terça-feira, 31 de março de 2009
Gesto
pode ficar pra você
o riso certeiro que comprei
de última geração
as folhas de papel verde
escritas "dinheiro"
as poeiras do meu tênis
que caminhei na rua
e tudo isso só será meu
se eu te der
Já!
do mesmo jeito que o caderno de matemática
que hoje voltou ao seu formato planta
as alturas dos tetos absurdam
o cheiro das comidas gasta a barriga
ficar de ponta cabeça é mais aguentável:
ainda não tem fidelidade aquilo da imaginação e a bola
o sorvete, o teto, principalmente.
outra coisa também é enxergar palavras em vez de coisas.
isso ensopa as fronteiras
redistribui as cores, ainda mais os cinzas
é mais pra alquimia que pra ciência.
assim como mais pra feira livre que feira de ciências.
e antes que eu começe me lembrar do que estou esquecendo agora
o exercício de pular a corda ao mesmo tempo que mais três
ajuda a manter a forma física da imaginação
faz ginástica despreendendo vertigem
jogando pipoca na saudade
lá vou eu
segunda-feira, 30 de março de 2009
Silêncio
mesmo depois do pessoal moderno ter libertado o tema
é que tem coisas que a imaginação não consegue inventar
então o que resta mesmo é o silêncio
(que não existe)
domingo, 29 de março de 2009
Pós
meu amor eu ví o fogo primordial dos homens da caverna
antes dos poderes
a faca no peito coagula o sonho e transforma a dor em moldura
antes dos governos
meu grito se vai num ai que não parou até agora
e antes dos sistemas
algo infinitamente eterno perdura e seu devir
sangra
depois dos ministros
o que fazer na certeza de caminhar abismos
depois dos títulos
preciso de contar algo que nem mesmo sei
depois dos bispos
99% dos alemães votaram no nazismo hoje em 29/03/1936
e depois da vida
algo infinitamente eterno perdura e seu devir
pulsa
fazem promessas
não é de pedra que se constrói um sonho
fazem memórias
um pedaço de papel, se não é poesia, só pode ser vegetal
fazem discursos
os tambores da guerra parece que tremem os vulcões e hotéis
e fazem morrer
mas algo infinitamente eterno
muda
sábado, 28 de março de 2009
Ali
ela é de carne e osso
se fosse poetisa
rimava osso com 2001
esquece a altura
ela é o que você vê
se fosse defeito
seria poesia
a poesia só pode estar
onde você não acha
Apague
e do Cristo
e conseguimos ver a solidão
de não ver estrelas
o não-visto das estrelas
ilumina as noites
mais do que tudo
mais do que a chuva
"um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua
um estranho silêncio na rua..."
e você?
Sonho
tinha uma cena bonita com o Fred Astaire
minha vó começou a falar:
- Ah! Que beleza! Meus tempos de moça!
E eu falei:
- Peraí pô! O filme!
Ela reclamou, saiu, com o barato cortado.
Mas,
imagine falar no meio de um sonho?
sexta-feira, 27 de março de 2009
Partida
descobri coisas sobre uma reencarnação passada
veio assim, numa sonata
cantou o meu passado
no entre-sono não sei distinguir
o absurdo e o irreal
só enxergo o que é poesia
as coisas não são coisas: estão palavras
não se pode tocá-las
só casar com elas, e umas com outras
aos pares
partem
Ação
percebeu que não há nada mais doce que desvenda
lentes?
isso, um sorriso agrada um zoom.
os braços se movimentando desorientam quadros
se eu te pedisse para ser bicho
você escolheria um homem?
agora grite um sussuro
chamando a manhã pelo braço
isso, explora o sentimento das cores
olha a câmera
olha a câmera que ela está te encarando
dois bichos brigando
tá bom
quinta-feira, 26 de março de 2009
Ficção
tudo passou
e a gente aqui
remoendo rimas
e unhas
já percebeu?
a voz calou
e a gente aqui
vivendo os últimos
segundos
de uma poesia
já percebeu
que somos ficção?
