sábado, 28 de fevereiro de 2009
Calles
E os pensamentos pesados se fazem leves folhas secas no vento
E os pensamentos são melodias de tango de rua
De gente andando na rua sem destino aparente, ao menos destino em português
É como se eu pisasse no cheiro de frutas cítricas dessa cidade
Voando pedaços de jornais, notícias do governo
Coração voando, pombos
O cheiro de laranja boa
As fotos que eu tirei
O sorriso na porta da Casa Rosa
A emoção de cantar para os senhores e senhoras
A duração suspensa das horas
Nas praças abertas
As portas dos olhos abertos
São de ruas livres
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Enquanto
tudo mais é resto
o mundo é poesia.
sei que como, urino, defeco, durmo, levanto, sento, ando,
mas em função da poesia.
Ninguém da rua sabe
nem do escritório
nem minha vó
mas estou poesia enquanto.
Uma antena alerta
um microfone alerta
uma câmera alerta
uma máquina alerta
feita de emoções e engrenagens
mais sólidas e mais de ferro e aço
que o amor.
Escrevo essas palavras para que elas sumam.
Uma a uma sumam.
Mamute, um áureo sonho
delírio.
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
pondo o motor pra funcionar
que liberte a dor
que seja água fria em dia quente
e dia quente em água fria
eu quero cantar uma musa
sem cor
transparentemente real
composta de quadros na parede do meu quarto
eu quero cantar o seu nome
do fundo do escuro atingir o tatame
e lutar judô com a Morte
eu quero cantar poesia feita de versos
viva de verbos como: amar, cantar, sonhar, mudar
eu quero entregar o coração em bandeja
comer pão com badejo
comer drummond e bandeira
eu quero entregar uma canção de qualquer maneira
no meio da noite
sem eira nem beira
mesmo que a bananeira
irrigue de sangue o mangue do cérebro já pensando
uma música de acordar os anjos e adormecer o sono
de poetizar poesia e perfumar flores
de afirmar o afirmativo e abrir firmas com nomes lindos
jogar damas com o infinito
jogar rimas no dito no bonito do mundo
bonitar o mundo com minha alegria
poesia onde os pingos dos ís são lágrimas
e os acentos circunflexos, ou chapéus do vovô
são casas pra morar
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
Onde?
abro a janela do escritório
e vejo o palácio antigo
e ainda moderno
por onde andaram poetas
poetas-burocratas
e penso
será preciso estar preso
nos afazeres de Estado
para atingir o estado fértil
de poesia libertária
do espírito
já que o corpo
reitera o escritório
e papéis?
daqui de cima a cidade
anda formiga
corre brinquedo
e a cabeça-coração
voa poesia
onde andam os poetas?
que mistificavam a cidade
os bares, os chopes
onde andam os poetas?
a cidade precisa de vocês
eu preciso de vocês
mas parece que todos morreram
fugiram, não nascem mais poetas?
poetas públicos
poetas de Estado
de terno e gravata
discutindo poesia
na hora do almoço
vejo o palácio antigo
por onde Drummond deve ter escrito
"A Rosa do Povo", e outros
vejo e me sinto só
dentro desse escritório
com olhar-condicionado
que às vezes escangalha
sinto falta daquele tempo
que não vivi
tempo de partido
de homens partidos em dois
poetas/burocratas
redigindo as leis flexíveis da poesia
e fazendo poesia de atos administrativos
devia existir algo no ar
que instigasse esses homens
algum impulso tremendo
alguma poesia
algum claro enigma
alguma libertinagem
algum eu
o tempo devia ser mais amplo
como a arquitetura moderna
do palácio que vejo na janela
o tempo devia fluir sereno
embora para os poetas
essa noção fosse impossível
só há contemporaneidade
os poetas falam no presente
a poesia é no presente
mas sinto saudade nas paredes
vejo fantasmas que aparecem depois
somem, e alguns papéis voando no
vento que o os carros alimentam
vejo os vultos mas eles fogem de mim
é um paradoxo temporal
se eu tocar-lhes
a poesia sofre o risco de desaparecer
assim como cada lambe-lambe
assim como o retrato do Getúlio
o poema-pílula esquecido
em cima da mesa do bar
escrito em guardanapo
não procuro mais a poesia
aprendi com os senhores
procuro os poetas
cadê poetas?
poetas? poetas?
