A vontade de escrever não é necessariamente a vontade de poesiar.
Ela é no sentido de compartilhar com o mundo (primeiramente consigo mesmo)
um sentimento, uma sensação, um insight, algo completamente vago, ou concreto,
como atravessar uma rua ou pensar em deus.
Quando escrevo um poema, não há um processo único, pelo contrário.
Cada poema é um processo. E cada processo experimentado gera um poema.
Pode-se começar pelo poema, ou pelo processo do poema.
Quando digo começar pelo poema digo por uma frase. Geralmente é uma frase.
Às vezes imagens. Imagens precisam ser torcidas em palavras até sair um líquido
espesso chamado egosma. A gosma que é só minha.
Depois dessa frase, algo vai seduzindo a imaginação e a sensibilidade, em direção ao caminho que a poesia vai tomando.
A vontade de poesiar tem mais a ver com um momento de beleza, de silêncio, de iluminação.
Nem sempre temos um papel ou computador a mão. Nesses momentos, eu prefiro tirar fotografias mentais, para depois, observando-as com cuidado, elaborar os poemas como descrições objetivas de fotos que não tirei.
A questão básica de um poema, pra mim, é o seu impulso inicial.
Ele começa com um impulso, algo propulsiona a primeira leva de frases e versos.
É uma força que precisa ser incontrolável. No começo. Depois vai sendo domesticada pela
razão enviesada que é essa da releitura e reescrita dos poetas (que eu não tenho bem desenvolvida).
Algo que me persegue é essa minha voz interna ditando as poesias para mim enquanto escrevo.
Essa voz é de um ator teatral, interpretando o texto, que eu psicografo de mim mesmo. O ator sou eu também, assim como o público que está ouvindo.
Às vezes um poema vem como canto, ouvimos a melodia dele. Nesse caso, o trabalho maior é não perdê-la da memória e ir inventando harmonias com as palavras para compor o resto da música.
Tenho uma mania de terminar com frases fortes, de efeito, algo com cara mesmo de conclusão.
Deve ser mania de quem pensa dramaticamente os textos. Finais cíclicos são interessantes, mas geralmente são melhores quando fecham o ciclo um pouquinho diferentes de como o abrem. Não sou muito fã de poemas bem estáticos, onde não há transformação. Nesse caso, sigo o jodo quando diz que a arte tem que ser um remédio e não um veneno. Mesmo que o remédio seja amargo e mostre a miséria do mundo.
Quem diz não conseguir fazer um poema está mentindo.
Não se consegue fazer um poema.
O poema, a poesia, fazem-te.
Portanto o problema principal dos que dizem não serem poetas, ou não terem coragem de mostrar os escritos é uma vaidade tremenda: acham que estão construindo, quando na verdade estão sendo fecundados.
É preciso se fazer mulher para poesiar. Alargar o ventre e a vagina para as palavras duras entrarem e jorrarem seus prazeres. Todo o poeta é meio viado.
Já tentei muitos processos de fazer poema, e continuo tentando.
Pensar em estruturas musicais.
Pensar em linguagem cinematográfica.
Pensar em alegorias.
Pensar em ponto de vista.
Pensar holisticamente.
Pensar em não pensar.
A poesia é um labirinto. Que não tem centro. Nem saída.
O desafio é continuar tentando não sair desse labirinto.
Descobrir a paz de ser
que a passagem de um estar
não procuro saída para a poesia.