Tico e Zino - diálogos - capítulo 1
- O quê, Tico?
- Escrevi uma poesia.
- Como?
- Escrevi uma poesia.
- E desde quando você deu pra escrever poesia?
- Não sei, simplesmente tive vontade.
- Vontade...Deixa de besteira e me ajuda a amarrar o braço desse merda!
- Zino
- Que que foi!
- Zino, não quero mais fazer isso não.
- Puta que pariu! Cala essa boca e me passa a silver tape!
- Zino, eu quero ser poeta. Acho que descobri o meu verdadeiro dom.
- Tico, o teu 'verdadeiro dom' vai ser a porrada que eu vou te dar com isso aqui! Agora pega a faca pra mim!
- Eu to cansado disso.
- E eu to cansado das merdas que tu fala! Você tá nessa porque é o melhor, quer dizer, o segundo melhor. A gente é A Dupla não é à toa não! Mas eu to começando a me arrepender de ter ouvido o Chefe. Ele bem que tinha falado que tu não batia bem da cabeça.
- Eu sou louco.
- Puta merda...
- Eu sou realmente louco. Porque a poesia é a arte da não-razão. A arte da loucura.
- Caralho...
Sirenes e latidos ferozes. Carros derrapando. Armas sendo carregadas. Estrondo na porta do galpão:
- Polícia!!!
Tiros...
(continua no próximo capítulo)
terça-feira, 24 de março de 2009
Quântica
a cidade improvisa um jazz
com seu corpo
goza a catarse dos teus cadarsos livres
você pula um cocô de cachorro
com a plasticidade de um Nijinski
e quase não toca os pés no chão
nem de força, nem de suavidade:
é pura juventude
o tempo brinca de esconde-esconde
nos intervalos de seus saltos
no terreno entre teus seios
o desequilíbrio do mundo se ajusta
e eu perco o juízo das coisas
as ruas fazem um solo de silêncio e luz
a noite escorrega na tua camisa
o movimento, não conseguimos medir
sem alterar
segunda-feira, 23 de março de 2009
Paralelas
encontrei no meu olhar
outras praças de cidades
pequenas outras gramas
no teu uniforme escolar
um resto de honra
no teu gesto ao escovar os dentes
um abrigo
é engraçado como a gente foi se encontrar
num dia desses
na Cobal do Humaitá
há alguns anos atrás
se tudo tivesse sido tão certo
teria dado errado
mesmo com todas as promessas de paz
o mundo pode acabar (menos nós, imortais, deuses)
as pessoas que ferimos
só podem ser curadas com doses homeopáticas de poesia
as pessoas que éramos
só podemos deixar de ser
os computadores ainda criarão cidades
e vão compôr música
deixaremos de lado os lados
e cruzaremos paralelas
SOMESENTIDO
A musicalidade poética/poesia musical que ele desenvolve merece uma atenção especial.
leiam: somesentido.blogspot.com
um abraço
domingo, 22 de março de 2009
Poesia é algo sujo
nas interseções dos ladrilhos do banheiro
inventando e só me perdendo
em todos os caminhos que não inventei
sentado no vaso sanitário
eu sou ainda mais humanitário
- defecar de certa forma é amar
e tenho todos os dias de minha vida
se eu fosse esse simples inseto
que pousa na minha poesia
como um pingo no i de poesia
mas não, sou homem
feito de barro por dentro e bairros por fora
feroz como o vento que dorme
feroz como um exame de fezes que fiz criança
imóvel, no vaso
danço com as palavras no papel
e depois me limpo
sábado, 21 de março de 2009
Reza
Faça de mim um personagem mais forte
nesse jogo de perguntas e respostas
ação e reação
que se mostra como um teatro
da vida.
