era a primeira vez que eu estava dizendo a minha história, a verdadeira, e não aquela que eu te disse antes da morte da tua avó. você estava desamparada, eu não podia contar tudo aquilo. tudo isso. o lance é que nesses três meses muita coisa aconteceu, diferente, muito diferente do que eu mesmo imaginei que aconteceria. os meus emails esparsos demonstram a instabilidade cambaleante em que tentava sobreviver. a verdade é que os papéis do meu suposto livro se acumulavam, espalhados pelo apartamento inteiro, o vizinho até reclamou quando escorregou num deles, que saía da fresta da porta da frente. eram tantos e em lugares tão inusitados que só a tarefa de juntá-los seria maior do que a realizada na própria escrita. peço desculpa pela demora, mas só hoje encontrei a parte que realmente queria te mostrar. não saberia explicar exatamente como aconteceu. já tinha ouvido ou lido experiências de quase-morte, nas quais as pessoas se deslocavam de seus corpos, viviam uma realidade paralela ao corpo, tinham visões de familiares já mortos. posso te dizer que foi algo parecido. coloquei o cd do Lô, aquele do tênis, e numa velocidade impensável escrevi umas 37 páginas. eram imagens da infância, misturadas com brigas familiares, sonhos, pesadelos, acontecimentos banais, e que na verdade, coisas que nem sabia explicar o que eram. foi então que percebi que não era eu quem escrevia, ou era, pois me vi fora do corpo olhando-me a escrever no computador. você pode imaginar a sensação maluca, começei a suar frio, e rezei, como nunca antes tinha rezado na vida. chamei Cristo, Buda.
e, então, nesse ato que te falei, chamei por você. é sério. eu também só fui entender isso na tarde de hoje, quando acordei. eu cansei. cansei do que eu era, do que a gente não era ainda. eu, fora do corpo, percebi que te amava. você pode imaginar também o quanto isso é confuso pra mim. mas é a mais pura verdade.
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