os camelôs estranham
aquele garoto magro e míope
correndo maratona, pulando lixo
e gritando a plenos pulmões:
poetas! poetas!
e mais ali na frente
esbarra num mendigo
que dorme e sonha
com um prato de comida
cai, tomba, aplica o rolamento de judô
quebra o prato do sonho
quebra o aro do óculos
e vê o mundo distorcido
terça-feira, 17 de fevereiro de 2009
Fundo Falso
e a minha vida foi atropelada
pelo acelerado coração dela
ví o meu sangue manchado de poesia
pintando no asfalto uma rosa amarela
Siga aquele táxi
Não há tempo a perder
Não há vento no centro da cidade
então respiro com os olhos a poeira dos prédios e
o seu amor me sufoca
como se fosse um mergulho
do vigésimo andar
amarrado em fios do computador
Foi de parar o trânsito
e meditar em praça pública
o vento nos pêlos pubianos
invento a graça disso tudo
invento os carros, os motores e em transe: mudo
Foi você mesmo que disse que sabia dirigir
Eu te emprestei meu parto
te dei a chave do quarto
e fechei os olhos
não existem acidentes
só ácido no dentes
de quem corre na falta de asfalto rente
Olha o volante!
Olha o Dante, o inferno, Machado,
A apoteose dos ossos do carro
retorcidos e retumbantes
numa marcha
até o fim do sono
até o engano das curvas
as formas sinalizadas na chuva
mal implantadas na estrada
Corte
: começou a chorar
cidade era um caminho
! - exclamou
ria? as coisas mostravam
". uma expressão que cabia
ento.
segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009
Pequeno
eu queria ser grande
nas coisas nas conquistas dinheiro fama
mas ser pequeno
aprender a enxergar o pequeno
fazer pequenas coisas
dizer obrigado
não ocupar espaço no lugar
não tempo passar
- boa noite
domingo, 15 de fevereiro de 2009
Ei!
- aliás, botei pra lavar e pegar Sol na varanda
trepar nos corredores ouvindo tango
ambos já bambos
- o lilás da parede saiu na tua pele, morena
pode levar essa foto de lembrança
e o suco de acerola com laranja
e um pedaço da minha franja
- ah, e não esquece de comprar gelo
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Dentro
mas algo dentro de mim sonha.
Sei o que é o bem e o mal
mas fabrico diariamente um veneno
aplico-me peçonha.
É um vício matinal
e algo dentro de mim, sombra.
Espelho de faces, um portal
por onde entro grande, saio pequeno
uma outra pessoa.
Sou um descendente
do primeiro vivente
que questionou as coisas
sou um parente
do primeiro poeta
que apontou a Lua
tenho o corpo mortal e isso não me incomoda
as coisas passam, mas sonhos persistem
por que eu teria medo e por que seguiria moda
se as coisas passam, mas os sonhos persistem?
Tenho o sonho imortal
de amar você, simplesmente
sem discurso e sem moral
no decurso dos rios da gente
sem final
Meu corpo é de carne
que apodrece: não-poema.
Sou torpor, e cantar-me
só pode valer a pena
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Pacto
assinarei um pacto com a linha do horizonte
não mais munir a dor
do longe
Assim que o nó, Senhor
do horizonte, dos cabelos, da garganta
fechar o laço da vida, o amor
ao longe
Ao sim, o não
Ao fim, lição
Ao pão, o fim
Ao chão, capim
Ao sim, o não
Assim que a linha do horizonte dormir
eu lembrarei do nosso pacto
assinado com a linha da vida
no encontro das palmas de nossas mãos
Assim que o horizonte desfiar sua noite
no tecido rígido do sono
eu lembrarei do teu colar de estrelas
do teu sorriso cadente
A Morte dos Gêmeos
é preciso acordar cedo.
Há muito branco no país,
é preciso acordar cedo.
Há na Suíça uma legenda,
que estrangeiros se cortam, simplesmente.