Faça de mim um espelho
em que nele eu possa me ver eu mesmo
o sim e o não
que brotam quando falo e quando calo
a vida.
Faça de mim um termo
uma palavra
mais que palavra, idéia fixa
de forma breve, firme, qual soneto
em que só o tempo e nem mesmo ele
descubra o sentimento vivo
que trazes
morto.
Faça de mim um sonho louco
faça de mim
um sonho.
sexta-feira, 20 de março de 2009
Sobre pedra
pois digo que há só um mundo
enquanto isso tua solidão
redireciona órbitas invisíveis à olho nú
e olha o nascimento das coisas
enquanto a poesia for espada
não vale a pena lutar com ela
colaboro com os nazistas
quando digo embalado às sinapses dos raciocínios
a confiança na Razão cria Hiroshimas
e toda vez que choramos
estamos em guerra
a palavra pedra também não serve
para edificar na horizontal
um horizonte
por mais que seja dita
e mais que infinita
ainda é dura demais para suportar o mundo
Apenas
que expandiu a tua percepção e o caralho à quatro
ok, você venceu, batata frita
mas a minha droga continua sendo a poesia
E você
me disse que a música demoravá demais para sair
ficava remoendo, indo e voltando, sem saber
te digo que tem que ser na hora, sem pensar
a única coisa que eu não uso é a mente
só minto
e ainda erro a digitação, dane-se
não volto verso
O outro, é você mesmo
tenta fazer palhaçada de situações traumáticas
aquele problema
enfim, quero dizer que vocês são parte de mim
e não tenho outra responsabilidade senão
comer sonhos
A unha encravada me diz diversas coisas sobre mim que
desconheço
e também não sei se quero saber racionalmente
por isso escrevo uns versos mais rápidos que puder
para que a poesia cure o mal que ainda não fiz
e ainda deixe um cheiro de rosas anti-sépticas no local
Quero te dizer isso apenas
quinta-feira, 19 de março de 2009
Clássico
acredito na hipnose e ela em mim
seria mais fácil o azul ou o amarelo
o Sol mantêm-se inquieto
meus conceitos estão todos nessa tarde
olho para o céu
aponto o dedo para uma nuvem
a forma do que vejo
se forma do que vejo
se for mais do que vejo
eu vejo a forma
que vejo
é um espelho:
os clássicos estão dentro da gente
os clássicos só nos relembram quem fomos
quem somos
quem seremos
apaixono-me pelo retorno ao mundo pagão
aos Deuses múltiplos que me explicam as razões
para essa poesia
as razões dessa não-razão
quero recontar a minha história que lí
terça-feira, 17 de março de 2009
RURRMR
segunda-feira, 16 de março de 2009
Atropelamento
os últimos versos devem ser recitados em frente ao espelho do banheiro)
fechei os olhos.
consigo escutar o sangue nas veias.
não é o sangue que está vivo.
nem o coração.
um cachorro ao longe tenta encontrar eco.
de repente desperto. é mais fácil ouvir
de olhos fechados.
os insetos juntos são um uníssono.
o vizinho caminha no teto.
vou procurando o escuro
o escuro que via quando feto.
mas sons evocam imagens.
o telefone toca, é alguem.
algo parece que está nascendo...
cresce uma voz, lá do escuro...
um som surdo, incerto
é uma imagem no ar
difusa, fora de foco,
como quando o asfalto está quente
e vem, de repente, um vulto
caminhando, correndo
tropeçando no vento
estou na bicicleta do corpo
no automóvel do meu corpo rápido
que corre na direção do escuro, do quente, do vulto...
