sábado, 30 de agosto de 2008

O lugar da Música na Civilização Ocidental

Reflexões:

I.Introdução: A Grécia Clássica; o Apolíneo e o Dionisíaco na música.



O pensamento musical grego esta presente em grande parte do inconsciente coletivo ocidental. Sua base técnica foi formulada, principalmente, pelos estudos de Pitágoras, que descobriu a importância das relações matemáticas na música, e que a música, em si, não deixava de ser fundamentada sob relações numérico-intervalares. Ao mesmo tempo, investiu num caráter místico dessas relações, em analogia as esferas celestes: A Harmonia das esferas, a música inteligível do Cosmos.Damón chama a atenção para a questão do Ethos (Ética) dos modos musicais, cada um correspondendo a uma região diferente de atuação, bem como diferentes estímulos de comportamento no ouvinte, representados pelo antagonismo básico: Apolíneo e Dionisíaco. Apolo, deus grego da Música, representava o comportamento equilibrado, o ideal de cidadão da pólis, e sua música característica exaltava esse caráter de Ordem, de disciplina do bom cidadão. Dionísio, deus grego do Prazer, representava, pelo contrário: o comportamento instintivo, desequilibrado, e sua música exaltava a festa, a orgia, a Desordem, tudo o que a visão político-pedagógica de Platão e Aristóteles censurava para o “bem andar” da pólis.Platão, influenciado pelas idéias pitagóricas, acreditava que Música atuava como metáfora da sociedade, representação, simulacro. Defendia a imposição de um padrão musical como parte de um projeto político, que utilizava a música e a ginástica para a formação do cidadão. A ginástica fortalecendo seu autodomínio, sua disciplina, e a música aproximando-o da filosofia, através do Belo. Logicamente, a música “apropriada” para Platão é a Apolínea, com sua ordem e harmonia. Identificada como pertencente aos cultos dos escravos, a música Dionisíaca, com seu predomínio do pulso sobre as alturas vai sendo abolida, num processo que a deixará aprisionada pela música das alturas durante toda a tradição, do cantochão ao seu retorno em Stravinsky e nos minimalistas.Com Platão torna-se evidente uma dicotomia que, como uma cicatriz há milênios marcada, divide a música em música inteligível (aceita) e música sensível (não aceita).Aristóteles, porém, como todo bom aprendiz, irá questionar seu antigo mestre, resgatando a questão do prazer, do hedonismo presente na música sensível. Defende o conteúdo social da música, ou seja, a utilização de diferentes formas do poder que ela exerce, dependendo do objetivo visado e do contexto social que ele se insere. Pensava, também, na educação musical para formar o ouvinte. Nessa época, o músico intérprete era visto como mero artesão, não como artista. Quem tinha esse papel era o compositor, “o pensador” da obra. Os músicos instrumentistas geralmente eram escravos, que se viam obrigados a tocar para seus senhores.Outro filósofo importante no pensamento musical grego é Aristóxeno. Destacou o conteúdo estético da música, indo de encontro à divisão platônica e seu privilégio da música inteligível: refletiu principalmente sobre a dimensão técnica da música sensível.Ordem e caos, razão e prazer, Apolo e Dionísio, música inteligível e música sensível. As bases de uma filosofia da música que irão desenvolver conceitos duradouros não só na história da música, como também na civilização ocidental.

