domingo, 26 de junho de 2011

Onde? - prosa (resposta ao poema)

----------(resposta ao poema - http://limitedapalavra.blogspot.com/2009/02/onde.html )


----------No tempo em que estagiei na Ancine, apenas seis meses, o que mais me intrigava era a poesia. Foi pouco tempo mas tempo suficiente para muitas coisas. O prédio da agência está localizado em frente ao Palácio Gustavo Capanema, o marco modernista por onde sempre gostei de pegar uma brisa. Drummond trabalhou lá. O Ministério da Educação nos anos Vargas era baseado ali. Gostava de ficar imaginando como seria voltar ao passado e encontrar pelas esquinas do Rio, pelos bares do centro, os poetas que tanto admiro - Drummond, Vinícius, Murilo Mendes, Manoel de Barros (sim, o "poeta do pantanal" morou muitos anos no Rio), Gullar, Bandeira... - assim como o Woody encontrou em filme os seus ídolos no "Midnight in Paris".
----------Do meu escritório burocrático, do meu cubículo, a realidade só poderia fazer sentido não fazendo nenhum sentido, ou seja, através da poesia. Foi o período mais fértil poéticamente falando. Ou período mais prolixo (onde eu produzi e incentivei a produção de mais lixo). Escrevi em torno de 40 poesias por mês. A razão ou desrazão é simples. O trabalho era organizar planilhas no Excel, um típico trabalho de estagiário. Não havia nenhum desafio, nenhuma necessidade específica, nenhum requerimento intelectual. Talvez ensinando chipanzés a mexer no Excel, se sairiam melhor que os humanos - apenas, é claro, ofertando uma banana para cada planilha consolidada. Minh`alma de poeta não poderia se contentar com esse tipo de batente. Até porque a poesia precisa ser inútil. (Se bem que, pensando agora, todo burocrata do serviço público tem grandes chances de se tornar poeta - já que seu trabalho, em grande parte, se resume a buscar formas de não-trabalho, formas de ser inútil. Vai ver uma das razões de grandes nomes da literatura nacional pertecerem a esse tipo de emprego - Drummond, Vinícius, Guimarães Rosa, João Cabral... a lista continua).
----------Até que um dia, por incrível que pareça, realmente encontrei Drummond andando pelas ruas da Cinelândia. De início achei que apenas um sósia. Mas não. Era ele mesmo. O poeta por excelência. Aquele que a gente estuda no ensino fundamental e médio. O mundo mundo vasto mundo. O e agora josé. Drummond andava como quem procurava algo. Sem saber o que perguntar, como abordá-lo, apenas cutuquei seu ombro esquerdo, por sinal ossudo como conhecia em fotografias. Ele virou atordoado. Era ele mesmo. Perguntei se ele gostaria de tomar um chopp e conversar sobre poesia. Para minha surpresa, não só aceitou como mostrou-se animado para a conversa. Ou para o chopp. Eu disse que pagaria.
----------Foi então que todos os dias, eu encontrava algum poeta. Andando pelas ruas da Cinelândia, como o Drummond. E em cada encontro conversava sobre poesia, sobre o processo de cada poema, sobre o que inspira, o que é importante para o poeta... Eram conversas deliciosas. Aprendi muito nesse tempo. Ir para o trabalho já não era tão maçante, porque eu sabia que no fim do expediente, encontraria um poeta, tomaria um chopp com ele, e dividiria estórias, poemas, causos, coisa que sempre sonhei.
----------Vinícius era um grande parceiro. Fazia questão de pagar os chopps. Que eu tomava, já ele admirava um bom scotch. Fomos ao puteiro juntos. Nunca me esquecerei. Uma mulata, até bem bonita, sentou-se no colo do poeta. Cantou uma canção, supondo ser de Vinícius. Ele riu, e fingiu que era mesmo dele. Um verdadeiro poeta. Na saída, ele pegou na minha mão e disse: o melhor remédio para a dor é o whisky. o segundo melhor é uma mulher. o problema é misturar os dois. a dor fica maior.
----------Já com o Manoel foi diferente. A gente costumava pregar peças nos outros poetas. Coisa de traquinagem mesmo, criancice. Ele era um fanfarrão, mas muito tímido. Numa vez pusemos tachinhas na cadeira do João Cabral. Dizem que depois ele escreveu sobre o lance da palavra pedra. O Manoel gostava mesmo de brincar. Mas tímido que era, precisava de alguém como eu para concretizar o que imaginava, as artemanhas. Ficava olhando os cantos sujos da parede, atrás de lixos e conversa com mendigos e bêbados da rua. Gostava muito do Sêo Tonho - um bêbado que morava ali perto do Capanema. Costumava pagar uma pinga para ele, depois do expediente. Uma vez o poeta me disse: o Tonho é fazedor de mentiras. gosta de inventar coisas com o lixo para poder ser poeta. o Tonho é capaz de criar um automóvel a partir de uma lata. Ele até já se jogou na frente do bonde só para teatro. Ser artista é esse ato suicida.
----------Foram tardes e noites incríveis. Grande parte do que escrevo hoje é só de memória daquele tempo. Outro dia fui na Biblioteca Euclides da Cunha (BEC - que fica no Capanema) e achei um pequeno bilhete dentro de um livro bem velho do Drummond:
- "Pagar o chopp que devo para o Taiyo."
----------O poeta é um ser de princípios, po.

6 comentários:

  1. Opa, desafio concluido! E com que rapidez!
    Me identifico muito com esse poema, e agora com essa prosa.
    Otro dia tomei uns chopps com a Cecilia no Arco do Telles, mas rachamos a conta. Sabe como é mineiro, bebe muito!

    ResponderExcluir
  2. grande começo para novos tempos

    ResponderExcluir
  3. acrescentarei um romance nesse texto. está faltando.
    em breve já estará ai.

    ResponderExcluir
  4. hauhauauahauaauahhauauh... "Dali, Dali!!"

    Achei o filme do woody meio xoxo.

    ResponderExcluir
  5. Outro dia eu não encontrei com o Drummond. Coincidência, né?

    ResponderExcluir
  6. O rinoceronte de Dalí me fez lembrar de você imediatamente.
    Bjs
    Mariana.

    ResponderExcluir