquer parte onde haja
verde
eu queria escrever um vento
mas isso é impossível
então a poesia ficaria melhor mesmo
se você fosse viajar agora
e colocasse a cabeça
pra fora
no futebol
porque meu pé
era de vento
no pique
principalmente bandeira
e na corrida
era bom
fiquei pensando hoje
como faz
para plantar
um pé de vento
soprar na terra?
abanar um vaso?
tem que ser num lugar
arejado
aberto
é um trabalho um pouco
complicado
mas nas palavras
é bem fácil até
porque elas tem oco por dentro
que nem as pessoas
e as árvores
queria escrever um poema
que nem parasse no papel
de tão ventado
mas não seria uma experiência
concretista
com umas doideras
do tipo gullar, campos e tal
seria uma coisa
que você nem ia ler
só sentir aquele vento na cara
que nem quando você coloca
a cabeça pra fora do carro
numa estrada em minas
ou em qualquer parte onde haja
verde
eu queria escrever um vento
mas isso é impossível
então a poesia ficaria melhor mesmo
se você fosse viajar agora
e colocasse a cabeça
pra fora
mise-en-abyme
mora na palavras
uma arara
que repete a paisagem
sonora
carrega dentro do bico
um caracol maluco
que regurgita poemas
vindos lá do tempo
do manoel
fica lá
comendo e recomendo
pedaços de frases
de mil anos atrás
esse caracol
leva dentro do casco
um pedacinho de vento
que vivia em estradas
no interior do brasil
na poeira desse vento
voam cinzas de avôs
cinzas de índios
e fumaças de cigarros
que talvez o fernando pessoa
fumou
nesse grão de poeira
resta um silêncio gritado
que um poeta imaginou
e escreveu
e criou asas
e voou
e que hoje mora
numa palavra
uma arara
que repete a paisagem
sonora
carrega dentro do bico
um caracol maluco
que regurgita poemas
vindos lá do tempo
do manoel
fica lá
comendo e recomendo
pedaços de frases
de mil anos atrás
esse caracol
leva dentro do casco
um pedacinho de vento
que vivia em estradas
no interior do brasil
na poeira desse vento
voam cinzas de avôs
cinzas de índios
e fumaças de cigarros
que talvez o fernando pessoa
fumou
nesse grão de poeira
resta um silêncio gritado
que um poeta imaginou
e escreveu
e criou asas
e voou
e que hoje mora
numa palavra
seu desenho
seu desenho
nem é no papel
seu desenho
é feito no mundo
com giz e lápis
suas sombras
estão andando
nas paredes
faz uma casa
com um olho
no telhado
faz uma nuvem
saindo da chaminé
nuvem cigana
nuvem bêbada
de guaraná
com gelo e laranja
seu desenho
brinca com as cores
o céu é verde
o mar é amarelo
as pessoas estão juntas
seu desenho
é feito com o corpo
dançando na vida
deixa para trás
rabiscos
letras desconhecidas
e procura um sorriso
nas paisagens
com tinta nas mãos
nos pés
nos seios
vai desenhando um voo
feito de sonhos
na cabeça dos monstros
dos pesadelos feitos de concreto
dos prédios
caem papéis brancos
picotados
cai um no seu decote
e se perde
seu desenho
não sei se é real
seu desenho
é imaginário
mas eu acredito
e me pinto
como eu quiser
nem é no papel
seu desenho
é feito no mundo
com giz e lápis
suas sombras
estão andando
nas paredes
faz uma casa
com um olho
no telhado
faz uma nuvem
saindo da chaminé
nuvem cigana
nuvem bêbada
de guaraná
com gelo e laranja
seu desenho
brinca com as cores
o céu é verde
o mar é amarelo
as pessoas estão juntas
seu desenho
é feito com o corpo
dançando na vida
deixa para trás
rabiscos
letras desconhecidas
e procura um sorriso
nas paisagens
com tinta nas mãos
nos pés
nos seios
vai desenhando um voo
feito de sonhos
na cabeça dos monstros
dos pesadelos feitos de concreto
dos prédios
caem papéis brancos
picotados
cai um no seu decote
e se perde
seu desenho
não sei se é real
seu desenho
é imaginário
mas eu acredito
e me pinto
como eu quiser
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Nuvens bêbadas
Essa
história quem me contou foi meu avô, no aniversário dele de 90
anos. Ele era um velhinho saudável da porra. Com mais saúde e força
que eu. Depois que fez 90, chutou o balde legal. Ou melhor, bebeu
baldes e baldes. Sei lá, cansou. Quis aproveitar e encher a cara. Em
2 anos bebeu mais do que bebem numa vida inteira. Câncer no fígado.