Então lá vai uma estrangeira
acorda de manhã cedinho
para buscar o leite para os gêmeos
em sua barriga
Na rua já se acostumou
aos olhares estranhos
aos pastores alemães
ao frio nos olhos e na
distância dos corpos
Mas nesse dia algo suspeitava o ar
na estação vazia de trem, que neva
- estrangeiro, se corta com estilete
e o grupo a cerca, a cerca, a cerca
acerta-a, erra-a, acerta-a, assepta
Está salva a raça
- Meu Deus, não há Deus, não há culpa
só o suor na face
e das bolsas estilhaçadas
no ladrilho já abortado
o batom, a carteira,
o espelhinho, os gêmeos,
escorre uma coisa espessa,
que é feto, sangue, neve... não sei,
Por entre objetos cortantes
sem redenção nem noite,
duas cores se procuram
dolorosamente se tocam
ásperamente se enlaçam
formando um outro tom
a que chamamos aborto.
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
Auto-mar
Cecília, o vento virou mar e o mar ventania
Por que insistimos em atravessar mares
mesmo que nossos corpos em caravela deslizem,
se amar tornou-se mar de tormenta e vendavais?
Cecília, por que pretendes pular essa onda?
Percebes como a temperatura do corpo se acalma
quando a ponta dos dedos descobre água a vista
percebes a singularidade da espuma, que flutua
em pleno descobrimento do Mundo Novo que são seus pés
Cecília, por que pretendes mergulhar?
Venha comigo respirar debaixo d'água
Cecília, o ar não suporta o peso do amor
precisa ser fôlego em bolhas e beijos submersos
senão, como mais sentiríamos o peso do mundo
o empuxo das coisas terrenas, a ferrugem dos litorais?
Os tesouros em pérolas só esperam que os alcancemos
Cecília! Segure firme a minha mão
Os perigos do mar são como as imagens do inconsciente
Traumas de navios e sentimentos e naufrágios
E as almas dos marinheiros ou de nós mesmos
Crianças afogadas no borbulhar de medo da superfície
Venha comigo atingir a superfície dos sonhos
acordar num espaço amplo, ilha perdida, qualquer lugar
qualquer lugar que não se saiba onde, quando, apenas quem
quem não sou eu, nem você, seremos nós
ambos descobertos e em descobrimento
terça-feira, 10 de fevereiro de 2009
Reflexos
não vai aos trancos e barrancos
pela preguiça sobe ao dente
e num arranco de vida se procura
qual a porrada da vida que falta?
como a inércia se auto-cura
da própria falta de loucura?
é isso que tento entender
agora o medo de te perder é nulo
só tenho futuro no teu sorriso negro
um furo de alegria no tempo
segundos contados, precisos, lá fora
o velho e o novo trocados no espelho
criando uma imagem sem espelho
espero com os olhos o tempo do gesto
reflexo do velho do novo do espaço
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Vago
prometemos, nunca
virar pessoas chatas
que não sabem brincar
você lembra do pacto
você lembra da promessa
de nunca virarmos adultos?
defuntos andantes
chatos de terno e gravata
criando filhos que
faziam pactos
de nunca virarem adultos
como os pais
prometemos nunca desrespeitar as regras do jogo
que nós mesmos inventaríamos
você lembra do jogo?
você lembra de quando não havia o que lembrar?
a vida sempre presente
pulsando num brinquedo qualquer
você lembra do giro da montanha-russa
da montanha de bagunça
da montanha de perguntas
da montanha dela
da montanha, você lembra?
prometemos um pacto com sangue e guaraná
tudo misturado
prometemos nunca virarmos um sonho inacabado
e aquela vontade de voltar
Farinha
no pão nosso de cada dia.
Essa doce farinha, sonolenta, infestada de teias-palavras, meias de aranha, fragmentos completos de ruído.
Eu embebia o que via numa caneca de fronteiras
mesmo sabendo que as linhas eram imaginárias
como o Tratado de Tordesilhas
as léguas
os mares
as léguas...
Dessa forma o amor: amorfo.
Mofo.
Mofo de livro que morre no poema, apodrece no poema.
Tento agora desistir de toda poesia
simplesmente matando o poeta
e parindo falsamente
um feto completamente
vivo.
Olho no seu rosto, meu rosto, pedindo um pouco daquela farinha
babando por aquela farinha; viu:
Ele/eu nem percebe que é para enganar estômago e coração
Ele/eu só quer a hipnose de uma métrica livre e uma rima canção
Ele/eu quer amar o poema entre a saliva e o pensamento
E ler o eu.
domingo, 8 de fevereiro de 2009
Diálogo
de filme
Eu até, não sei por que,
imaginei a gente cercado de câmeras
e a luz não era só do Sol.