do atropelamento morre uma prosa
e nasce uma poesia
domingo, 15 de março de 2009
Brincadeira
algo sobre o cheiro dela, de fruta desconhecida
e automaticamente estou lá, escalando as paredes da escola
dando dribles-da-vaca, porradobol
você só ficava olhando
como são bobos esses garotos
nas festinhas americanas
aquela palpitação de solidão
não saber o que fazer
tentando não vomitar o coração pela boca
segurando com força a vertigem dos olhos
para não cair ao passo da macarena
na verdade eu não queria bater bafo
nem pular corda, nem 3 cortes
aquilo tudo era pra se mostrar
eu queria mesmo um tempo no canto
para conversarmos um pouco sobre a vida
mentira, eu queria agora, naquela época eu nem sabia o que era
vida
(quando a gente não pensa direito, não existe direito)
acho que sem poesia as coisas ficam menos
poéticas
sendo que hoje a equação é vida = poesia
sendo assim: poesia = vida , poéticas = vívidas
acho que sem poesia as coisas ficam menos vívidas
então precisa-se amadurecer um pouco para viver mesmo
o resto não chega a ser viver
seria mais
agir, fazer, reagir
e também, como o tempo não existe
esse tempo aristotélico,
a gente tá lá e cá e ali
sem distinção
eu acabei de cair e ralar o joelho
Outros
retorno
com a força de um grito
transbordo
o que fui serei será
ao mesmo tempo
o dito escrito
fito o som o disco elíptico
das órbitas oculares
que giram, giram, giram
na lembrança dos outros lares
De outras moradas
de outros sorrisos
vem uma dor e um otimismo
de vislumbrar a área em que os pés
tocam a estrada
De outras falas
outras cenas
acena um adeus quando se chega
e um tudo bom quando se vai
De outro cais
de outras estações
vem uma sina de tocar Deus
De outro adeus
de outro mais forte abraço
vem uma alegria de aço
e um observar estrelas
sábado, 14 de março de 2009
Hamlet
ao ver o meu espanto
plasmado em cena
qual o meu medo
ao ver o meu segredo
em espelho
o Ferreira Gullar fala que a arte existe porque a vida só
não basta
então esse homem
vem me inventa
o ser humano
o SER HUMANO, no sentido do verbo SER
o que é o humano?
uma invenção
um Hamlet
Arcaico
choveu tanto que pensei
que o mundo ia acabar
choveu e trovou
que pensei como somos
pequenos
a luz da cidade apagou
somente os raios iluminavam
a cidade
como fogos de artíficio de uma só cor
explosões no céu
os estrondos balançavam o chão
carnaval de luz e som
folia de Deus, uma festa pagã e sagrada
como o Brasil
como somos pequenos
diante desse espetáculo
só nos resta procurar abrigo
e olhar as transformações gigantes
as mutações dos instantes
a força dos ventos
também sou homem das cavernas
sinto a proximidade do dilúvio
e o medo do que não consigo explicar
também sou homem das cavernas
e por isso invento uma pintura
tento inventar a palavra Chuva
sexta-feira, 13 de março de 2009
Curva
estava escrito uma poesia
que não sinalizava nada
apenas dizia:
"aqui é a curva
cuidado, está escuro
aqui é a curva do fim do mundo
do turvo, turvo, muito turvo
do corvo, da noite, onde está você?"
