segunda-feira, 31 de maio de 2010

ontem a minha vó estava vendo chaplin

no sofa da sala. passou no canal futura. acho que é o 32 da net.
minha vó gargalhava alto, enquanto o carlitos apertava os parafusos, ficava louco, entrava dentro das engrenagens.
"não se fazem mais ontens como antigamente..."

e de repente sou eu que estou numa engrenagem
na grande engrenagem do mundo

aquela imagem do filme
talvez sirva como um sonho do artista
fazer parte do mundo
pelas avessas
desengrenar o mundo
sair da fila dos movimentos mecanizados
com uma loucura
com um ideal
com uma bandeira
com fome

domingo, 30 de maio de 2010

uma questão de gosto

eu gosto do céu porque ele é
mel.

as nuvens sorriem desenhos naif
quando a imaginação quer sonhar
cordilheiras da noite.

eu gosto do mar porque ele é
céu.

teu corpo geograficamente feminino
inventa um sol maior
com uma flauta de ossos e canta
um conto
de reis.

eu gosto do vento porque ele é
inventado.

corre por de dentro dele
um outro vento
que não existe
mas a gente acredita.

eu gosto da terra porque ela é
plana
dor

é uma questão de gosto
não se discute
não se julga

se poesia



sábado, 29 de maio de 2010

pós-operatório

escrevo essas palavras com óculos escuros
e um olho lacrimoso de pós-cirurgia

vou me livrar da miopia
mas não do olhar enviesado
da poesia


quarta-feira, 26 de maio de 2010

hoje eu dormi no ônibus voltando de niterói e aqui conto o relato objetivo* do que aconteceu:

passei do ponto
do ônibus
porque dormi
e tonto
atômico pranto
o sono
passeia breve
e pronto
já é distante
o ponto
já é passado
a praça
já é neblina
buzina
aos trancos e
barrancos
por onde a vida
grita
asfalto e fantasia
borracha
contorcida
queimando as listras
brancas
por onde passam
tias
que pisam seus
sapatos
seus sonhos
sublimados
em plena faixa
livre
pedestres vão
e esbarram
meu corpo passa
o ponto
atropela a própria
perna
de um sonho
de sonâmbulo
agora o sonho
manca
e pisa em ponto
e ponto
e pula a primavera
em plena avenida
eu vejo o corpo
dela
perdido em
ser bonita
tropeço em
aquarela
no chão vermelho
e cinza
as lágrimas que caem
dela
pincelam
poesia



*relato objetivo: é se transformar em objeto para poder perceber as coisas objetivamente: exemplo: olhar o mundo através de uma visão de pneu, ou de papel, ou de óculos, coisas assim, issos.

terça-feira, 25 de maio de 2010

imagem-mãe 1 - terra em transe

caminhando sobre a areia
um céu nebuloso porém claro
uma poesia escrita sobre a imagem
um homem com uma metralhadora
apontando uma metralhadora aos céus
um lamento na voz
uma sinfonia de villa-lobos
um corpo agonizante
metralhadoras
bombas
violinos
tiros
sirenes
um corpo se contorcendo
com uma metralhadora na mão
"o triunfo da beleza e da justiça"
gritos
som e fúria
numa duna de areia clara
sob um céu nebuloso e claro
villa-lobos no piano e orquestra
um homem com uma metralhadora
um poeta



domingo, 23 de maio de 2010

poemas roubados de falas da bi*

- quando as borboletas se encostam dão choque.

- tem uma bola de fogo caindo no mar.

- mim dá a minha encoberta!

- onde eu sou?

- á lá um gambá! (era um cachorro)


*bi tem 10 anos e às vezes é reprimida por poesiar. os adultos a corrigem para a gramática correta da língua. eu costumo descorrigir para a agramática correta da poesia.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Análise descientífica do trecho inicial do Poema Sujo do Gullar

Metodologia Descientífica:
Inexplicitar a coerência dos versos iniciais através de um estudo desestruturalista, utilizando como base conceitual: a Agramática de Padre Ezequiel, orientador de Manoel de Barros; a Metafísica de Álvaro de Campos e o Zen-Bundismo de Lô Borges no disco do tênis.

Antes de começar a ler, por favor, abra este link:
http://www.youtube.com/watch?v=uU5f-LXmqRo&feature=related
e ouça a música enquanto lê.
Ao terminar, escute de novo, e repita, até terminar o estudo.
Grato.