Já tinha vivido muito também. E bebido.
Eu estava
indo para o colégio, estudava no Pedro II, um dos colégios mais
tradicionais do Rio. O Nelson Rodrigues que tem aquela frase dizendo
que foi o maior desgosto não ter estudado lá. Imagino que aquele
uniforme das meninas, bem colegial, aquela saia azul, realmente tenha
enlouquecido o inconsciente do Nelson. Enfim, eu estava indo para a
aula, que era de tarde, quando ele me puxou pela camisa do uniforme e
falando daquele jeito dele, me levou para um pé-sujo ali perto em
São Domingos. Pé-sujo mesmo, daqueles de ovo rosa. Tinha dois
amigos portugueses no bar. Eram os próprios donos, um chamado
criativamente de Joaquim, o outro, seu irmão João. Tinham fugido da
Europa depois da segunda guerra.
Já bem
bêbados, eu também, o vô começou a contar sobre sua infância e
lembrou da história do Fagundes Varela, o poeta que ele mais gostava
e que acreditava ser sua reencarnação. Contou que Fagundes Varela
era o poeta mais bêbado do Brasil, e que foi por causa dele que
começou a beber. Na verdade, por causa de uma menina: Maria Clara
Lopes. Ele costumava falar o nome dividindo bem as sílabas, quase
como quem saboreia cada uma delas. Ma-ri-a-Cla-ra-Lo-pes. Para tentar
conquistá-la, simplesmente copiava trechos, as vezes poemas inteiros
de Varela. Ficou bastante tempo na biblioteca, às vezes roubava
livros do poeta, ou rasgava algumas páginas e colava nas cartas de
amor para Maria.
O que meu
vô sempre contava quando estava bêbado: os últimos dias da vida do
poeta Fagundes Varela. Eu achava engraçada aquela obsessão. Na mesa
do pé-sujo, depois que Joaquim trouxe um pequeno bolinho de
chocolate, com uma mísera velinha azul, e meu vô assoprou com um
sopro falhado, brilhos nos olhos, começou a contar de novo.
Fagundes
andava por Niterói na época. Era já um famoso andarilho. Não como
um mendigo. Trajava-se de forma até elegante, mas sem dúvida
desleixada, decadente. Meu vô também tinha a mesma espécie de
vaidade desleixada. A última vez em que Varela se apresentou
socialmente foi num evento memorável, na casarão hoje chamado de
Solar do Jambeiro. Bem pertinho daqui do bar. Era o aniversário do
dono da propriedade, o diplomata dinamarquês Bertholdy. Em comum,
Bertholdy e Fagundes, tinham além de conhecidos da sociedade
fluminense, uma figura em especial: Rosa Fernandes. A prostituta de
luxo dos grandes burgueses e antigos nobres. Curiosamente, ouvindo
meu vô falar, percebi que aquilo era muito mais importante do que a
aula de literatura que eu estava matando no colégio. Passamos muito
rápido pelos poetas românticos. Pouco se fala sobre Fagundes
Varela, o que mais me interessava, justamente por ser tão pouco
falado na escola e tão amado pelo meu avô.
Varela teve
um romance com Rosa, que na época era a preferida de Bertholdy. Vô,
já falando alto, gostava de falar sobre como imaginava as noites de
paixão entre o poeta e Rosa. Disse que lembrava da puta com quem
perdeu a virgindade. Na festa no casarão de Bertholdy, no salão
principal, todos dançavam sobre aquele piso bem bonito, parecendo
uma espécie de jogo de gamão, e os convidados rodando numa
coreografia que acentuava o caráter lúdico da coisa. Ao fundo,
sentado, Bertholdy agia como um deus jogando seus dados e apostando
alto.
Meu vô
contava aquelas histórias, e os portugas ficavam olhando, quase que
de boca aberta. Tirando a preferência por cervejas ruins, das mais
baratas, admirava quase tudo no vô. Era um grande orador. Lembro que
pedi uma ajuda pra ele quando me elegeram orador de turma. Acho que
fizeram de sacanagem, sabiam que eu gostava muito de escrever, mas
tinha certa timidez em falar em público. As aulas com ele duraram 2
fins de semana, e ele resumiu em um verbo: beber.