(retratos de crianças nos jornais)
troco a estação do rádio
antes que o mundo desabe
estava tocando um fado
estava tocando a minh'alma
um sentimento estranho
de curva
rrrrrrrrrrrrrrbbbbbbbbbbbbbbbrrararrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrbáaaaaaaaaaaaaa
aaaaaaaaaaaaáá´´aá´´a´´a´´a´´aá´´aá´´aa
(acordo com acordes diminutos)
era um sonho ou morrí
era um samba ou morri
era um sono ou sorrí
estou vivo ainda vivo na morte
><><><><><><><><><><><><><><><>
as cercas do mundo, as fronteiras
eu arteverso
como renda da mais fina seda
imaginária
quarta-feira, 11 de março de 2009
Repente feito de repente ao pé da Cruz
eu sou um viajante
que, embora jante
foi anti-ontem
eu sou uma bomba
um laxante ambulante
sujando o mundo
sujismundo
um sushimundo
do sertão do Rio de Janeiro
eu sou um brasileiro
um braseiro de fumaça
não sei escrever nem meu nome
mas passei com nota zero em fome
passei por poucas e boas
fiquei rouco de tanto futebol e carnaval
passei mal de tanto ser feliz
e agora tenho tudo o que sempre quis
um farelo de bis, fui no Vik Muniz
pra ver a arte de chocolate, a única que entendi
eu sou carioca do sertão da Parabólica
sou japonês das praias de Copa do Mundo
sou um craque perna de pau
lanço meu coração no fundo da rede globo
jogo dinheiro no vento no vendaval no tempo
e gosto muito, mas muito mesmo de coxinha de galinha
temperada com coentro
eu sou filho do Brasil
dessa terra tão bonita e tão sei lá
comprei óculos escuros e agora fico em cima do muro
observando as bundas as lajes e as lindas paisage
ah, ahdoro viage
Viagra, Vadiagem!
é meu grito de guerra
o bom daqui é que é Paz
o tempo inteiro é Paes
no sertão do Rio de Janeiro
a viagem eu sou um viajante infante
elefante voador
Trança
e se eu quiser ouvir somente o silêncio
o que será que vai nascer
do exato momento que eu percebo
que sempre fui eu
nunca você
as buzinas me lembram que a rua prossegue
menos a minha sombra continua
perseguindo o meu corpo
o Sol insinua um sono
eu nunca fui dono da minha sombra
muito menos
você
e se eu quiser fluir simplesmente
esquecendo o cadarço e o passo
andando e pisando em brasas
pisando nas asas dos sábios
estaria na verdade enterrando
a cerimônia dos dias
e teus pés pisando a terra
e se a longevidade dos gestos
desalinhar as órbitas dos olhares
tuas mãos cobrindo os meus olhos
aguçando o açúcar da escuridão
advinho o teu futuro e o meu presente
que você não deu ainda
ainda esmaga no dente
a mudança da estação
e se a Lua se rebelar contra a nuvem
assim como rebenta os cabelos no vento
o tempo de sorrir fica lento, vira
vira tudo, a lata, o coração, sedento
de tudo aquilo que tenho medo
e lamenta a Lua o leite do pranto
no espanto sujo da poesia
aquela sua camisa de algodão
aquele seu sapato preto
o teu pano em cima da mesa
a luz clara luz e faca das cores
faz cócegas nos amores
deixa o ar raro e feito tudo isso clara
preenche a tarde e arde na face na testa
a fresta clara da noite e sorte nossa
o tempo e o faro se cheiram no claro
do quarto teu do espaço em que se perdeu
a escuridão na briga com a clara rima da vida
que perdeu a barriga a espada e a dor
Compasso
assim mesmo, como se martelasse uma obra
mas ele também pode
martelar música
enquanto martela a obra
e seus colegas juntos
podem fazer uma orquestra
de percussão
enquanto martelam a obra
martelam outra obra
que não ocupa lugar no espaço
no compasso da liberdade
martelam uma obra
enquanto eu martelo uma obra
segunda-feira, 9 de março de 2009
Ses
ela sonega o nego do que é mais belo
se a branca põe a touca na hora do banho
ela banca a ovelha negra do rebanho
se o índio põe a tanga meio já gastada
ele ainda pega manga e dane-se a rima
domingo, 8 de março de 2009
Nuvem
só quem fechar os olhos