O poema de Gullar começa assim:

"turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos mole do que duro menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro"

nesse trecho de abertura podemos observar claramente nada.
um desentranhamento da vida que não é a vida ainda
vem sujo do que não é poema.

como uma flor que se vomita
vem em pétalas e comida: seiva bruta

como um vulcão que se erupta
vem em lava, baba, vulva: se exita

uma não-poesia
também pode entrar na poesia
porque poesia também é puta
dá pra todo mundo
dependendo do apreço que se pague

e Gullar continua:

"como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma
e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
teu cu
"

aqui aprendemos que cu pode entrar na poesia
e que a poesia pode também entrar no cu
misturamos imagens na cabeça do leitor/poeta
que vai construir esse filme de sons mentais
através da repercussão da palavra no corpo
na retina
na rotina

outra deslição é que
podemos achar o azul de várias formas:

"para achar o azul eu uso pássaros" (Manoel de Barros)

Gullar usa gato, galo, cavalo
e cu

continua:

"
tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de
banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como
uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma
entrada para
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
"

a questão dos orifícios poéticos por onde escorrem e penetram o
escorrimento lírico é aqui abordada com imprecisão acientífica

o corpo adquire autonomia poetal
e passa a controlar o fluxo de palavras para a re-produção criativa

corpo corpo
torpor torto
muito torto
trata o olho como um porto
donde partem naus gordas
em direção ao extremo nada
além, dos além

"um Oriente ao Oriente do Oriente" (Pessoa)

seria mais fácil cortar o aço
do que as palavras
de um poeta

seria um laço feito de cordas vocais vazias
que une o grito de dor do poeta
e a poesia?

Inconclusão:
É inevidente, portanto, que o trecho inicial do Poema Sujo, de Ferreira Gullar, necessita de mais estudos metodológicos para uma melhor análise descientífica de seus procedimentos agramaticais, seus desentranhamentos e seu uso de palavras chulas.

Concluimos que um poema nunca se conclui*

*é mais fácil para a poesia sair voando das palavras. dessa forma, ela pode pousar no ombro do leitor e sussurar um silêncio melodioso. as sinapses neuroniais do leitor vão se desformar, distorcer, até sair um pequeno curto eletromagnético chamado por Gullar de "espanto". é o espanto que impede a conclusão de um poema, visto que o espanto não está inserido na temporalidade aristotélica: é puro espaço vazio e tempo infinito.


quarta-feira, 19 de maio de 2010

leitura dinâmica

um jornal lê um homem
enquanto a pálpebra procura bundas
semoventes
bundas despretensiosas
para despistar a própria atenção

as bundas lêem os olhos da pálpebra
as pálpebras lêem os olhos do cu
enquanto uma noite descende os sentidos
e aprende a sorrir com nuvens

penso na vida
nas mulheres que amei
nas bandeiras, bandeira
pessoas, pessoa
moraes, moral
sofro do moral como barros
barros, barro
cago poemas
poesio cagos

e depois de remar na lagoa
um pássaro caga em mim.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Exercício de poesia 3

vamos trabalhar a inspiração.

a inspiração tem 2 movimentos:
- o poeta se isola de si-mesmo.
- o si-mesmo se isola do poeta.

poeta é um bicho de -7 cabeças.
lhe faltam 7 cabeças.
lhe faltam mundos.
lhe faltam coisas.

si-mesmo é a sétima nota da escala musical.
é também um espelho de vidro enviesado engolido
que só reflete sombra.

pra se isolar de si-mesmo
o poeta tem que prender o seu canto num arame farpado
e deixar sangrar o líquido alcóolico de suas utopias
e de seus erros

deixar a palavra embriagada de nada.

para o si-mesmo se isolar do poeta
é preciso que o poeta adquira olhar de uma nota musical
de um canto
adquira vertigens de música
e passe a não ocupar lugar no espaço
passe a dançar conforme as poeiras em contato com o bafo do sol
passe a desrespeitar as normas da física newtoniana
e vestir uma máscara feita para desmostrar rostos
o poeta precisa se desensimesmar
para que o si-mesmo se isole dele

pronto.
agora, com a poema devidamente interminado,
será preciso deixar ele ao sol
secando
pegando um bronze
ouvindo os sonhos da cidade
como quem escuta mp3 na praia.

deixar o poema respirar pra dentro.

inspiração:

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Cordilheira de Sonhos

tive uma visão:

eu de cabeça pra baixo riscava um disco* com minha cabeça
e o som que saia contava histórias que a humanidade sonhou

soldados com cigarros de chocolate pintavam murais
e um exército de poetas fuzilava um altar relogioso (religião que elogia duas vezes o tempo)

no altar três desobjetos:
um segredo escondido no canto de um percevejo de plástico
uma régua de desmedir o mundo
a cabeça de milton nascimento em bronze

joaninhas faziam poemas em bando
e minha mãe dava de mamar a um bezerro

na beira de uma menina tinha um mar morto
e um pedaço de corda
umbilical

as palavras para definir as coisas
eram impronunciáveis

cigarra cantava até amanhã
um cão contava causos ossais

minha namorada era muitas
e sonhava acordada com cores de uma música desclássica

tinha mato, internet e livros
e tinha muito pouco quase nada de tudo

`as vezes um silêncio costurava promessas com fios de cabelo da minha vó
`as vezes fazia uma tenda de circo

`as vezes o silêncio cantava só
enquanto a noite escalava a cordilheira dos sonhos


*o disco era o Clube da Esquina n:1 (1972) de Milton Nascimento e Lô Borges, o disco que me mostrou o futuro que eu tinha esquecido e rabiscou com tinta de luz as paredes da minha memória infantil. (nota do autor)

Coisas para se poesiar e mijos

jogar resta-um mijando nas bolinhas de naftalina no mictório.

o sol mijando milk-shake de morango na lagoa quando a boca do dia boceja.

o macaco de imitação ondulante que rema juntinho contigo.

o freio de trás da bicicleta que não funciona. (ele serve especificamente para não freiar)

esconder de criança com a mão na cara.

o filme que ainda não existe nos olhos da menina, mas que vemos, ali, por de dentro do brilho.

o salto triplo de um peixe quando quer coçar as costas no seu barco.

os desencontros com a gente mesmo que fazemos questão de comparecer*

aleijar ursinhos foffy para fazer paraolimpíada de chocolate no estômago.

um samba que se perdeu dos pés.

um mendigo no celular.

*o Manoel de Barros** lembra dessa coisa pra poesiar. (nota do autor)
**o Manoel é uma vozinha na minha cabeça que vem toda vez que alguma coisa faz sentido. ele vem e tira as calças do sentido. (nota da nota do autor)

domingo, 16 de maio de 2010

Menina

inventei uma menina feita de palavras
que era tão sensual quanto uma aliteração
e costumava vestir o silêncio com fantasia de carnaval.

essa menina cresceu
e virou mulher.

teve três filhos comigo:
um soneto,
uma fotografia onde pode se ver perfeitamente nada,
um filme mudo.

no soneto está tudo o que quis de mim e não tive:
amor, vento, coração, lua...
issos.

na fotografia aparecem claramente as cores da voz dela quando gemia de prazer.
o diafragma e o ventre da máquina estavam abertos para o sol penetrar.

no filme dá pra escutar o movimento dos nossos olhos quando o sol penetrava a câmera.

mas a mulher envelheceu e virou criança.
dizia que eu era o pai dela.
dizia que a cadeira de balanço tava balançando ela.
dizia que o mundo ia acabar.
misturava passado presente futuro.
a criança tentou ver tudo junto.
tudo no mesmo enquadramento.
e conseguiu!
consegui ver nada.

era tudo poesia.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

exercício de poesia 2

agora, vamos trabalhar a resistência ideológica.

- abra o jornal de amanhã.
- recorte a figura de um mendigo. (por favor, utilize palavras afiadas para a tarefa)
- cole na parede da sala, ao lado da televisão.
- pixe a palavra "FOME" por de cima da figura.
- vá até a geladeira e veja se tem comida.
- volte para a sala, e veja se a figura ainda está lá. (e se sorri ou chora)
- se estiver, experimente lançar um punhado de farinha, e ver se adere na imagem.
- se não estiver, mastigue a figura, sem bebida. (não vale juntar saliva)
- agora saia nas ruas de madrugada.
- tire fotos de olhos vermelhos. (com flashback)
- utilize o vermelho para trocar o seu sangue.
- agora durma, tentando lembrar de quando você foi ninado.
- pronto, agora que o o poema está devidamente inacabado, acorde de sol maior.

aquilo que você não lembrou precisa então, ser colocado num papel ou tela.