De súbito,
vô subiu em cima da cadeira. Esbarrou numa das garrafas, quase caiu,
se eu não o tivesse segurado. Foi tentando subir sem pedir ajuda,
ele odiava essa história de terceira idade. Se apoiou nos meus
ombros com o braço e se levantou. Os poucos que estavam no bar
viraram para olhar. Então ele recitou um poema. Eu já tinha ouvido
ele recitar uma vez, na verdade, quando eu estava com dúvidas sobre
como conquistar a Lidiane, uma menina do colégio.
Depois que
vô faleceu comecei a ter esses sonhos. A gente nunca lembra como
começa um sonho. Quando vemos, já estamos no meio da história.
Estava no Solar do Jambeiro, na época do Fagundes. Andava primeiro
pelo jardim. Olhava para as árvores, flores e ia mentalmente
identificando seus nomes. Azaléia. Camélia. Nomes de mulher. Ia
para o salão principal. Eu sonhava em preto-e-branco. Por que? Estou
dançando uma música que parece Ernesto Nazareth. Vejo no chão o
piso decorado em vários desenhos geométricos criando uma espécie
de labirinto. Lidiane está vestida como uma dama da sociedade.
Parece mais velha. Há um senhor pendurado no lustre. Joga espumante
nos casais que dançam. Bertholdy vem em minha direção. Seu rosto
vira o do meu pai. Traz uma caixinha de madeira nas mãos. Vem um
medo grande de abrir a caixinha. Acordo um pouco suado.
No enterro
do vô, nem chorei. O sofrimento de meses com o câncer amortecia a
gente.
Um dia
conversando com o Marcelo Beauclair, professor de redação do
colégio, fiquei surpreso e desacreditei quando ele apontou um erro
grande de anacronismo, falando sobre o meu avô, o Fagundes, o Solar
e tal. Disse que o Fagundes morreu em 1875, ao sair de uma festa,
pelas bandas perto do jambeiro, sim, mas bem antes de Bertholdy
residir no local. Me corrigiu também dizendo que Ernesto Nazareth
também não poderia estar sendo apreciado naquelas festas da
sociedade. Seria mais correto historiograficamente ouvir um Chopin.
Aquilo tudo me pegou de surpresa. Fui ingênuo em acreditar no vô?
Passei algum tempo remoendo isso. Ler os diários dele e fuxicar nas
coisas que ele deixou ajudava para distrair. Eis que caído atrás da
última gaveta da escrivaninha de madeira, encontro uma caixa.
Parecia ser bem velha. Uma espécie de deja vu. Mas não lembrei do
sonho nessa hora. Abri. Estava vazia. Na hora me veio um pensamento
meio idiota, mas legal. Foda-se o que é verdade. Foda-se se o que o
vô falou está errado, ou é invenção. Se não fosse a invenção
não existiria a poesia.
Decidi
levar comigo as cinzas do vô, naquela mesma caixinha de madeira. Não
sabia o que fazer com aquilo, mas sabia. O jardim do Solar do
Jambeiro parecia o mesmo de sempre. Por mais que a casa, hoje museu,
parecesse um tanto quanto morta e mumificada; a terra, as plantas e
flores, existiam e viviam ali. Perto de uma azaléia, olhei para os
lados. Ainda estava sol. Os guardas estavam longe. Abrí um pequeno
buraco, na terra ao lado da planta, coloquei cuidadosamente a caixa
ali. Tentei pensar em alguma reza, pensamentos positivos, alguma
coisa assim, mais mística. Olhei o relógio: 16h. Ah, foda-se, o vô
gostava mesmo era de poesia. Lembrei de alguns versos do Varela:
“Minh'alma
é como um deserto
por onde o
romeiro incerto
procura uma
sombra em vão;
É como a
ilha maldita
que sobre as
valgas palpita
queimada por
um vulcão!”
Depois
dessa silenciosa cerimônia, com os olhos ainda abertos, e um pouco
lacrimosos, imaginei uma festa da época antiga da casa, e meu vô
lá, dançando no salão, girando com as damas da sociedade,
conversando com seu amigo Fagundes, Nazareth ao piano tocava Odeon,
Lidiane de saia azul do Pedro II dançava um twist, no quarto ao lado
meus amigos jogavam playstation, escravos serviam a todos vestidos de
terno e carregando nos pés algemas de metal, as prostitutas dançavam
can-can, eu tomava absinto com cachaça, e Bertholdy ao fundo,
olhando tudo como um deus olha suas criaturas, e acima da casa, o
Jambeiro crescia cada vez mais, olhando aquela coreografia de corpos
com olhos de árvore, e acima do Jambeiro, as nuvens olhavam aquela
cena imaginária, como poetas bêbados vivendo eternamente.
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