o chão na verdade é nuvem
e a gente está flutuando
conhecer as cicatrizes do planeta
as civilizações perdidas
os oceanos, pacificamente
flutuando da raiz ao fruto
fazendo um suco
da coagulação da luz
no belo horizonte
de mãos dadas
ludibriar o amanhã
com canções diferentes
lubrificar os olhos
cachoeira, nos perfumes de novo
algo me diz que é saudade
na superfície da viagem
a paisagem invade os lados
na perspectiva do absurdo
um senhor toca clarineta
e a mulher descobre os sete véus
numa cidade grande
não é miragem
você está flutuando
e a cada aceno
para os fabricantes do sonho
o trigo se despreende da nuvem
irrigando a infância
da Humanidade
algo me diz que estamos no começo
no começo antes do começo
antes do antes
estamos perto do abismo
para recomeçar
uma vida nova
estamos longe de Júpiter
e perto do Rio de Janeiro
sem sinalização
a nuvem figura plana nas ilhas
desconcerta o que era vertigem
estamos em casa
sábado, 7 de março de 2009
Pulo
olhei quando os dois golden retrievers
pularam no mar atrás da garrafinha d'água
que a dona jogou
Eu queria ter essa garra
Era você
era você
vestida de amanhecer
com cara de Sol
sem solidão
e sorriso feito curva de montanha
Um coração de lobo
uivando você
pelas luas de Saturno
noturno de Chopin
chorando as melodias
da noite
Um som de sonho
era você
nua nos ombros
buscando crescer
pelas ruas de Janeiro
cantando o teu sorriso
como um mantra
Um tom de Março
sem você
o que eu faço?
eu invento um traço
das nuvens que vejo
desejo o espaço
do teu beijo
sexta-feira, 6 de março de 2009
Banho
e já estou seco
os pontos finais
esfoliam minha pele
e eu insisto
na poesia
nesse banho
do cotidiano
eu insisto em decifrar emoções
que nascem agora
prematuramente
dos dentes e da pele
com uma vontade de viver
e deixar de engatinhar
vou me descobrindo palavra
indefinição entre som e sentido
às vezes escuto o som das ondas
que vibram o centro da Terra
às vezes é só um grito baixinho de desespero
que deixa a pele áspera
de tanto sonhar
é justamente por isso que me banho
há uma segunda camada
por baixo da minha pele
por baixo das frases e dos cartazes da rua
que quer ser poesia
quer entender o Universo
do verso
quinta-feira, 5 de março de 2009
Espera
me lembrou que eu existia
que eu era uma ilusão
no meio da rua
os sentimentos esbarram nos outros
dão cotoveladas
tropeçam na calçada
ela fez cinema com os olhos
cinema-olho
olhando a paisagem
artificial
olhando os meus olhos
tão pobrinhos de sentido
tão compenetrados
nos olhos de criança dela
por alguns momentos a nossa vida faz sentido
mas o ônibus chega
quarta-feira, 4 de março de 2009
Verde
o verde envolve o vento
o ver-te em volta do tempo
o ventre venta e inventa
um tempo sem tempo sem gesto
um tempo sem tempo sem resto
invento esse verde
invento esse ver-te
inverto esse invento
verdejo o momento
verde
segunda-feira, 2 de março de 2009
Escrevo
te contar diversos segredos, meu caro eu.
Meu barato das noites, meu eu mesmo.
Escrevo porque te sinto.
Escrevo porque te sou:
Escravo dos meus desejos, dos meus medos, dos meus dedos
quando escrevem a libertação
domingo, 1 de março de 2009
Balanço
O que ficou para trás era amor?
O que ficou para trás era poesia?
Façamos um balanço do parquinho.
O movimento pendular descobre a gravidade
e as maçãs, as lâmpadas, e o dever de casa, caem.
Neve em pleno Rio de Janeiro
é quase como se as palavras congelassem.
No horizonte oscilante a vida balança
é quase como se embalada numa dança
as palavras para descrever o mundo
trocassem de par.
Façamos o balanço de nossas vidas:
Até agora, que sonho adormecer?
Por ser agora, que sonho era realmente seu?
Nem caibo mais nesse balanço
O parquinho diminuiu, diminuiu...
Quase não consigo enxergá-lo
hoje ele balança
o brilho dos meus olhos.