Aquelas frases tão fortes
como que saídas da imaginação
tão perfeitamente escolhidas
entre todas as palavras do mundo
enquanto você falava eu assistia um clássico do cinema que nunca tinha visto
o nosso filme
a nossa vida
o nosso filho
sábado, 7 de fevereiro de 2009
Lições que a gente tira dela dormindo
- As coisas se confundem: as montanhas e a cintura e quadris.
- Tem vezes que passarinho pousa no sonho dela, ou na janela.
- Tem uma paz naquilo, uma paz da paz.
- Engraçado como os olhos fechados ficam lá em turbilhão.
- E eu girando.
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
Olhos Pesados
Você escova os dentes
e eu aqui
com olhos pesados
carregando o mundo
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Bobo
um poema
estive a minha vida inteira desprezando
um breve poema
e ele estava bem debaixo do meu
lapís
vem descalço pegando doenças
de enchentes
de gentes
vem vitimado de mortes
e inocentado de sentenças verbais
um desses ais de se gritar depois do metiolate
é preciso imprecisar a vida
pressionar a poeira de certezas
(por que esse poema me incomanda/encomenda [e comenta] enquanto escrevo-o ovo?)
contra a parede craniana
e nem rumo...
estive uma tarde na invisível
varanda...
aberta clara o abismo de se afogar no poema
eu sempre tive pena
do poema
de deflorar
comer
enquanto
degustar
a culpa foi tua
eu
lírico
não deveria haver multa
para poemas-pre-cipício?
as cigarras me disseram
que eu ejaculo precocemente o poema
e nem fumo
terça-feira, 3 de fevereiro de 2009
Apego
sobrenome liberdade
nas tranças dos teus segredos
caspas castas casam cordas
nas tranças do meu destino
intestino de menino el niño
sobrenome liberdade
nos cabelos da tua própria maldade
nas tranças do teu carinho
me apeguei no teu menino
no teu sorriso de verdade
nas tranças do teu sorriso
nas danças do céu seu siso
me apeguei nas coisas simples
no teu cabelo ao vento liberdade
na dança junto a janta adianta o tempo
sobre o homem tempo idade
no teu sorriso lentamente
lento vento tênue parte
nas tranças da tua arte
me apeguei no me apeguei
na tua qualquer parte
no teu yang maior que o ying
what you've seen and what is song
the dance in your hair
I'm addicted to your last name
freedom free doom
Já não danço nas tuas tranças
do destino em qualquer arte
J'ai m'apelle Sobrenome
tanto faz a cor do sonho
nas tranças do teu cabelo sem dono
me apeguei
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Beijo de 20 anos
mas olho para o papel e só vejo o colo de minha mãe
deitar nele
sonhar nele
queria mesmo era pisar aqueles quadradinhos de areia
com pés redondinhos
e alguma fumiga se assustar
com os pés gigantes e
pequenos
hoje eu vou na areia e acho grudento, calor, filtro solar fator 60
no mínimo
o meu mar não está na praia
de mar
o meu amar virou aquele oceano inteiro no aquário da namorada
e as lembranças vão jogando ração na superfície da memória
e eu como enquanto respiro
Minha vida tem 100 anos
minha poesia só tem um instante
- passou!
Indefinições
de ser feliz
fazer a mudança
caixas de retratos da sua família e amizade
a nossa filha
Que não seja por medo
de ser
feliz
a roupa que eu não passei
o que você passou
nosso futuro país nossos
pais
Que não seja
por medo
de
ser
feliz
as histórias de dormir acordado
o microondas o cigarro
o violino do vovô
Que não seja por medo de
ser
domingo, 1 de fevereiro de 2009
Beijo de 100 anos
mas só consigo escrever poesias
Eu queria mesmo era não escrever,
só escrever o que eu não escrevi,
o que já estava escrito no mundo e em mim
e eu só reescrevi
Eu queria a descoberta
de palavras novas cidades novas musas
olhar de criança sobre as coisas
e afeto de velho sobre as coisas porque vai morrer
Mas assim como eu
minha poesia tem 20 anos
(tirando é claro as outras encarnações)
e o que se vive em 20 anos? o que se sofre em 20 anos?
com que propriedade falo e flora sobre a fauna da vida?
Mas agora não tem cura
essa coisa de poesia
Buscamento descoberta da cortina
que nunca acaba
Eu queria sentir ao ler como se tivesse ali no rosto d'alma um beijo de 100 anos