II. Idade Média: A Teologia na Música e a Música na Teologia.


Ao longo do período conhecido como Idade Média, quando o Feudalismo vai se firmando na Europa, outro elemento de extrema importância adquire cada vez mais poder e influência: A Igreja Católica. Sendo, ela mesma, uma síntese de duas culturas e tradições diversas, a greco-romana (com todo o background musical-político discutido anteriormente) e judaico-cristã, com noções musicais igualmente diversas, haverá uma necessidade primordial, explicitada no pré-Renascimento, de garantir uma Unidade uma Uniformização, para o melhor funcionamento e dominação da instituição católica.“O canto gregoriano é um herdeiro, neoplatônico, da Harmonia das esferas.”, e integrante dessa tentativa de unificação litúrgica da Igreja Católica. O pensamento teológico na música, sendo seus principais ícones Santo Agostinho e Boécio, “tricotomizará” a música: Mundana (cósmica), representando a Verdade, Humana (pensada), teologia da música, e a Instrumental (execução humana), “ruim, mas necessária”. Quando dizemos instrumental nos referimos somente à música vocal: o instrumento é banido da Igreja. “Mais explicitamente do que na teoria platônica, a música das esferas a que o cantochão corresponde é a música que se desenvolve no campo das alturas, negando o ritmo recorrente e as estruturas simétricas da canção popular para fluir estaticamente sobre seu leito de sílabas sonoras, evoluindo sob o arco dos seus desenhos melódicos. O arco é, justamente, a forma arquitetônica que permite aumentar a distância entre as colunas sob o teto de um templo: a ampliação do tempo sob o arco frásico das melodias dá ao canto gregoriano a sua temporalidade particular, sua respiração ao mesmo tempo flutuante e grave, seu caráter tendencialmente extático, em oposição às músicas do transe (o transe é dinâmico, um zero mental que se transforma em movimento de corpo; o êxtase é estático, o corpo não se move).” A idéia de uma música que sublima o pulso, o ruído, estática, para valorizar o texto litúrgico, uma música divina, será confrontada em sua própria essência pela sensualidade da sedução diabólica que ela mesma oferece. Nessa oscilação entre a negação e a volta do sensual na música, exigindo que ela esteja completamente “depurada”, é que a polifonia medieval irá se desenvolver. A medida em que técnicas de contraponto e de notação musical vão exigindo uma necessidade pragmática, aproximadamente a partir do século XIII, ocorrerá uma sistematização do fazer musical, que será parte do firmamento do Tonalismo na música ocidental européia, bem como servirá de base para o conceito básico da ciência moderna: a mensuração do tempo.

III. Música pré-Renascentista e Renascentista: laboratório experimental da construção do tempo-espaço moderno.


“A passagem do modal para o tonal acompanha aquela transição secular do mundo feudal ao capitalista e participa, assim, da própria construção da idéia moderna de história como progresso.”Nessa transição, uma mudança radical de paradigma se dará: a naturalização do mecanismo inventado do tempo métrico: o tempo como invenção humana moderna.Historicamente, as medidas do espaço foram mais necessárias do que as de tempo. Antes, era só necessário acompanhar o tempo, e não medi-lo.Funcionando como um grande laboratório de experimentos: a composição, a notação e a execução musical; as músicas polifônicas pré-Renascentista e Renascentista estabeleceram conceitos para o desenvolvimento da ciência experimental. Galileu abstrai a idéia de tempo, “pegando emprestado da experiência polifônica”, matematicamente regulado, um fluxo mensurável, para estudar o movimento dos corpos.As bases da física moderna estão lançadas.A música litúrgica polifônica havia adquirido um nível de complexidadetamanho, que os chamados motetos eram compostos com até três línguas: o latim da linha de tenor e fragmentos de canções profanas nas vozes agudas. Mistura de sagrado e profano, dentro da Igreja. O papa João XXII, em 1324, acaba por condenar os excessos da chamada Ars Nova. O caminho que se dará a seguir será o da afirmação do Tonalismo em contraposição aos modos modificados dos motetos de diferentes regiões da Europa. Assumindo, como analogia às artes visuais, podemos utilizar como exemplo:- Gregoriano - Pintura medieval- Ars nova - Pintura pré-Renascentista- Polifonia (mais consolidada) - Pintura RenascentistaA questão chave é a conquista do tempo e do espaço como formadora do mundo Moderno. O interessante é que a matematização do mundo nasce das artes.A música Renascentista considera a medieval como confusa, e vai buscar um controle maior, uma maior compreensão do texto, evitando a confusão da intertextualidade. A idéia de Unidade da obra artística e sua comunicabilidade. Começa a haver, então, uma tentativa de trazer o sensório para o texto, a ilustração do texto pela música: imagens musicais.

IV. Conclusão

Refletir sobre as interseções da Música na Sociedade e vice e versa é sempre valioso. Podemos perceber a importância da Música relacionando-a com o contexto histórico: muitos de nossos pré-conceitos têm como fundamentos elaborações teóricas dos pensadores da música, compositores de música da Grécia Clássica, Idade Média, Renascimento.Ainda hoje, a arte é menosprezada na educação, porque a ciência é vista equivocadamente: o cientista não deixa de ser um compositor, um artista que formula hipóteses para explicar o mundo.“A Física surgiu graças à Música”Maravilhoso.


Bibliografia:


- WISNIK, José Miguel. O som e o sentido: uma outra história das músicas.2 ed. São Paulo: Companhia das Letras,1999.

-FUBINI, Enrico. Pláton, Aristóteles y la crisis del pitagorismo. In :La estética musical desde la Antigüedad hasta el siglo XX:Alianza, 1999, p61-82.

-SZAMOSI, Géza. Lei e ordem no fluxo do tempo: a música polifônica e a revolução científica. In: Tempo & espaço: as dimensões gêmeas.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p.104-188.

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