Acabei de rever o filme "Em busca da vida", de Jia Zhang-Ke; filme chinês de 2006, vencedor do Festival de Veneza daquele ano.
Antes de alugar o filme, falei com meu amigo Carlos (o Orson Welles brasileiro) que agora estava começando a fazer sentido para mim. Eu vi no cinema. Naquele momento, achei o filme muito bonito, de fotografia e música, mas estranhei-o bastante. A "frouxidão" narrativa, os longos silêncios, aquela já consagrada duração exagerada dos planos, e os efeitos (discos voadores, prédio virando nave-espacial), aquilo tudo não fez sentido pra mim.
De uns tempos pra cá andei pensando nele.
Talvez influênciado pela Olimpíada, a China tem se tornado uma reflexão em pauta nas minhas reflexões. O que será desse país? O que será do mundo daqui pra frente? Como se dará essa nova etapa do Capitalismo? Da globalização? O que devemos fazer nesse encontro de mundos?
OCIDENTE - ORIENTE
Tenho raízes no Oriente (Japão), e de certa forma de identifiquei muito com os protagonistas do filme de Jia Zhang-Ke: o Demolidor e a Mulher-Submersa.
O Demolidor é um mineiro (não de Minas Gerais, trabalhador das minas - lá da China) em busca da sua filha.
A Mulher-Submersa é uma mulher em busca de seu marido.
O Demolidor fica desolado - não há mais a antiga cidade, agora está debaixo d'água, para a construção da hidroelétrica das Três Gargantas (a maior do mundo).
A Mulher-submersa procura por toda parte seu marido, que não volta pra casa à dois anos.
Meu avô japonês faleceu ano passado. Nunca conversei direito com ele. Não tinhamos intimidade.
Às vezes tentava trocar uma idéia, perguntar sobre o passado, e ele me respondia algumas coisas, daquele jeito carregado de sotaque, um pouco difícil de entender.
Assim como a Mulher-Submersa e o Demolidor, assisto uma parte da minha História ficando submersa, inundada. Como diz o personagem do garoto que imita o Chon Yun-Fat (o astro chinês de "O Tigre e o Dragão"): "somos melancólicos".
Revendo o filme, pude entendê-lo melhor. Isso tudo é subjetivo, como toda a crítica. E cada vez acho que o cinema dito "de arte" busca exatamente isso, e é isso o seu valor: a subjetividade do olhar do espectador.
A maestria de Zhang-Ke em trabalhar os detalhes é impressionante. Os vestígios de Chinas e Chinas submersas, os vestígios de povos sem destino, os vestígios da invasão cultural do Ocidente, os vestígios da tecnologia e do arcaico, os vestígios do amor.
Traduzindo isso para a mise-en-scene: a riqueza do contraste entre o primeiro plano e fundo, a paisagem estranha do cotidiano, as multidões sem rumo, a juventude ocidentalizada, o estranhamento plasmado em discos voadores e prédio-foguete, as ruínas, o rio.
A Mulher-Submersa passa o filme inteiro se inundando de água. O Demolidor só caminha e causa ruínas.
A China já é a grande potência mundial. Tomou o lugar dos EUA. Que mundo nos espera? Que mundo não espera?
Que cinema nos espera?
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