é preciso treinar todos os dias essa resistência.
treinar até se tornar irresistível.
ela dará fôlego para não desistir da poesia.
e não desistir de uma sociedade melhor.
e não desistir.
de existir
exit
ex
x

quinta-feira, 6 de maio de 2010

fernando pessoa me ensinou mentir verdadeiramente

escrevo o que sinto
sinto o que minto:

é vício
e verso

mãos dadas

fiz um poema
há muito tempo
sobre a gente
de mãos dadas
passando as escadas
do Municipal, na mente
na Cinelândia, no tempo
que era pequena

fiz um poema
tentando dizer
o que não foi dito
o que não foi feito
a gente sem jeito
virando infinito
tentando dizer
que a vida é pequena

fiz um poema
em verso e em prosa
misturando o real
com o que não inventei
o nosso olhar, fotografei
em preto-e-branco-jornal
onde apareço jocosa,
feliz, ingênua

fiz um poema
mas o perdi de mim
nas farsas de uma cidade
nos braços de um qualquer
no corpo de mulher
na própria felicidade
no muro um jasmim
de espanto em floema

quero o poema de volta
do mesmo jeito que fiz
mas não consigo escrever
escrevo o sinto
escrevo o que minto
o que posso fazer
se de mãos dadas, um triz,
a falta de um beijo, derrota?

quero o poema e os nadas
as ausências, as frases feitas
mas nem tenho os vazios
mas só lembro das mãos
só aceitamos os nãos
pelos antigos edifícios
pelas ruas estreitas
como nossas mãos: dadas?



terça-feira, 4 de maio de 2010

exercício de poesia 1

a poesia também pode ser uma ginástica, ela também deixa em forma.
para ficar em forma de poesia, há muitos exercícios práticos, como uma ginástica.
deve ser praticada todo dia, 30 minutos, no mínimo.
na ginástica física, trabalham-se os grupamentos musculares, a resistência, a respiração.
na ginástica poética, trabalha-se, especificamente, o músculo cardíaco, a resistência ideológica e a inspiração.
começemos pela primeira série, dedicada ao músculo cardíaco:

- apaixone-se.
- feche os olhos e veja a cor que aparece.
- coloque a cor complementar a essa no papel ou na tela.
- masturbe-se.
- utilize seus fluidos para desenhar alguma palavra no papel ou na tela.
- descanse.
- depois de 3 dias, observe o papel ou tela, veja se algum inseto instalou-se ali.
- entreviste-o.
- anote as respostas em forma de canção popular.
- cante em voz alta na frente do espelho do banheiro.
- durma.
- assim que acordar, tente lembrar da canção.

pronto. o que você lembrou, os fragmentos mais memoráveis, podem ser descartados.
escreva o que você não lembra.
o exercício de poesia 1 está incompleto agora.

pode alongar o pensamento contando 20 segundos para cada lado.

o músculo cardíaco estará mais fraco para os próximos exercícios.

visões

teu corpo aberto paisagem montanhosa flor
olhar o rio de janeiro de icaraí pode ser ver
servir par a com templo ação tua nua
sinuoso semblante solto
cintura pernas bunda sexo
poros
olhos
eros
om
v

(enquanto isso
alguém morre de fome
cata restos no lixo
vende o corpo
apanha do marido)

v
oco
você
voz
vozes
teu corpo é um filme
que passa em câmera-lenta no meu tato
tatuagem de impressões
e perco minha cidadania
minha identidade
me torno seu
e me torno você
torno-te nós
emaranhado na cama mesa banho
amor al roma
aroma amoral
lama
ama
a.m


sábado, 1 de maio de 2010

Precisão poética

preciso pegar uma imagem e torcer em palavra.
até sair água suja.
até chover.
até fazer sol.
até fazer som.
até ontem.

depois, preciso relembrar o amanhã.
com uma navalha imaginária
tecer o corte de um sorriso
nos olhos fechados do leitor.

até sair sombra.
até sair samba.
até entrar sonho.
até nunca menos.

finalmente, preciso
imprecisar as não-coisas
com poesia, vírgula: dois pontos
e sonhar concretamente
sonhos feitos de
nada (............. ).

Sapato

um sapato da beirada da janela
e atrás o sol desiluminando árvores
quase como se o sapato
pisasse na paisagem
e adquirisse fogo de vento
e no céu verde sobrevoar
os debaixos

(enquanto isso
escrevendo uma dança
no espaço sideral
a menina
indança até ontem)

o sapato já caminhou tanto pouco quanto sempre
justo agora que eu precisaria viajar
hoje comcertezas

quedê os sapatos de menino
será que os dedos vão rasgar o couro
e virar sandália?

tinha um que eu tinha desenhado várias não-coisas
tipo:

um ingueiangue errado.
um nome de alguma.
rabiscos psicodélicos com alguma lógica.
manchas de futebol.
barro de praias.

deve estar andando sozinho
pelas bandas do mundo
e dos além dos além